Saudades
do meu Lampião Vermelho encantado
Saudades do meu lampião vermelho,
Quanto tempo fomos amigos
Luz amarelada, me vendo em seu espelho
Foram lindos
acampamentos, sempre comigo
Que marcaram esse fedelho
Pois à noite, nuca deixou-me em perigo
Escolheram o tal lampião a gás
O motivo não sei dizer,
Mas você meu Lampião Vermelho,
Foi amigo e sempre me deixou fazer
Nunca me deixou só, clareou minha vida
Meu lindo amigo em tempo algum jamais irei te
esquecer.
Minha Avó olhava para mim e dizia
– O lampião cum corosene só serve pra infeitá os comudu da casa. Era assim que
ela falava. Eu gostava de minha avó. Mesmo com seu palavreado de mulher simples
da roça, ela era a grande mãe que não conheci. Criou-me desde que nasci em uma
casinha de barro e que ela sempre matinha limpa e asseada. Minha mãe morreu de
parto e ela sozinha me criou. Plantava roça para sobrevivermos, não deixava que
eu andasse de qualquer maneira e fazia questão que fosse à escola mesma que
tivesse de andar seis quilômetros todos os dias.
Um dia ela remexendo em um baú,
tirou de lá um Lampião Vermelho a querosene praticamente novo. Lembro que ela
disse que meu tio que morava na capital o trouxe para ela a muitos e muitos
anos atrás. Sabe o que ele me disse? Ela dizia - Disse que este lampião é
sentimental. Fala, chora e ri. Claro não acreditei. Olhei-o. Estava novinho.
Era lindo! Não queria testar. Faria isso só junto aos meus amigos da patrulha
Raposa em um belo acampamento de verão. Deixei-o guardado em meu quarto até o
dia que ele seria entregue ao intendente da Patrulha Raposa. Esqueci-me de
dizer, participava de um Grupo Escoteiro na cidade. Todo sábado lá ia eu com
meu uniforme, marchando a pé pela estrada sempre cantando uma canção escoteira.
Tinha um pequeno prego na parede em meu
quarto. Pela alça o coloquei lá. Já ia saindo quando ouvi um barulho que
parecia um toque na parede. Voltei-me e vi o Lampião Vermelho. Balançava e fazia
sinais e dizia: - Gostei de você. Vamos viver juntos por longos anos. Você
nunca vai se arrepender de me ter como amigo. Não era possível pensei. Lampião
Vermelho não fala. Mas como soube de um chapéu de três bicos de um
"Velho" "Chefe" Escoteiro e um bastão totem da Patrulha
Pantera que falavam, porque não acreditar no lampião vermelho?
No sábado seguinte o levei até a
sede. Foi apresentado a Patrulha e ninguém ligou para ele. Não davam
importância. Vi que ele olhou para mim com os olhos tristes. Achou que seria
bem recebido. E o pior aconteceu. Quando o doei para a Patrulha ele chorou.
Claro não vi chorar, mas fui embora tristonho. Soube que tinha chorado na
reunião seguinte. Deu-me saudades e fui até ao almoxarifado. Ele estava caído
no chão, a querosene não sei como jazia em uma poça ao lado dele. De novo em
sinais me disse da sua tristeza. – Não me deixe aqui. Não tenho amigos, tentei
falar com a barraca e as panelas, mas elas nem ligaram para mim. O único que me
disse alguma coisa foi aquele feioso e metido lampião a gás. Ele se acha o tal.
Dei uma desculpa ao Monitor e o levei de
volta. Um belo sorriso vi no vidro que ele portava. Pendurei-o no velho prego
do meu quarto. Vi que ele deu uma sonora gargalhada. De novo em casa, disse.
Não sei por que comecei a gostar do Lampião Vermelho. Quando chegava da escola
ou dos folguedos na rua, sempre ia ao meu quarto e dar um sorriso para ele. Ele
sempre me dizia que quando fosse ao acampamento iria mostrar o quanto podia me
ajudar. Nem prestei atenção a isto. Mas o dia do acampamento chegou. Minha
mochila eu já tinha arrumado e ele esperando que eu o colocasse também na
mochila. Esqueci-me dele.
