terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A ESCOTEIRA GIGI, O ROUXINOL DA MONTANHA


A escoteira Gigi, o rouxinol da montanha

Longe um trinado.
O rouxinol não sabe
que te consola.
 "Se você ama a música a ponto de servi-la humildemente, o sucesso acontecerá automaticamente”
– Maria Callas

                      Quando nasceu Maria Eugenia não chorou. Os médicos estranharam. Ela os olhava com seus lindos olhos verdes bem abertos. Quando a colocaram junto à mãe, ela sorriu. Incrível! Gigi falou as primeiras palavras aos oitos meses e com nove já andava pela casa toda. Mas a surpresa maior foi quando ela fez dois anos. Ouvia musicas junto aos seus pais e cantava. Uma linda voz, mas ainda em fase de desenvolvimento. Gigi foi crescendo e quando fez seis anos seus pais se assustaram. Gigi não era uma boa aluna. Só mesmo uma cantora excepcional.

                     Seus pais eram pessoas humildes. Sem posses, mal uma casinha simples na periferia da cidade. Ela convivia com meninas da sua idade, mas tão pobre como ela. Dificilmente os pais podiam comprar um presente para ela no natal. Mas nunca deixaram de dar, sempre um presente simples. Gigi não se importava. Gostava de sentar na frente de sua casa e com as amigas ela cantava, todos calavam e ficavam de olhos e ouvidos fixos em Gigi. Ainda cantava musicas comuns.

                     Quando fez sete anos, viu na escola uma menina de uniforme e ficou encantada. Perguntou o que era e soube que ela era lobinha. Encantou-se. Queria ser uma delas. Sua mãe uma simples lavadeira nem entendeu direito seu pedido. Seu pai, um pedreiro sem emprego, trabalhando como diarista tentou dissuadi-la. Não conseguiu. Ela não chorava, sabia de sua condição humilde, mas tanto falou que sua mãe e seu pai um dia de sábado vestiram suas roupas de ir à missa. As melhores que tinham e a levaram ao Grupo Escoteiro.

                      Seus pais se sentiram um peixe fora d’água quando chegaram ao Grupo Escoteiro. Em um canto do pátio observavam tudo até que um chefe bem educado os procurou. Explicaram o porquê estavam ali. Deixaram bem claro suas condições financeiras. Nunca poderiam arcar com despesas se ela fosse aceita. O chefe Carlos foi calmo e sorrindo explicou que não se preocupassem. O Grupo Escoteiro tinha uma verba para ajudar aos jovens mais pobres. Mas que para isso eles deveriam também estar presente a vida do grupo, para qualquer tarefa. Quais eles seriam cientificados posteriormente.

                        Um mês depois Gigi foi apresentada a Alcatéia Seeonee. Foi o dia mais feliz para Gigi. A princípio a Akelá a achou meio “sapeca”. Não levava a serio sua matilha. Alguns meses depois Gigi se transformou. Nelsinho o primo da matilha era um dos seus melhores amigos. Infelizmente Nelsinho não ficou muito tempo. Seus pais mudaram da cidade. Foi nesse dia que descobriram na Alcatéia a voz que Gigi tinha. Ela cantou sozinha a canção da Despedida. Não houve quem não chorasse. Baloo sorriu e disse para Bagheera em seu ouvido – “Incrível! Será uma das maiores cantores do nosso país.”
   
                        Mas Gigi se revelou mesmo quando a Alcatéia foi ao parque municipal, em um domingo ensolarado. Quando das brincadeiras e desenvolvimento da reunião especial, deram falta de Gigi. Encontraram-na próximo ao anfiteatro ao ar livre. Uma orquestra sinfônica fazia uma apresentação com vários cantores. Acredito que foi a primeira vez que Gigi ouviu alguém cantando Tosca, de Giacomo Puccini. Ela estava de olhos arregalados e pediu a Akelá que esperasse até a música acabar.

                        Não sei e não posso explicar, mas quando acabou uma salva de palmas explodiu de todos os ouvintes, Gigi começou a cantar a Tosca. Sem orquestra. Como se diz na gíria, a “escoteira”. Um silêncio enorme de todos os presentes. O maestro acorreu mais perto para ver. Pediu para ela subir ao palco, uma estrondosa palma. Gigi não se abalou. Quando o maestro ia agradecer a ela veio outra surpresa. Gigi começou a cantar Madama Butterfly Lib. Incrível! Incrível mesmo! Ninguém agüentou. Emocionados ficaram de pé aplaudindo Gigi.

