terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

AS AVENTURAS DE TOTONHO, O ESCOTEIRO CAÇADOR DE ONÇAS!


As aventuras de Totonho, O escoteiro Caçador de Onças!

“Felizes dos que, relembrando a juventude, não se lembram de fatos vergonhosos.”
"Se eu pudesse voltar à juventude, cometeria todos aqueles erros de novo. Só que mais cedo."
 (Tallulah Bankhead)

                 As Aventuras de Huckleberry Finn é uma seqüência do livro As Aventura de Tom Sawyer. Delicioso conto de Mark Twain, mostra as aventuras de um jovem que sendo maltratado pelo pai, foge e vai viver com uma senhora de posses. Huck vive bem lá, aprende de tudo, e para fugir do pai novamente, encontra um escravo negro e com ele se refugia em uma ilha. Lá descem o rio Mississipi. Uma grande historia. Quem já leu nunca mais se esqueceu.
             Mas porque estou escrevendo isso? Não sei. Risos. Não sei mesmo. Aqui a história é outra. Quem não tem lembranças “gostosas” de suas aventuras na juventude? Todos nós. Entretanto para aqueles que viveram suas aventuras na juventude e participando do movimento escoteiro tem muito mais o que lembrar. Disseram-me uma vez que na juventude aprendemos e na velhice compreendemos. Interessante não?
                 Uma tarde de dezembro, antes do natal, fiz uma visita a um amigo meu. Totonho Freitas. Ambos beirando os oitenta e dois anos. Eu e ele fomos escoteiros na mesma tropa. Patrulha diferente, mas sempre amigos. Estudamos na mesma classe. Ele se tornou um engenheiro famoso, eu ao contrário me tornei um “velho” rabugento sem emprego. Totonho tinha uma veia de poeta. Ali naquele tarde ele dizia – A juventude não é uma época da vida, é um estado de espírito. Podia até ser. E completava: - Sabe meu amigo, se eu pudesse voltar à juventude novamente, cometeria os mesmos erros de novo. Só que de maneira mais saborosa, mais aventureira.
                 Lembro muito de Totonho. Seu rosto seu semblante quando jovem estava sempre alegre, seus olhos viviam perscrutando tudo a sua volta. Totonho me lembrou de belos fatos que já tinha esquecido. Ah! O passado. Mas olhe, Totonho era diferente de mim. Mesmo com 83 anos ele ainda participava do Grupo Escoteiro Estrelas Cintilantes. Eu devido a uma série de problemas de saúde não participava mais. Recebia sim em minha casa dezenas de amigos que se encontravam na ativa, e ria a mais não poder quando eles me contavam gostosas histórias, de Elos, de ARP, de acampamentos. Eu adorava isto.
                  Totonho se lembrou daquele acampamento no sitio das Três Porteiras que não pude comparecer. Uma forte gripe, uma febre alta e sabia que meus pais não me deixariam ir. Chorei muito, mas o que há de se fazer? Acampamos muitas vezes lá. O proprietário era amigo do nosso chefe e colocou a porteira aberta para nós. Uma só é claro, as outras existiam na imaginação de quem deu o nome ao sítio. Risos.  Quando penso no sítio, não é como os de hoje. Era enorme, linda mata uma lagoa enorme, duas nascentes e um belo córrego com muitos peixes.
                   O chefe Jessé fez um desafio às patrulhas e elas claro aceitaram. Éramos quatro patrulhas. Raposa, Pantera, Leão e Morcego. Eu da Raposa e Totonho da Morcego. Seriam precisamente três desafios. O primeiro, não levar alimentos de espécie alguma. Nem óleo nem sal. O segundo não levar barracas e nem material de sapa. E o terceiro estávamos proibidos de dormir no chão depois do primeiro dia. Como era época de férias, seria um acampamento para cinco dias. Nas mochilas só uma muda de roupa e um cobertor alem dos materiais de higiene pessoal.
                   Todos “toparam” é claro. Afinal as quatro patrulhas possuíam vários primeiras classes, outros tantos segundas e muito poucos noviços. Totonho me olhava e ria dizendo que perdi o melhor acampamento de sua vida. Quando somos jovens, temos momentos tão felizes que achamos que vivemos em um mundo mágico, como é na nossa imaginação. Chefe Jessé dizia que os velhos acreditam em tudo, as pessoas de meia idade suspeitam de tudo, e os jovens, há! Os jovens eles sabem de tudo!
