Lendas escoteiras.
Uma noite maravilhosa de Natal!
Eu sempre tive um carinho enorme pela noite de natal. Família reunida,
muitos presentes, abraços uma bela ceia isto sempre me encantou. Triste eu
ficava quando lembrava que muitos não tinham esta minha felicidade. Já passava
da meia noite e junto com minha esposa admirávamos na varanda os foguetes e a
luzes no céu. Uma enorme tristeza se abateu sobre mim. Lembrei-me da última visita que fiz na casa do
Chefe Maninho. Sempre foi um pai para nós escoteiros de Esperança Feliz. Dizem
que ele entrou para o Grupo em 1946 Ficou mais de sessenta anos no escotismo.
Sempre notei nele uma pessoa triste, um olhar perdido no horizonte, olhos
fundos e sempre com uma lágrima furtiva que ficava tentando esconder.
Chefe Maninho morreu há dois meses. Nas suas exéquias poucos foram. Esperava
uma multidão e não foi quase ninguém. Claro era difícil vê-lo sorrir. Acho que
ninguém nunca recebeu dele um abraço. Era muito fechado em si mesmo. Nunca
esqueci o que ele me contou um dia. O Fogo do Conselho havia terminado e
ficamos eu ele, Rosa uma Chefe Escoteira, Nair sua Assistente e Paulo Alberto
um Chefe de tropa. Ficamos conversando e a meia noite todos foram dormir. Só eu
e o Chefe Maninho ficamos em volta do fogo às vezes sorrindo ao ver um cometa
passar. Não sei por que ele estava com os olhos marejados de lágrimas. – Chefe,
perguntei está se sentindo mal? - Não meu amigo, respondeu. São as lembranças
que não cessam. E então, começou a contar parte de sua vida que acredito era
desconhecido por todos que ficaram ao seu lado por muitos e muitos anos.
- Chefe, eu perdi meu pai quando tinha cinco anos. Eu o adorava. Ele era
tudo para mim. Levava-me aos parques de diversões, me levava em alto mar para
pescar, fomos acampar em lugares inóspitos e eu vibrava em sua companhia. Ele
era Militar das Forças Armadas. Segundo Sargento do Regimento de Infantaria e
todos o admiravam pelo seu caráter, por ser tudo o que hoje não sou. Um pai
alegre, prestativo, amigo e muito respeitado não só em seu regimento como em
toda vizinhança. Ele mesmo me contou com orgulho que fora incorporado ao 3º
Regimento do Exercito Brasileiro. Um regimento da Força Expedicionária
Brasileira. Em poucos meses ele partiu para a guerra na Itália. Eu e mamãe
choramos muito quando ele partiu. Sabe Chefe, ele partiu em uma noite estranha,
cuja lembrança nunca mais me sai. Chamou-me e disse – Filho, seu pai vai lutar
lá na Alemanha. Vou me cuidar. Ainda vamos fazer grandes coisas, eu e você. Eu
voltarei.
- Nos primeiros meses ele escrevia sempre. Mamãe, minha querida mamãe!
Ela lia suas cartas, baixinho devagar, dizia que logo estaria de volta, pois a
guerra estava prestes a acabar. Todos os dias ele vinha em meus sonhos, e nele
retornava como se estivesse me abraçando. Passou um ano e ele não voltou. No
natal escrevi para o Papai Noel uma carta. Uma carta simples, só pedia ao meu
bom amigo que trouxesse de volta o meu papai que foi lutar na guerra. – Olhe Papai
Noel, você que pode mais que a gente, e tem uma força sem igual, me dê Papai
Noel este presente, se possível nesta noite milagrosa de natal. Mas nada. Nem
resposta. No ano seguinte escrevi de novo. – Papai Noel, meu santo e bom
paizinho, eu tenho meu coração como uma brasa, nesta hora triste em rezar ao
Senhor eu venho. Papai Noel, se todos têm o seu papai em sua casa, só eu Papai
Noel é que não tenho?
Os dias, os meses foram passando. Mamãe só vivia pelos cantos chorando.
As cartas não vieram mais. O silêncio era completo. Lembro-me que um dia mamãe
passou a se vestir de preto e nunca mais sorriu para ninguém. E para piorar
tudo, um tarde chuvosa do mês de julho, bateram em nossa porta e dois oficiais
do Exército Brasileiro entregaram a minha mãe uma medalha. Disseram a ela que
ele tinha sido um herói. Mamãe, mamãe, eu quero meu papai! Ela calada,
taciturna não chorou mais. Seu rosto lindo que nunca esqueci agora parecia uma
mascara de cera. Na missa dos domingos ela disse para o Padre Antonio que
estava perdendo a fé. Perdeu seu marido na guerra, ainda tinha seu filho, mas o
mundo para ela desmoronou.
Sabe Chefe, aquele mil novecentos e quarenta e cinco foi o ano que mais
chorei. Eu sempre a noite rezava. Não acreditava que ele tivesse morrido.
Jesus, meu amado e bom mestre eu dizia, se os tais heróis não voltam para casa,
será que vale a pena ser herói? Senhor Jesus, meu santo e bom paizinho, me dê
neste natal um presente. Acabe com minha revolta e me traga de novo o meu papai
que foi brigar na guerra. Eu sei que o Senhor pode tudo e sei que vai dar um
jeitinho de mandar o meu papai de volta. – Olhei para ele e ele chorava. Um
"Velho" de oitenta anos chorando. Continuou a narrar sua história. -
Olhe Chefe não dá para esquecer. Acho que mamãe sempre ouvia minhas preces,
pois um dia, naquela noite de natal, eu dormi abraçado com o retrato do meu
pai. E confesso que tive lindos sonhos com ele. E sabe Chefe, ao acordar gritei
surpreso, pois lá estava enrolada em meu sapato uma enorme bandeira do Brasil!
Sem palavras. Chorava ali com aquele Velho Chefe Escoteiro naquele fogo
que aos poucos se apagava. A brisa vinha de leve a nos dar um pouco de calma,
de frescor. As pequenas fagulhas ainda existiam naquela fogueira que eram
cinzas e mesmo assim algumas se arriscavam ainda a subir aos céus para logo
serem levadas pelo vento. Papai Noel. E quem ainda não acredita nele? O natal,
linda noite para alguns, muitas tristezas para outros. Abracei com força o
Chefe Maninho. Ficamos ali até o amanhecer. Nunca mais o esqueci. Que Deus esteja com você
meu amigo, nestes pastos verdejantes do céu, junto ao seu papai e sua mamãe!
(História baseada no poema de Orlando Cavalcante,
“Oração de natal de um órfão de guerra”).
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