terça-feira, 24 de abril de 2012

O Escoteiro Zezé e o Espião de olhos vermelhos



É sempre prudente olhar em frente, mas é difícil olhar para mais longe do que pode ver-se.

O Escoteiro Zezé e o Espião de olhos vermelhos

              Os espiões sempre foram celebrizados em livros, filmes e contos radiofônicos, como homens ou mulheres intrépidos, destemidos e que na sombra e na artimanha conseguiam descobrir tudo de seus inimigos. Nunca tivemos espiões celebrizados, pois seu papel sempre foi o anonimato. Meios em que poderiam fazer seu trabalho. Hoje eles ainda existem, mas não como no tempo da guerra fria, onde escritores ocidentais ou não ficaram famosos com seus romances e se tornaram celebridades com contos de ficção e outros jurando ser verdade.

             Zezé era um Escoteiro Sênior dos bons. Nunca foi Monitor. Nem sub monitor. Entrara como Escoteiro há quatro anos. Achava-se obediente e disciplinado. Conseguiu a segunda classe e quase “tirou” a primeira. Passou para os seniores e estava na Patrulha Leão do Norte há um ano e meio. Também nunca foi escolhido para liderar a patrulha. Ele fazia do escotismo sua diversão e seu modo de vida. Os seniores tinham uma bela união. Eram três patrulhas. No ano anterior duas escoteiras passaram para guias. Resolveram colocar na Patrulha, pois eram quatro escoteiros. Elas e eles se deram muito bem.

          Acampavam sempre. Todos eram bons mateiros. Zezé há tempos atrás começou a ler todos os livros que lhe caiam em mãos. Lia tudo. Não importava o tema. Com o passar do tempo passou a ler mais livros de ficção, e adorava os policiais, principalmente aqueles de espionagem. Passou a ser um entendido das grandes agencias de espionagens em todo o mundo. Aprofundou seus conhecimentos no MI5 Inglês, na Cia Americana, na KGB russa, no Mossard Israelense e na SSA Francesa. Claro sabia um pouco de outras, mas essas eram suas preferidas.
          Quando não estava na escola lá estava Zezé na parada de ônibus interestadual, na estação de trem e de olho em algum veiculo novo que entrasse na cidade. Ganhou de seu avô um chapéu de feltro e paletó cinza que sua mãe cortou na sua altura. Colocava o paletó, o chapéu e lá ia ele meio escondido nas colunas da estação ferroviária a perscrutar quem descia da composição. Tinha amizade com Dona Manuelita do Hotel Ouro Verde e ela sabia do que ele gostava. Rindo dizia – Zezé nenhum cliente novo. Se chegar alguém te aviso.

           Estava Zezé naquela quarta feira na estação, como sempre atrás da coluna da entrada, claro, com sua indefectível capa e chapéu de feltro, quando desceu do vagão de primeira classe um individuo suspeito. Usava óculos escuros, terno preto e gravata vermelha, e somente uma maleta de couro marrom nas mãos. Sinal de que ficaria pouco tempo. (Zezé era assim, um Sherlock às avessas). Notou que o individuo olhou para um lado, para o outro, de cabeça baixa, claro Zezé sabia que ele não queria ser reconhecido.

          Notou que ele subiu na charrete do Laureano e foram em direção ao hotel Ouro Verde. Esperou um tempo e entrou. Dona Manuelita olhou para ele e sorriu. – Acho que desta vez seu espião chegou! Zezé sentiu o sangue ferver. Ele sempre pensou que jovens como ele tinham dentro de sí uma grande batalha a vencer. Ele sabia que ali estava sua oportunidade. Não poderia ser sua ultima vela de uma viagem ao mar. Ele não iria desta vez esperar que as bandeiras fossem desfraldadas antes da continência.