                   Eu fiquei sabendo de muitas coisas deste acampamento. Meu monitor me contou tudo. Dormir em abrigos feitos no alto da árvore não era difícil. Agora a alimentação esta não era fácil. Fizeram uma cabana pequena com galhos quebrados nas mãos, montados em bambu seco que encontramos em um bambuzal. Todas utilizaram árvores perto uma das outras. O pior estava por vir. A alimentação. O monitor mandou três dos nossos saírem à caça. Sim acharam que poderiam ficar cinco dias comendo frutas e aves na brasa. Para quem não está acostumado é uma barra.
                 Eu ainda não tinha ouvido do próprio Totonho sua versão do que aconteceu. Seu relato agora estava sendo feito, mas com essa idade não sei se tem muitos fatos “aumentados”. Continuemos com a explanação de Totonho – Junto com seu Monitor foram à caça. Saíram do campo de patrulhas como dois aventureiros em busca do Vale da Fome. Risos, isso mesmo. Totonho armado com seu bastão e muitas pedras no bolso. Encheram os bolsos de pedras retiradas do riacho. Em seguida montaram diversas armadilhas “tipo pirâmides”, tendo como iscas pedaços de mamão. Acreditamos que poderíamos pegar umas pacas e se possível um tatu, contava Totonho.
                Rindo e cantando, voltamos à tardinha com três pacas vivas e um tatu. Olhe, poderia ter trazido muitas rolinhas bem gordinhas, mas na hora H, não tive coragem de matar. Eu olhava nos olhos delas e pensava – Caramba! Nem sabem quem sou eu. Matá-las? Nunca! Levamos os bichos que pegamos vivos. O monitor me disse que nunca iria matar nenhum deles, se alguém na patrulha topasse tudo bem. Se não levaram para o chefe liquidá-los. Afinal a idéia foi dele!
                  Assim como Totonho e seu monitor, outras patrulhas também trouxeram animais e pássaros vivos. Ninguém teve coragem de matar. Cada patrulha visitou a outra a procura de um “matador”. Nada. Chefe Jessé e o Chefe Munir estavam em seu campo de chefia quando os monitores os procuraram. A surpresa deles foi enorme. – Nunca disseram! Não temos coragem. Soltamos os bichos. Uma fome enorme. Alguns já sabiam onde havia vários pés de goiaba e mamão. Goiaba verde. Mamão verde. Comemos assim mesmo.
                  A noite chegou. Uma tremenda dor de barriga. Totonho contava tudo com uma pitada de Grande Aventura. Eu sei que ele tinha uma só palavra, no entanto fatos que ele narrava não me foram relatados pelos outros na época. Não tinha como duvidar de Totonho. Passaram a noite toda gemendo e dormindo mal. O Chefe pouco pôde ajudar. No dia seguinte uma fome imensa. Fizeram uma Corte de Honra para decidirem se iriam retornar ou um assistente ir até a cidade comprar víveres.  
                  Ninguém quis dar o braço a torcer. Afinal eram ou não escoteiros? Correm ao primeiro sinal de perigo? Resolveram pescar. Pescar como? Alguns juntaram galhos quebrados em arvores e amarrados com cipó, fazendo uma pequena rede. Deu certo. Muitos lambaris e carás. Até duas traíras pequenas a patrulha pegou. Todos em volta do fogo. Brasas. Jogaram os peixes já limpos na brasa. A fome apertava a cada minuto.
                Esqueci de dizer, mas as patrulhas tinham mestres para acender fogo sem fósforos. Ouve outras ocasiões onde por inúmeras vezes treinamentos como fazer. – Continuou Totonho - Os peixes começaram a tostar, ou melhor, queimar. Meu amigo, cada um pegou seu pedaço. Tínhamos muitos peixes. Se você ainda não comeu peixe na brasa, mais sapecado que torrado, e sem sal e óleo, não sabe o que perdeu. Totonho ria a valer à medida que contava. Nunca vi um peixe tão ruim. Mas dizem que a fome é negra. Aquela manhã comemos peixe a mais não poder.                
                 Totonho ria. E como ria quando contava. Eu também me entusiasmei e juntei a ele rindo. À tarde – continuou – Mais peixes. Enganamos a fome. Alguém disse ter descoberto próximo ao riacho, plantas que pareciam inhames. Uma espécie de mandioquinha cinza que minha mãe sempre fazia. Puxamos a planta e belos inhames apareceram. A brasa estava no ponto. Peixe com inhame. Comemos a mais não poder. Não era inhame.  Eram carás, um tipo parecido. Não podia comer na brasa e sim diluído em água na panela. De novo a dor de barriga. Estávamos aprendendo a ter dor de barriga naturalmente. Ficamos craques! Risos.
                  O chefe Jessé não interferia. Era nosso desafio. Só visitava nosso campo pela manhã para inspeção, na hora do almoço e a tarde sempre formava a tropa para um jogo e algum adestramento mateiro. A noite um jogo noturno. No terceiro dia não agüentávamos mais. Inhames espinhentos (carás), peixes, mamão e goiaba verde. Na noite do terceiro dia ele nos ensinou como fazer uma armadilha para pegar um animal maior. Tínhamos que achar cipós grossos, fazer a emenda deles com uma costura de arremate bem firme para que ela tivesse pelo menos doze metros.
