domingo, 26 de agosto de 2012

As fabulosas aventuras dos escoteiros Manezinho e Alfeu


 AS LEGENDÁRIAS LENDAS ESCOTEIRAS

(As legendárias lendas escoteiras fazem parte daqueles contos que é necessário um ou mais capítulos para contar toda a história. São também sujeitas a sequência de outras historias. Espero que se divirtam com esta).
             
As fabulosas aventuras dos escoteiros Manezinho e Alfeu

Historia de hoje: O Coronel Tibúrcio, o Capitão Barba Rubra e os jagunços da morte.

Essa caverna, esse lugar não dá a menor importância pra você, pra mim, ou pra qualquer um de nós. Nós somos só poeira e estamos de passagem. 
(do filme Santuário)  .

CAPITULO I

              Tudo que aconteceu nesta história foi na década de cinquenta. Quem me contou deixou muitos trechos sem narrar. Ficaram alguns vácuos que tive de usar da imaginação para desenvolver como deveria ter sido a história. Alguns detalhes eu tive de suprimir assim como nomes que foram trocados para não serem identificados. Garantiram-me que tudo aconteceu e foi real, mas tenho lá minhas duvidas. Uma história fantástica? Mas qual história não é? Por menor que seja tem um valor grande para quem a viveu. E aqueles dois escoteiros acho eu que viveram a maior aventura de suas vidas. Tudo começou quando Manezinho, Monitor da Patrulha Leão procurou Alfeu da Tigre. Corria o mês de janeiro e eles não tinham nada para fazer. A cidade sem atrativos, o Grupo Escoteiro em férias e a maioria dos amigos escoteiros viajando.
             - Olhe Alfeu, estou entediado. Sem nada para fazer e sem atividades na tropa e todos viajando vamos fazer o que? Acampar só nós dois por aqui não dá e então pensei. Porque não realizar aquele meu plano da viagem a Pirapora e lá pegar uma gaiola a vapor e descer o São Francisco? - Alfeu riu alto. Você está doido Manezinho. Como? Sem dinheiro? E precisamos de pelo menos quinze dias. – Alfeu, calma, eu bolei um plano. Escute. Primeiro juntei quase duzentos mil reis engraxando sapato e ajudado meu pai na sapataria.  Se você tiver pelo menos cem mil reis, dá para comprar a passagem de trem até Pirapora ida e volta. Lá conversamos com o capitão do barco e contamos para ele nosso sonho. Quem sabe leva a gente pelo menos até Ibiá ou São Romão sem cobrar? Lá descemos e voltamos pela trilha da morte onde os cangaceiros passavam fugindo da volante até Buritizeiro. Pelo que me informaram é menos de quarenta quilômetros. Menos de cinco dias para nós dois que já andamos muito mais que isto. Acredito se tudo correr bem, faremos uma grande jornada e tudo em doze dias.
                Alfeu estava gostando da ideia. Ele e Manezinho eram dois escoteiros primeira classe experimentados. Desde que o Chefe Martinho foi embora à tropa ficou sem chefia. Os dois disseram aos demais – E daí? Vamos parar? Nada disto, nós fazemos nossas reuniões e nossos acampamentos. Sempre fizemos e vamos continuar assim. Era verdade. Eles estavam sem Chefe a mais de cinco meses. Na cidade tinha muitos ex-escoteiros, mas ninguém quis assumir a tropa. E para piorar o Chefe do Grupo o cabo Teotônio estava de cama, e diziam que não ia ter muitos anos de vida. Má sorte para o grupo. Se ele fosse para o céu não teriam nenhum adulto responsável e aí o pior poderia acontecer.
                 Bem esta é outra história. E claro o Grupo Escoteiro não morreu e não acabou. Alfeu tinha cento e cinquenta mil reis. Juntou capinando quintais de vizinhos e fazendo outros biscates. Queria comprar um canivete suíço e precisava muitos mais do que tinha. Claro que a aventura que iam fazer valia o gasto, mas tinha um senão. Como ficar doze dias ou mais fora? Se fosse quatro ou cinco dias era só dizer que iam acampar e estava resolvido. Agora não. Eram doze dias. Mesmo assim os dois ficaram mais de três dias discutindo os pormenores. Problemas de alimentação, material de sapa, individual, horários e itinerários. Agora só faltava conversar com os pais. Uma conversa difícil. Fazê-los entender que um jovem de 14 anos e outro entrando nos quinze fariam esta viagem não serias fácil.
              Sabe Alfeu, disse Manezinho, acho melhor abrir o jogo. Vamos nós em dupla eu você juntos. Acho que dá mais força. E assim foi feito e assim conseguiram autorização de ambos os pais. As mães não. Não queriam deixar de jeito nenhum. Durante uma semana disseram não e depois não disseram mais nada. Numa tarde de segunda no mês de janeiro, ambos pegaram o trem da Leopoldina para Pirapora e na estação ficaram pais e mães chorosos. Era uma viagem longa. Foram de segunda classe, mas eram escoteiros e não se apertaram. Bancos de madeira e daí? Para eles era uma festa. Dormiram a noite toda e pela manhã avistaram o Rio São Francisco. Um espetáculo de rio. Soberbo, enorme, corredeiras lindas. Logo o noturno adentrou em Pirapora. Nunca viram tanta algazarra. Meninos e mulheres gritando, oferecendo manga, goiaba, laranja, abacate doce e salgados de tudo que era espécie. Não compraram nada. Precisavam economizar. Tinham ainda doze dias pela frente. Agora era hora de se virar e saber quando partiria uma Gaiola (barco a vapor) para a Bahia.  Se demorasse seria ruim, pois teriam que achar um lugar para acampar e claro fazer as refeições o que não queriam nos dois primeiros dias.