          É como diziam os Árabes, Senta-te nos calcanhares enquanto ruge o trovão e deixa que Alá vele pelo amanhã. Zezé começou sua vigília. Não procurou os amigos da Patrulha. Poderia até ter procurado a Camélia sua amiga e confidente na patrulha. Mas não. Sabia que o espião não conta suas fontes, nada diz as suas amantes e seus contatos são feitos de modo tal que ninguém irá descobrir. Zezé era um “expert”. Iria descobrir quem era Franz Henri e o que ele tinha ido fazer em Monte Alegre.

          Pena que sua escola era de manhã. Mas nem almoçou direito quando chegou a casa. Colocou sua capa seu chapéu e subiu na “Cavernosa” (sua bicicleta Hercules que seu pai comprou para ele faziam dois anos). Foi rápido ao hotel. Dona Manuelita lhe disse que já tinha saído. Para onde foi? E como foi? Na Praça Lionel um dos charreteiros de aluguel contou que ele alugou a charrete do Laureano e ele mesmo iria levar a charrete. Dispensou Laureano. – Ai tem treta! E das grandes pensou!

      Só podia ter ido rumo à fazenda do Vasconcelos. Lá foi Zezé a toda velocidade na sua Hercules e claro, logo viu a marca do pneu da charrete. Menos de oito quilômetros depois lá estava ela, presa na cerca de madeira. Onde ele foi? Onde? Viu no alto do morro ele descendo. Onde teria ido? Esperou e ficou a pouca distancia observando. Notou que ele demorava a descer. – Sentiu um cano nas suas costas. – O que quer aqui rapaz? Zezé virou. Levou o maior surto. O tal do Franz o olhava e dos seus olhos brotavam chispa vermelhas! Na sua mão uma Luger PPK, que para Zezé parecia uma metralhadora Gatling.

     Claro, a vida de espião de Zezé nem bem tinha começado e ele já molhava as calças! Zezé saiu em desabalada carreira com sua Hercules e nem olhou para trás. Quando chegou a casa seu coração batia sem parar. Seus olhos estavam esbugalhados. Entrou para seu quarto e ficou ali por muito tempo até seu coração parar de bater. Não poderia descobrir o que o espião foi fazer na sua cidade sozinho. Tinha que convencer sua Patrulha a ajudar. Sabia que eles iriam rir dele, mas como convencê-los?
    Primeiro foi à casa da Camélia. Ela ficou séria e acreditou em tudo que Zezé contou. Foram à casa do Tiãozinho, mas ele riu de tudo que lhe contaram. Mesmo assim foram até a casa do Levegildo, do Moreno e do Marquito. Dalí foram para a sede escoteira. Durante mais de duas horas Zezé contou e recontou tudo que viu e sentiu. Eles a principio davam risadas. Já conheciam o Zezé e suas manias de espionagem. Mas chegaram à conclusão se verdade ou não eles não poderiam ficar de fora.

   Traçaram um plano para a Patrulha seguir o tal de Franz. Quem estudasse a tarde ficaria responsável pela “campana” da manhã e a tarde quem estudasse de manhã. Só Tiãozinho o Monitor e Marquito estudavam à tarde. Mas Tiãozinho foi taxativo. Faremos tudo com uniforme. Nada de ficar como civil. Se ele for um espião verá que não somos qualquer coisa. Somos escoteiros. Aqueles que morrem de pé e não tem medo de cara feia!

    Quando Zezé saiu da escola encontrou com Marquito que dizia saber onde o tal Franz estava. Reuniu toda a Patrulha. Naquele dia Tiãozinho e Marquito não foram para a escola. Tudo pela honra da Patrulha. Enturmados lá foram eles em suas bicicletas rumo à fazenda do Vasconcelos. A charrete estava no mesmo lugar. Deixaram as bicicletas próximo à cerca e subiram o morro. Marquito mostrou onde ele estava. Na Pedra do Embaúba. Mas que “Diabos” ele foi fazer ali? Rastejando, como se estivessem em um grande jogo se aproximaram da pedra.