                  Não foi difícil. Todas as patrulhas fizeram no dia seguinte. Algumas nem foram usadas e só a nossa deu resultado. E que resultado! Enquanto as outras usaram frutas como isca, resolvemos colocar lá duas rolinhas para atrair um animal maior. À tarde depois de um jogo de Travessia em Alto Mar e antes do banho fomos ver nossa armadilha. Incrível! Uma Onça pintada! Devia pesar uns 120 quilos não sei bem. Presa por um pé só. Estava cansada de tanto lutar para sair Dalí. Olhou-nos com aqueles olhos de cachorro ladrão.
                  Totonho contava como se fosse hoje o que estava vendo. Eu não acreditava muito. Nunca vi falar nessa pintada. Continuou Totonho – Ela parecia ter quebrado as pernas e estava quase morta. Não havia mais jeito de soltá-la para a natureza. A patrulha resolveu dar cabo dela. Matar como? Achamos um pedaço de árvore bem grande. Todos seguravam na ponta e de uma só vez a pancada na cabeça dela foi forte. Escoteiros unidos para matar!
                   A onça morreu. Fiquei triste. Triste mesmo. Se soubesse que seria assim teria dado meu voto contra. Mas agora estava feito. Levamo-la amarrada pelos pés e mãos, enfiamos um bastão que envergou e foi necessário dois. Quase toda a patrulha com os bastão nas costas e a onça no meio. Ao chegarmos todos correram para nossa patrulha. O chefe Jessé e o assistente também. Os chefes ficaram tristes ao ver a onça morta. Todos ficaram. Mas enfim, nem vou contar. Um churrasco foi preparado. Todos ajudaram.
                  Uma festa e uma tristeza. Desta vez enchemos a barriga. Churrasco de carne de onça. Mesmo sem sal a carne da onça era deliciosa. Acho que seu espírito não gostou de nós e de ser morta e comida daquele jeito. A noite uma enorme tempestade se abateu no acampamento. Raios, trovões, mesmo acostumados nos assustamos. Chefe Jesse veio correndo e nos mandou sair das cabanas suspensas. Dito e feito. Uma ventania jogou tudo no chão.
                    Passamos aquela noite debaixo de arvores, mas a chuva ultrapassava as folhas. Alguns se enrolaram em cobertores e mesmo molhados davam alguma proteção. O dia seguinte era o do retorno. Nossas carretinhas não vieram e tivemos que voltar com as mochilas todas molhadas e pesadas. Mas valeu. Nunca tivemos nenhum adestramento de sobrevivência. Aprendemos fazendo. Totonho se calou. As lembranças pesam.
                   Totonho meu amigo, me diga. É verdade mesmo a historia da onça? – Totonho riu. Claro. Sem ela o acampamento não teria valido a pena. – Não sei não pensei. Essa onça não estava no programa e nem nas historias que todos os outros contaram. Mas enfim, que Totonho e sua onça se sintam felizes, mesmo ela descansando o sono eterno na barriga de Totonho e de todos os outros.
                  Não sei hoje poderia ser feito um acampamento assim. As normas para acampar mudaram. Os chefes também. Não condeno, mas olhe, Totonho disse que no Grupo Escoteiro que ele ajuda os meninos e as meninas ainda fazem muitas atividades aventureiras. Deus queira que sim. Disseram-me uma vez que os jovens estão mais aptos a inventar que fazer. Mais aptos a executar que pensar, e são ótimos em iniciativas. Não sei, acho que eles tem hoje um problema. Rebelam-se e não se enquadram ao mesmo tempo. 
                   Quando somos jovens corremos em busca dos nossos sonhos. Ainda acho que só é bom enquanto somos jovens. Á medida que avançamos na idade, não convém que o arrastemos atrás de nós. A juventude é uma coisa maravilhosa. Ainda acho uma pena desperdiçá-las em jovens.  Risos. Mas eu também fui um. Devia ter ido naquele acampamento. A história da onça pintada de 120 quilos de Totonho é dura de engolir. Enfim, ele é um escoteiro e o escoteiro tem uma só palavra e sua honra vale mais que a própria vida!
E quem quiser que conte outra...
* Às vezes é melhor ficar quieto e deixar que pensem que você é um idiota do que abrir a boca e não deixar nenhuma dúvida.


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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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