domingo, 27 de outubro de 2013

A FELICIDADE NÃO SE COMPRA - GINO, UM ESCOTEIRO EM BUSCA DOS SEUS SONHOS



A felicidade não se compra
Gino, um escoteiro em busca de seus sonhos

Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz!
Mario Quintana

      Existem certos contos que me fazem lembrar de situações ou fatos do passado. Esse é um deles. Quando imaginei a historia e como seria me lembrei do filme A Felicidade não se Compra, de Frank Capra. Para muitos uns dos maiores diretores de todos os tempos. Conta a historia de George, quando um dia sua vida virou de cabeça para baixo e na ocasião do natal, um anjo que lutava para ter suas asas de volta, desce a terra para salvá-lo de um suicídio. George sempre fez o bem, mas seus sonhos desabaram. James Stewart e Donna Reed mostram porque o filme concorreu a quase todas as indicações ao Oscar da época. Estão soberbos.

      Não que a historia de Gino seja a mesma. Nada disso. Gino não tinha nada de extraordinário e nunca pensou em tirar sua vida. Com o que tinha se sentia feliz. Gino era escoteiro da patrulha Corvo. Assim como o anjo que foi fazer a boa ação com George no filme, Gino também adorava fazer boas ações. Na sua patrulha era amado por todos e bem considerado. Gino adorava ser escoteiro. Não era fácil. Sua família muito pobre. O Grupo Escoteiro não cobrava dele a mensalidade e o ajudava muito nas taxas extras das atividades ao ar livre.
 
       O pai de Gino era carpinteiro. Ganhava o suficiente para a família. Infelizmente bebia muito. Chegava em casa e ia para o quarto. Isso entristecia muito a Gino. Nos fogos de conselhos que participava, não gostava de fazer personagem de bêbado. Lembrava de seu pai. Não contou para ninguém, mas um dia ele apareceu durante a ortoga de um Liz de Ouro a um monitor da patrulha Cão. Achou que era Gino quem iria receber. Estava bêbado, quase caindo e Gino não sabia onde se esconder. Seu pai não deu vexame. Mas o Chefe da Tropa notou e olhou de maneira embaraçosa para Gino.

     Naquele dia Gino se sentia feliz. Haveria um Acampamento Regional de Patrulhas (ARP). O Chefe da Tropa estava vendo quem iria. A taxa era alta. Gino sabia que nunca poderia ir. Não podia pagar. Gino, no entanto ria da alegria dos amigos. Boa parte da patrulha iria participar. Ele se sentia feliz em ver a felicidade deles. Isso era próprio de Gino. Sempre pensava nos outros e pouco em si próprio. Só ficava triste porque quando do evento não havia reuniões de tropa. Uma das paixões dele.

     Na semana seguinte, lá estavam eles de volta, contando as novidades, rindo, mostrando fotos e Gino sentia dentro de si, uma alegria por ver tantos amigos alegres. Claro, seus olhos brilhavam. Bem não tanto, aqui e ali uma pequena lagrima por não ter ido. Os membros da patrulha contavam maravilhas. Jogos, canções, fogo de conselho. Centenas até milhares de participantes. Gino ouvia calado. Ah! Pensava. Meu dia chegará. Sim claro. Gino pensava que ele também poderia um dia participar de uma atividade como essa.

      Naquele sábado estavam fazendo uma atividade de base. Eram cinco. Em uma delas treinavam como fazer um tripé com os olhos vendados. Claro, Gino se destacava nessas atividades. Não levou mais que dois minutos para dar uma amarra para tripé. Sabia como ninguém. Claudio era o monitor da patrulha. Desde que Gino entrou para ela, se encarregou de prepará-lo nas suas provas de etapas de classe. Ele dizia que Gino poderia ser Liz de Ouro. Tinha todas as qualidades para isso. Claro, era seu sonho. No entanto ele tinha outro. Um sonho lindo. Participar de uma grande atividade escoteira nacional.