Vesti meu uniforme e fui até a
cozinha pegar minha ração de campo. Cada um de nos levava uma pequena
quantidade que no acampamento seria juntado às demais. Era assim que fazíamos,
pois gastar com taxas era difícil. Minha Avó já sabia como preparar. Linda
minha Avó. Quando coloquei a mochila e dei até logo a minha Avó ouvi um barulho
no quarto. Lá estava ele a balançar na parede e a dizer – Não vai me levar? Não
foi para isto que fui feito? Sorri sem jeito e o coloquei na alça da mochila
junto com a meia lona da barraca. Coube direitinho. Ele deu uma boa risada e
disse – Vamos meu amo, vamos para um lindo acampamento e eu estarei ao seu
lado. Em frente marche!
Os meus seis quilômetros foi feito com
sempre cantando. Achei que ele cantava também, mas como? Lampião na fala e não
canta. Mas o meu falava e cantava. Na sede ninguém o notou. Colocaram na
carrocinha todo material de campo e por cima amarraram o lampião a gás que
sorria todo dengoso. Foram três dias de acampamento. Como sempre eu adorava. Os
raposas eram unidos e pareciam uma família quando acampavam. Eu era o
cozinheiro da patrulha. Sabia que gostavam de meus “quitutes”. Fazia tudo com
presteza e as noites o Lampião a Gás iluminava tudo em volta.
No segundo dia aconteceu um acidente.
Bem não sei se foi um acidente. Fizemos um tripé e colocamos lá o Lampião de
gás e o meu Lampião Vermelho. Vi de longe que os dois se estranhavam. Por duas
vezes o lampião de gás bateu com força no meu lampião vermelho. Ele quase caiu.
Ficou quieto. Saímos para fazer um grande jogo a tarde e só voltamos lá pelas
seis já escurecendo. O Monitor gritou com todos: - Algum animal jogou os dois lampiões
no chão. O lampião gás jazia com o vidro quebrado e camisinha em pandarecos. O
lampião vermelho estava em pé e nada quebrado e quando olhei para ele o danado
sorriu.
Não ficamos no escuro à noite.
Acendi o Lampião Vermelho e apesar de não ser uma luz clara que fazia o campo ficar
como o dia o danado resolveu bem o problema. A noite sentados a beira de um
pequeno fogo em frente a minha barraca logo todos se aproximaram. Ficamos ali
conversando, cantando e vi que o Lampião Vermelho sorria. Estava feliz. Piscou
para mim e por sinais me disse: Está vendo? Afinal eu sou um lampião dos bons!
Pensei comigo, metido mesmo este Lampião Vermelho.
No outro dia enquanto fazia o café
da manhã e assava uns pães do caçador, o Monitor e mais dois da Patrulha se
aproximaram. Começamos a conversar. Logo a conversa evoluiu para o Lampião
Vermelho. Todos diziam que ele dava um aspecto mais mateiro ao acampamento. A
noite ficava mais linda e as estrelas no céu brilhavam mais efusivamente. Não
tinha pensado por este lado, mas olhei para o Lampião Vermelho pendurado
próximo a nós em um tripé mais reforçado e vi que ele balançou para um lado e
outro. Sorria como sempre o danado.
Ouve outros acampamentos. Outras
excursões. Lá estava o Lampião Vermelho a nos guiar e com sua luz bruxuleante
nos trazia mais próximo à natureza. Ele mesmo nos ensinou como preparar o seu
pavio para dar maior claridade. Ensinou-nos também que a querosene devia ser
colocada pela metade em seu bujão. Ensinou que o pavio não devia ficar alto se
não a chama forçava com a fumaça e iria sujar o vidro. Notei que os outros
também passaram a conversar com o Lampião Vermelho.