                         Ela com seu uniforme de lobinha sorria. Linda a Gigi. Linda mesmo a Gigi. Saiu correndo e voltou para sua Alcatéia sem se despedir de ninguém. Os chefes e as chefes da Alcatéia Seeonee estavam mudos. Não sabiam o que dizer. Foram procurados pelo maestro. Explicaram que não eram os pais de Gigi e não podiam tomar nenhuma atitude a respeito. Que ele desse um cartão e eles falariam com seus pais. Gigi a princípio passou a ser olhada de outra maneira. Mas por um ano ela não cantou. Todos esqueceram o dia no parque. Entregaram o cartão aos pais de Gigi, mas eles acharam prudentes não fazer nada.

                         Ao fazer dez anos, a Alcatéia participou de uma grande atividade do distrito e da região. Mais de quinhentos lobinhos presentes. Cada Alcatéia deveria fazer uma apresentação no ultimo dia. Não seria por matilha, seria por Alcatéia. Dez minutos no máximo. Resolveram fazer um jogral que sempre faziam na sede. Uma apresentação musical contando a historia da cidade onde moravam. Interessante, parecia que todos da Alcatéia sabiam o que ia acontecer.

                         Ao subir ao palco, todos os lobinhos formados um ao lado do outro. Os demais lobinhos e lobinhas assistentes faziam uma enorme algazarra. Claro, quinhentos e oitenta e cinco lobinhos e lobinhas. Quem daria conta de calar a todos? Gigi tomou a frente da Alcatéia e começou a cantar. A principio ninguém notou, mas o silencio em poucos minutos se fez ouvir. Gigi cantava La Traviata. ACT 1. Linda, uma musica que ninguém entendia, mas interpretada por Gigi todos ficaram maravilhados. As palmas e bis mostram que ela podia cantar mais e como cantou. Norma, Lá Wally, Mefistole, Ebbem. Crianças de sete a dez anos sentindo a musica no coração. O tempo correu, Gigi parou e desceu o palco correndo como sempre o fazia.

                           Todos os chefes de lobinhos e lobinhas não sabiam o que fazer. Em coro os lobinhos gritavam – Gigi! Gigi! Gigi! Era incrível mesmo. O tempo passou. Gigi fez a trilha escoteira. Chorou muito quando foi para a patrulha Touro. Não queria. E pouco tempo se acostumou. Em pouco tempo aprendeu a gostar de sua nova vida. Agora era uma escoteira e adorava os acampamentos, excursões e todas as atividades da tropa. Uma nova vida, e não gostava muito quando insistiam para ela cantar. Achava que o tempo era para aprender técnicas escoteiras, fazer boas ações, viver em plena natureza.

                             Gigi adorava deitar na relva e olhar o céu em uma tarde qualquer quando estavam acampadas. Lorena sua monitora uma vez perguntou por quê. Ela custou a responder e disse. Encontro-me no céu. Lá vejo musicas que não conheço. Alguém as dita para mim. Não sei quem é. Nunca vi seu rosto, nem sei sua voz. Vem em forma de sussurros na minha mente. Para sua surpresa seus pais comentaram com ela que tinham recebido um convite de um grande maestro para um teste na orquestra sinfônica da cidade. Gigi não deu muita importância. Nunca se mostrou entusiasmada com convites. Cantava por cantar.

                             Seus pais com as roupas domingueiras levaram Gigi ao teatro Municipal em uma quarta feira à noite. Gigi insistiu em ir de uniforme escoteira. O que aconteceu foi o normal. Todos abobalhados com Gigi. Não podiam acreditar que uma menina (ela já estava com catorze anos) como aquela poderia ser uma copia fiel de Maria Callas. Alguns chegaram a dizer que seria mais famosa que Maria Bárbara Júdice da Costa, ou mesmo que Emma Shaplin ou superior aos homens. Achavam que nem Enrico Caruso se fosse vivo poderia se igualar.

                              Fizeram um contrato. A principio queriam tempo integral. Gigi foi elegante, mas exigente. Minha participação do Grupo Escoteiro não seria abandonada. Não poderia participar de nada da orquestra quando fosse fazer as atividades escoteiras. Para isso ela traria sempre o programa anual para eles. O sucesso explodiu na vida de Gigi. Aos dezesseis anos já participando da tropa de guias, ela foi ao exterior. A orquestra fez um giro por países sul-americanos e onde passavam Gigi era ovacionada de pé por todos. No Teatro/ópera do Chile Gigi se superou. Ao cantar Lá traviata, o teatro veio abaixo. O público aplaudiu por dez minutos seguidos. Os pedidos de bis evocaram pelo anfiteatro.

                             Jornais do mundo inteiro ficaram sabendo de Gigi. Interessante. Na ultima musica apresentada, ela fazia questão de vestir seu uniforme de escoteira. O maestro ria e não se importava. Isto dava uma nova figuração à apresentação. Em sua turnê por Nova Iorque Gigi se apresentou no Orpheu Theatre por duas semanas. A Boy Scout soube que se apresentava de uniforme e comentou em seus boletins e emails a todos os Grupos Escoteiros do país. (diferente do Brasil onde os mais novos entram para uma sessão chamada de Iger Cubs e os mais velhos na Varsity Scout).