    Ele sabia que uma estava sendo programada. Seria em janeiro, daí a dois anos. Um Jamboree Nacional. Incrível! Uma apoteose! O Máximo que ele podia pensar. Milhares de escoteiros e escoteiras. Ele jurou a si próprio que não iria perder essa. Tinha tempo. Iria realizar seu sonho. Afinal ele era um escoteiro e tinha esse direito. Falou com seu pai, sua mãe e eles balançaram a cabeça. Não disseram nada, sabiam de suas condições financeiras. Gino tinha um plano. Ele ia conseguir. Começou a economizar. Tinha já em seu pequeno cofre mais de trinta reais. Precisaria pelos seus cálculos de uns mil reais. Ele não achava impossível conseguir.

      Sempre ao sair da escola, procurava um meio de aumentar suas economias. Passava de casa em casa, se oferecendo para limpar o quintal, um serviço extra, qualquer coisa. Ele já tinha conseguido quase cem reais nos dois últimos meses. Ainda tinha um ano pela frente. Sua luta não parava. A cada dia mais aumentava suas economias. Sonhava acordado pensando estar chegando na maior atividade escoteira de sua vida. Comentava com seus amigos de patrulha, que desta vez eles teriam companhia. Sabia que quase todos iriam. Seus pais tinham condições financeiras e as taxas seriam pagas na data certa.

    Faltava pouco mais de seis meses para o inicio do Jamboree. Gino já economizara mais de setecentos reais. Já dava para pagar a taxa, só precisava do saldo para a viagem e alimentação. Nas reuniões ele alardeava sua alegria com todos. Desta vez ele estaria presente. Nada de fotos, nada de historias, ele iria viver todo o programa do Jamboree ao vivo e cores. E dava belas gargalhadas. Soube pelo chefe da tropa que vários escoteiros de muitos países estariam presentes. Já pensou? Conhecer outros, uniformes diferentes, quem sabe trocariam distintivos e lenço com ele? Pediu a sua mãe que fizesse cinco. Tirou de suas economias para comprar o tecido.

      Gino olhava seu uniforme. Antigo. Não estava novo. Muitas lavadas algumas partes desbotando. Não dava para fazer outro. Ia com ele mesmo. Tinha tudo. Economizara desde que entrou para a tropa. Seu chapelão tinha as abas retas. Velho mas bem cuidado. Sua faca mateira sempre limpa e ao colocar na capa, usava talco para conservar. O mesmo com sua machadinha. Seu cantil sempre era lavado e a capa perfeita. Ganhou do seu padrinho uma bussola Silva. Tinha um carinho enorme por ela. Ele iria se apresentar garboso, orgulhoso de ser um Corvo, não o melhor, mas procurava ser tanto como os demais. É Gino era um escoteiro de corpo e alma.

     Na semana seguinte, o chefe iria recolher a taxa de cada um para fazer a inscrição de todos. Só ficariam sem ir quatro escoteiros, pois eram férias escolares e eles iriam com seus pais para outras plagas. Quando acabou a reunião, Gino foi com alguns amigos ate a quadra onde dois times de basquete estavam disputando um campeonato. Era o esporte preferido dele. Quase não jogava. Quando podia entrar na quadra ele demonstrava ser um perfeito conhecedor das regras e de tudo que se fazia ali.

      Viu seu pai chegando. Assustou. Outra vez pensou? Já havia meses que ele não bebia. Tinha prometido parar. Mas não era o que pensava, não estava bêbado. Seu pai o procurava. Sua mãe estava muito mal no pronto socorro. O medico tinha dado uma receita enorme. Na farmácia do posto de saúde não tinha nada. Sabia do sacrifício que ele tinha feito para conseguir a quantia da viagem. Ele não sabia o que fazer, falou com Gino que não tinha onde conseguir. Ele era sua única esperança. Tinha de comprar os remédios. O mundo de Gino caiu sobre ele. Ele amava sua mãe. Não iria negar nunca. Foi com o pai e deu toda sua economia. Oitocentos reais. Seu sonho acabou. Jamboree, adeus! Gino não chorou. Sua mãe valia muito mais que um sonho.