         Caolho e Pé de Chumbo estavam escondidos na gruta do Diabo a mais de dez dias. Água não faltava, pois a lagoa do Dourado estava perto e foi até bom, pois Caolho conseguiu matar uma capivara e ela foi à salvação. Mas já estavam fartos daquela carne. Sem sal só assado não dava mais. O pior é que não poderiam sair dali pelo menos por uns cinco dias. Pé de Chumbo levou um balaço na coxa esquerda por um maldito volante e foi um Deus nos acuda para tirar a bala. Maldito Coronel Tibúrcio. Maldito mesmo. Não dava folga e nem sossego. Três anos fugindo dele. Percorreram boa parte do sertão. E o danado não desistia. A perna de Pé de Chumbo estava melhorando. Ainda bem. Caolho achou que ia dar gangrena. Pé de Chumbo disse que se fosse cortar melhor matar. Viver com uma perna só e na cadeia era melhor morrer. Caolho sabia que tinha de fazer isto. Já haviam prometido um para o outro que se levassem alguns balaços mortais, deviam atirar um no outro. Graças a Deus que ainda estavam com seus dois fuzis e seus Colt 45. Uma centena de balas, mas dava para o gasto.
           Já estava tudo programado. Em uma semana iam até São Romão, e antes de chegar lá pintariam o cabelo, fariam a barba e comprariam roupas novas. Dando tudo certo iriam pegar a Gaiola e se tivessem sorte chegariam em três dias na Bahia. De lá um ônibus e finalmente São Paulo. Tranquilamente o Coronel Tibúrcio nunca os encontraria lá. Caolho não gostava de pensar. Sabia que seus dias sempre foram ruins e não esperava que melhorassem. Tinha pressentimento. Várias vezes tentou rezar, mas nunca conseguiu. Nunca foi bom nisto. Era excelente atirador. Onde colocava os olhos colocava uma bala. Acertava com seu fuzil a mais de mil metros de distancia. Mas sabia que nada neste mundo iria desviar a bala que o atingiria pelas costas. Ban! Que assim fosse. Se este fosse seu destino que seja. Ele sabia que morrer faz parte da vida.