                            Não havia mais ingressos disponíveis no teatro durante sua apresentação por duas semanas. Os lideres da Boy Scout procuraram Gigi e o maestro. Combinaram de fazer uma apresentação gratuita no domingo pela manhã, se possível no Conservatory Waty no Central Park onde ao ar livre pudesse reunir o maior numero de escoteiros. Os jornais do outro dia diziam ter participado mais de cem mil escoteiros. A Polícia de Nova Iorque falou que havia menos, uns sessenta mil. Não importa. Gigi impecável no seu uniforme escoteiro cantou Suor Angelica ‘Sister, Mefistofele, Ebbem? Ne andro, Addio Del Passado e Spargi d’amaro pianto. No final cantou Tosca de giacomo Puccine e os escoteiros gritaram entusiasmados aplaudindo. Uma estrondosa palma repercutiu em vários pontos do Central Park.

                             A fama de Gigi se espalhou. Já não era pobre. Ganhava muito. Muito mesmo. Seus pais viviam confortavelmente em uma bela casa em sua cidade. Ma Gigi não estava gostando. Não era bem o que pensou para sua vida. Com vinte e oito anos resolveu parar. Ninguem podia acreditar. A maior cantora lírica de todos os tempos não se apresentar mais aos seus inúmeros fãs em todo o mundo? Foi então que um dia quando estava com seus pais, afastada do palco, recebeu a visita do chefe Carlos, e de muitas amigas que agora tinham crescido e foram com elas lobinhas, escoteiras e guias.

                            Uma delas disse a Gigi que falava em nome de todas. Pediam para ela continuar. Pela primeira vez a juventude se interessava por um tipo de musica. Pela primeira vez a musica clássica ou até a música erudita era apreciada por jovens de todo o mundo e até no Brasil. Afinal era um tipo de musica que é fruto da erudição e não de práticas folclóricas e populares. – Você sabe Gigi, dizia o chefe Carlos, hoje nossos jovens estão vendo o outro lado da musica. Estão aprendendo a gostar de algum que nunca se interessaram.

                            Você com sua voz nos fez entrar em um mundo de sonhos. Onde podemos meditar e viajar com um som inimaginável. Hoje espiritualmente aprendemos a reparar no que estamos ouvindo, o porquê da musica, e quando você canta nos transporta para os grandes acampamentos, onde a noite respiramos a relva, a seiva da árvore, a aragem que sopra o som dos animais noturnos. Você com sua voz harmoniosa e quando seus clássicos são cantados é incomparável. Quem ouve sabe, ela a musica que você canta fala por si só.

                           Quando se foram, Gigi foi para a varanda de sua casa. Era noite de lua cheia. Gigi ficou ali olhando o céu lindo, vontade de trazer a lua perto dela e abraçar. Sentir através dela o mundo. Esqueceu que só tinha amado o escotismo. Seu tempo sempre curto não viu ninguém para amar, entregar seu coração. Mas Gigi sabia. Um dia ele iria aparecer. E ela não iria parar nunca de cantar. Riu quando pensou sobre isso, a lua neste instante parece que riu também com ela. Uma aragem gostosa bateu no rosto de Gigi.

                            Não sei o que aconteceu depois com ela. Soube que agora mora na Itália. Canta por toda a Europa. Gigi a Escoteira ficou conhecida do mundo todo. Tenho todos seus CDs. Agora fez mais um DVD. Continua linda. Dizem que tem um namorado. Nunca vi a foto dele. Mas tenho certeza que Gigi é feliz. Ela se encontrou na musica e no escotismo. Ainda ouço falar de suas apresentações em Jamborees onde sempre é ovacionada pelos milhares escoteiros e escoteiras de todo o mundo.

                           Saudades de Gigi. De sua alegria, de sua voz. Quando me lembro dela coloco em minha vitrola seu CD. Sento na varanda de minha casa e os sonhos entram pela minha mente de volta ao passado. Agora ouço Madama Butterfly. Meus olhos choram. Lagrimas descem pela face. Sempre fui assim. Um apaixonado pela musica linda de Gigi. Espero que ela tenha alcançado a felicidade. Ela sempre mereceu. Teve tudo na vida que uma jovem não teve e teve mais ainda, a felicidade de amar um movimento, movimento que lhe deu a vida, lhe deu o sentido da vida e a revelou para o mundo!

Bravôô Gigi! Bravôô! Que você seja feliz para sempre!!!

E quem quiser que conte outra. 

A esperança não murcha, ela não cansa, também como ela não sucumbe à crença. Vão-se sonhos nas asas da descrença, voltam sonhos nas asas da esperança.


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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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