     Durante cinco dias sua mãe ficou entre a vida e a morte. Seu pai vendeu uma pequena serra elétrica de madeira, tinha duas, precisava dela, no entanto o dinheiro acabou. Ele precisava de mais. Vendeu por nada. Um preço muitas vezes inferior ao valor real. O médico do bairro veio duas vezes. Uma pequena fortuna ele cobrava. Gino não saiu da cabeceira de sua mãe. Na quinta feira, ela sorriu. Gino e seu pai sorriram. Ela estava melhorando, até levantou para fazer o almoço. O sorriso de sua mãe foi um balsamo para a tristeza dele. Tentava esquecer o Jamboree. Tinha de esquecer. Agora era esperar eles voltarem e contarem como foi. Fotos, programas, e Gino ia sorrir como sempre fazia e chorar depois.

     No sábado, a reunião foi interrompida para que o Diretor Técnico explicasse como ia ser a viagem e receber dos que ainda não tinham pago a taxa. Gino ficou calado quando o chamaram. O chefe insistiu. Pela primeira vez ele mentiu. Não mentia nunca. Para ele o escoteiro tem uma só palavra. Ele não tinha duas, sempre fora leal. Agora não. Chorou por dentro quando mentiu. Disse que tinha uma infecção intestinal, não podia viajar. O medico proibiu. Não falou mais nada. Sua garganta estava engasgada. Não saía voz.

      Gino foi para casa pensando como a vida era ingrata. Claro, aceitava. Afinal entre a vida de sua mãe e o Jamboree ele ficava com sua mãe. Mas estava amargurado. Não ia chorar. Não podia. Não ia resolver nada. Sonhou tanto com esse Jamboree e o sonho morreu. Pensou consigo mesmo, afinal ainda tenho uma vida pela frente, haverá outras oportunidades. Chegou em casa e tentou sorrir para sua mãe e seu pai. Um sorriso amargo. Tentou fingir, não deu. Foi para seu quarto e chorou. Chorou muito. As lágrimas não paravam de sair. Sua mãe desconfiou e foi até lá. O abraçou e chorou com ele.

        O dia amanheceu. Um lindo sol no horizonte. Os pássaros cantavam nas árvores próximas. Uma brisa gostosa refrescava aquela manhã. Era sábado. Dia em que todos iriam partir para o Jamboree. Gino ficou na janela. Tentando ver em sua mente, a alegria de todos na partida. As canções, o ônibus, sorrisos em profusão. Estava taciturno, calado, mudo. Não chorava mais. Não adiantava. Bola para frente dizia consigo mesmo. Mas era tapear seu coração que doía de uma maneira terrível. Deus dizia daí-me força. Vai ser difícil sair dessa fossa.

      Gino foi para o quintal. Tinha uma mangueira frondosa que ele gostava de sentar na sombra e imaginar tudo que um dia poderia fazer. Ali era onde sonhava. Pensou que logo passaria para os seniores. Lá tinha certeza que iria fazer tudo de novo. Ele seria maior, conseguiria um emprego e não ia perder mais nenhuma atividade nacional. Sonhou que poderia ir em um Jamboree mundial em outro país. Sonhar... Como é bom sonhar. È barato, de graça, não custa nada e muitas vezes conseguimos nesses sonhos tudo que gostaríamos de realizar.