            O Coronel Tibúrcio estava com os olhos levemente fechados no bar do Pedro Boa Vida. Quem passasse por ali poderia imaginar que ele estava cochilando. Engano. Via tudo que se passava em sua frente e dos lados. Atrás não. Sempre sentava de costas para a parede. Um costume de quem pegava bandidos a unha. Tinha feito uma reunião com o prefeito de Pirapora e com o Diretor da Capitania dos Portos. Queria porta aberta nos barcos sempre que precisasse para seu pessoal. Todos tinham medo do Coronel. Um bigode enorme, alto, forte suas mãos poderia torcer facilmente o pescoço de qualquer um. O Sargento Minerva e o Cabo Horivaldo pelavam de medo dele. Quando falava sua voz parecia um trovão.
          O prefeito concordou, mas o Diretor ficou em dúvida. Se for no barco Saldanha Marinho do Capitão Barba Rubra, melhor falar com ele. Ele acha que é o dono do barco. O Coronel Tibúrcio riu. Que diabos é você Diretor? Diretor de que? Não manda nada! O diretor tremeu. Estava entre dois fogos. Conhecia o Capitão Barba Rubra. Um vozeirão igual ao do Coronel Tibúrcio. Dois homens perigosos. Não dava para escolher. Melhor tentar amenizar. – Olhe Coronel, ele chega à tarde com seu barco e pretende zarpar amanhã. Vou até lá falar com ele. – Vai não. Quem vai sou eu. Ele vai ver que manda. Sou o Coronel Tibúrcio, caçador de pistoleiros e jagunços.  E ele é Capitão. Deve-me respeito!

             O Capitão Barba Rubra estava na proa, e o Imediato Cata Preta era quem tomava conta do timão. Alí não tinha problema. Mais dois quilômetros e chegariam em Pirapora. Se pudesse voltaria no mesmo dia. Já morria de saudades de Lucinha. Como gostava daquela moça. Pediu ela em casamento e só não casaram porque a papelada tinha que ser feita. Os tais proclamas. Lucinha era um doce. Cabelo dourados, tinha todos os dentes e olhos lindos e brilhantes. Era uma moça estudada. Na capital aprendeu tudo sobre professora e ela seria uma. Os alunos ele sabia dariam risadas de alegria. Barba Rubra não tinha casa. Morava no barco. A mais de quinze anos fazia dele sua residência. Conhecia tudo nele. Sabia que em junho de 1867 o conselheiro Joaquim Saldanha Marinho firmou um contrato com o engenheiro Henrique Dumont pai de Santos Dumont o pai da aviação, para construir um vapor com 25 HP de força. Nasceu o Saldanha Marinho com rodas laterais. Dizem que chegou em Pirapora em 1902 descendo pelo rio Das Velhas. Dizem também que ficou encalhado na Barra do Guaiçuí por muito tempo na foz do rio das Velhas com o São Francisco.
          Barba Rubra amava o barco. Para ele era a continuação de sua vida. Nunca pensou em se casar até o dia que conheceu Lucinha. Perguntou a ela se queria casar com ele. Ela levou o maior susto. Nunca tinha visto aquele gigante de barba azulada ou rubra. Achou que estava brincando e seguiu seu caminho. Barba Rubra foi ao barco, tomou um banho vestiu seu melhor uniforme de Capitão e foi a casa dela. Seu pai era o Intendente Alferes da força pública e já conhecia Barba Rubra. Aceitou o pedido não sem antes de perguntar onde iriam morar. – No barco é claro! Disse o Capitão Barba Rubra. Deixou por conta de o Alferes preparar tudo para quando voltasse com a gaiola de Pirapora. Na proa Barba Rubra avistou Pirapora. Não era má cidade. Ele mal a conhecia. Pouco saía do barco a não ser para inspecionar alguma carga mais pesada ou preciosa no armazém da Capitania. Um dia pensou que quando se aposentasse iria comprar uma casa ali, que avistasse as corredeiras do São Francisco, bem próximo ao pontilhão da ferrovia.
             “A história e o conto estavam apenas começando, mas quem soubesse saberia que estava quase no fim. Alguém já disse que nada dura para sempre. Jorge Amado dizia que sem os contos jamais as tardes seriam doces. Jamais as madrugadas seriam de esperança. Jamais os livros diriam coisas belas e nunca seria escrito um verso de amor. São nas histórias, nos contos que os verdadeiros poetas e escritores fazem desabrochar as flores, onde o pássaro preto cego canta uma doce canção. São elas a fonte da juventude e que nos transporta em sonhos para onde queremos. Sempre que alguém afirmar que dois e dois são quatro e um ignorante lhe responder que dois e dois são seis, surge um terceiro que, em prol da moderação e do diálogo, acaba por concluir que dois e dois são cinco. E assim a vida continua...”.