Por diversas vezes os patrulheiros
da Raposa iam me visitar só para conversar com o Lampião Vermelho. Ele quando
era noite pedia para acendê-lo e lá fora em frente ao meu barraco de barro,
levávamos um banco de madeira e dois banquinhos e ficávamos horas e horas
conversando. Minha Avó ao longe cantava uma canção sua predileta e olhava para nos
embevecida e orgulhosa. O Lampião Vermelho agora era mais um da raposa. Ele
também contava histórias, pois nunca mais perdeu uma atividade da patrulha.
Um dia consegui passar em um
vestibular para uma faculdade. Claro, já quase adulto e tive que ir para uma
cidade grande. Iria levar minha Avó comigo, pois sabia que ia trabalhar de dia
e a noite estudar e precisava dela como ela precisava de mim. Conversei horas e
horas com o Lampião Vermelho. Vi que a tristeza e a dor da despedida o fizeram
chorar baixinho. Eu também chorei. Não sabia o que fazer. Levá-lo comigo ou
deixá-lo com a Patrulha? Dei a ele inteira liberdade de escolher. Você decide
meu querido Lampião Vermelho.
Não foi uma decisão fácil. Mas ele
preferiu ficar com o novo Escoteiro que estava na Patrulha vindo do lobinho. Vi
que eles se entendiam perfeitamente. Ele mesmo me disse que na cidade seria
somente uma relíquia ou uma recordação de um passado saudoso. Ele não queria
ser uma recordação. Achava que tinha muito ainda para iluminar as noites
escuras dos acampamentos junto aos jovens escoteiros sonhadores. Assim como foi
meu amigo e iluminou meus dias de juventude ele achava que iria ajudar em muito
a nova juventude que iria aparecer na patrulha.
O dia em que o Noviço foi
buscá-lo, ele me olhou e chorou. Eu também chorei. Disse para ele: - Lampião
Vermelho você me fez chorar muitas vezes. Deu-me muitas alegrias também.
Mostrou-me novos caminhos, novos horizontes. Iluminou minhas noites alegres e
tristes. Fez de mim um homem com sua maneira honesta de ver as coisas. Não queria perder você, mas o destino muitas
vezes não nos dá condições de escolha.
Adeus meu querido Lampião Vermelho.
Adeus. Espero que faça a todos felizes como me fez feliz por todos estes anos
que ficamos juntos. Fiquei ali na porta do meu barraco de barro, a ver o
Lampião Vermelho balançar e ficar sorrindo para o Noviço. Notei que os dois
conversavam animadamente. Minha Avó veio de mansinho e me deu um abraço. Chorei
nos braços dela. Nunca mais voltei àquela cidade. Nunca mais soube onde anda o
Lampião Vermelho que fez parte da minha vida. Acho que ainda existe e deve
estar fazendo milhares de acampamentos, excursões e vivendo uma vida feliz
junto aos escoteiros que sempre amou.
Seja feliz meu amigo Lampião
Vermelho. Seja feliz. Escolhemos dois caminhos e cada um de nós agora devemos
procurar encontrar a nossa felicidade. A luz bruxuleante do Lampião Vermelho me
veio à mente. Em segundos revivi toda a vida que vivemos juntos. Moro agora em
uma cidade grande. Não tenho mais o meu Lampião Vermelho e nem posso ver mais
as estrelas no céu. Outros objetos e aparelhos o substituíram. Mas apesar de
tudo nunca esqueci e nunca vou esquecer os dias felizes que passei junto ao meu
amado Lampião Vermelho!
E quem quiser que conte
outra.
Minha infância na roça
Ai! Que saudades do lampião a querosene,
Das tardes canoras do meu sertão.
Dos passeios pelas roças de café,
Vendo o sabiá beliscando o mamão.
O amanhecer na roça era gostoso de ver
Ar puro, cheiro de relva, neblina na baixada,
Gado bom de leite, a ordenha quente pra beber,
O dia mal clareava eu ouvia o cantar da
passarada.
Á aurora se desfazia dando lugar ao sol quente
No espigão um pé de ipê jazia florido e solene,
O vovô e o papai saiam cedo, sempre contentes,
Cultivam a mãe terra que nos dava o sustento.
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