    Lá estava o Franz. Seus olhos eram medonhos. Vermelhos. Parecia que saiam chispas de fogo. Ele tateava devagar, com calma cada centímetro da pedra. Quando estava dando a volta viram que ele sumiu. Não apareceu mais. Mesmo amedrontados eles foram até a pedra. Deram uma volta e o danado do Franz tinha sumido. Mas para onde? Não tinha como sair pelo morro. Eles o viriam. Começaram a tatear parte por parte da pedra. Marquito deu um grito! Achei! Correram todos. Uma saliência brotou quando ele apertou uma pedra solta. Logo a abertura de um túnel apareceu.

E então perguntaram a Zezé. Então que vamos entrar. Entraram e a porta se fechou. Uma escuridão tremenda. Não viam nada. E o pior não tinham levado lanterna e nem vela. E agora o que fazer? Não achavam nada na pedra por dentro que fizesse a abertura abrir. Os olhos aos poucos acostumaram com a escuridão. Lá em baixo uma pequena luz. Tateando foram descendo uma espécie de escada. Pé ante pé! Lá estava Franz. Nas mãos um castiçal enorme, uma âmbula e um cálice que brilhava como se tivesse luz própria.

A poucos metros havia uma área escavada. O Espião cavou ali. Deixou tudo enrolado em uma manta em um canto e começou a subir as e escadas devagar com uma lanterna. Eles conseguiram esconder-se numa saliência. Ele passou por eles e se foi. Havia no fundo da gruta uma iluminação que eles não souberam explicar. Levegildo voltou subindo as escadas e agora podiam ver melhor onde entraram. Ele encontrou a saliência. Gritou para todos. Logo a porta se abriu e saíram dando alívios e urras de alegria.

Uma alegria que durou pouco. O danado do Fritz estava a poucos metros deles com sua Luger PPK nas mãos e rindo. Gruiu umas palavras que ninguém entendeu e atirou. O tiro passou de raspão na orelha de Zezé. Nunca correram tanto. Uma ventania desceu o morro e passaram com rapidez pela cerca. Em desabalada carreira voltaram para a cidade. Foram para a casa da Camélia. Seu pai era o delegado. Melhor colocar ele ao par.

Custou a acreditar naqueles meninos. O Delegado Davison não era de brincadeira. Foi com eles até a pedra do Embaúba. Abriram a porta e desceram. O Delegado viu a manta com os objetos. Deve ter sido há muitos anos que saqueadores de igrejas esconderam ali seu butim. Só podia ser isso. Voltaram levando os objetos. O Delegado foi até ao hotel, mas o tal Espião havia partido. Para onde ninguém sabia. Meses mais tarde descobriram se tratar de peças de mais de um século. Valiosíssimas. O Governo as levou. Para onde? Perguntaram. Para o museu da capital.

Não houve festa, condecorações, agradecimentos nada. Apenas a lembrança do Espião dos olhos vermelhos. Esqueci a tropa e quase toda cidade passaram a fazer da Pedra ado Embaúba um local turístico. Usaram tanto que o dia a pedra não abriu mais. O prefeito quis dinamitar, mas a Câmara de Vereadores não concordou.

Zezé continua a bancar o caçador de espiões até hoje. Agora um Pioneiro está sempre de plantão na rodoviária a espera de alguém que não aparece mais. A noitinha corre para a estação a espera do noturno. Quem sabe um dia ele de novo vai se encontrar com algum outro espião? Esse Zezé é um grande Escoteiro. Na Patrulha adquiriu o maior respeito. Até fez de Camélia sua namorada. Dizem eu não sei que casou com ela. É dono da sorveteria da cidade e nunca deixou de olhar e observar quem chegava e quem saia.

Acho mesmo que ele tinha na veia uma queda pela espionagem. Pena que a Cia e o MI5 não o descobriram. 007 que se cuide, pois Zezé é o “bamba” em Monte Alegre. A cidade sabe que um dia será conhecida por alojar em sua família o maior espião de todos os tempos. O Escoteiro Zezé!

E quem quiser que conte outra.

Quem não compreende um olhar, tampouco compreenderá uma longa explicação! "


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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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