      Gino dormiu encostado ao tronco da mangueira. Agora ele sonhava. Viu anjos, viu nuvens brancas, viu um velhinho de barbas brancas sorrindo para ele e dizendo: - Você vai conseguir. Voce vai conseguir! Não desanime meu filho. A vida é bela. Sabe meu filho, o fantástico da vida é saber fazer de um pequeno momento, um instante de um grande momento. Aprenda que o importante na vida não é o que você tem e sim o que você pode conseguir. Se a felicidade não entrar pela porta não tem problema. Fica um pouco com a tristeza e depois mande ela embora. O velhinho sorriu e desapareceu.

     Era um belo sonho, mas Gino acordou assustado com uma buzina de um ônibus. Levantou esfregou os olhos e viu seu pai sua mãe e o chefe da tropa com eles. Eles sorriam e diziam, vá se preparar meu filho, você vai para o Jamboree! Incrível! Espantoso! Ele não estava acreditando. O chefe da tropa contou que todos se cotizaram.  Souberam do seu ato de grandeza. Um escoteiro assim não ia ficar para trás. Gino deu um salto. Gritou alto. Viva! Ainda tenho sonhos e eles estão sendo realizados.

     Gino correu. Foi ao seu quarto. Vestiu o uniforme. Olhou-se no espelho. Gostou do que viu. Sorriu para se próprio e gritou – Jamboree me aguarde, aqui vou eu! E dava belas gargalhadas. É a vida é assim mesmo. Voltas daqui, voltas dali e as surpresas acontecendo. Algumas muitas vezes não agradáveis, mas outras estupendas.

      Descrever a alegria de Gino na chegada, ver tantas delegações chegando também. Gritos alegres, canções nunca ouvidas. A inscrição, os abraços, os comprimentos. Eu? Sou de Mira Flores e você? E assim ia. Canadá, Estados Unidos, México, Inglaterra, muitos países. Gino nunca soube quantos. Quando do último dia, os olhos de Gino encheram-se de lagrimas. Desta vez de alegria. Uma grande cadeia da fraternidade. Cantada em vários idiomas.

     O ônibus, a chegada, a mãe e o pai esperando. Gino gritando – Mãe! Consegui! Fui no Jamboree! Mãe, oh mãe, me abrace, sou o menino mais feliz do mundo! Seus pais choravam de alegria. É. Gino conseguiu. Ficou marcado para sempre em sua vida. Não importava agora se podia ir ou não em outros. Seu sonho foi realizado. Ele pensava e dizia em voz alta – Eu não fiquei olhando a montanha. Eu a escalei. Vi o outro lado. Gino sabia. A chave da felicidade é sonhar. A chave do sucesso é fazer dos sonhos a realidade. O mais importante na vida não é o triunfo, mas a luta para alcançar.

      Este é o nosso movimento escoteiro. Algumas histórias com final feliz. Todos gostam mais dessas. Mas as tristes existem. E pode estar ao seu lado. Quem sabe existe um Gino em sua tropa? Faça dele também uma pessoa feliz.  Não pense só em si, no seu sucesso, na sua alegria. Todos gostam de contar o que sentiram, mas tem aqueles que nunca poderão sentir o que não viram. Antes de programar uma aventura, pare, veja e olhe. Será que não tem nenhum Gino por aqui?

E quem quiser que conte outra.

"Afogue a tristeza nas ondas da alegria;
Enxugue as lágrimas no manto do sol e faça brilhar um sorriso nos lábios.
 A boca que vive a chorar desaprende a sorrir."




Obs. Uma leitora me alertou que uma frase aqui colocada, pertence a
 um poeta que não foi citado. A citação Afogue as tristeza nas ondas
da alegria seria de Inácio Dantas do blog http:/inaciodantas.blogspot
.com. Minhas desculpas. 



2 comentários:

  1. Eu amei a Historia Chefe Osvald, quero ser igual ao GINO, realizar todos os meus sonhos um dia, e ser muito FELIZ com humildade =D

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  2. A citação "Afogue a tristeza nas ondas da alegria..." pertence a Inácio Dantas.
    http://inaciodantas.blogspot.com

    Grata

    Fernanda

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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