Para ser um guerreiro, não se deve apenas empunhar uma espada. Deve-se ter uma razão pela qual empunhá-la.
(do filme os Imortais)

As fabulosas aventuras dos escoteiros Manezinho e Alfeu

Historia de hoje: O Coronel Tibúrcio, o Capitão Barba Rubra e os jagunços da morte.

CAPITULO II

               Manezinho e Alfeu avistaram a Avenida São Francisco que levava ao cais do porto. Na praça da matriz ficaram sabendo que o vapor Saldanha Marinho iria aportar à tarde. Se bem conhecem seu capitão, às três horas da tarde ele chegaria. Nunca atrasou. O apito da gaiola era como se dissessem a todos para acertarem o relógio. Levaram ao maior susto. Um caminhão lotado de soldados vinha em disparada e quase os atropelou. Alguém na boleia falou um palavrão. Coração batendo os dois continuaram a jornada. Beirando o rio, avistaram o porto e quanta gente! Centenas ou milhares. Um formigueiro humano estava ali à espera do vapor. E ele não demorou. Na curva do São Francisco onde o sol se punha, ele apareceu imponente. Não parava de apitar. Gritos de todos no cais. Era dia de festa. Sempre fora assim na chegada de uma gaiola. Manezinho e Alfeu se ajeitaram no meio da multidão. O barco demorou bastante para atracar.
             Era um corre corre, um empurra empurra e isto demorou mais de três horas. Passava das cinco quando tudo acalmou. Eles avistaram o capitão do barco. Uma figura imponente. Alto, muito, acharam que tinha mais de dois metros, forte, moreno e seus cabelos rubros chamavam a atenção. Tinha um vozeirão que fazia medo. Quando iam se aproximar dele viram um coronel da policia militar ir a seu encontro. Começaram a discutir. Alfeu e Manezinho achou que ia haver briga. Muitos volantes (soldados) tomaram posição com seus fuzis. Mas o Coronel Tibúrcio aceitou as condições do capitão Barba Rubra. Quais eram? Não sabiam. – Manezinho o que se achava mais líder se aproximou do capitão – Capitão, sempre alerta! – O capitão olhou e pensou – Que diabos são estes meninos de uniforme? Manezinho explicou tudo. O Capitão Barba Rubra estava fulo com o coronel Tibúrcio. Mandou-os subir ao convés. Conversaria com eles depois.
          - Olhem disse com seu vozeirão. Se arranchem ali no canto. Se precisarem de alguma ajuda peçam ao imediato Cata Preta. Deixaram a mochila num canto. Dormir ali sem problema. Já estavam acostumados. Um homem simpático que varria o convés sorriu para eles. Encheram ele de perguntas. Ficaram satisfeitos quando souberam que todos no barco tinham três refeições por dia. Café da manhã almoço e janta. Até São Romão seriam dois dias. O barco partiu a noitinha. Não sem antes subir a bordo o Coronel Tibúrcio e dez soldados.

               O Capitão Barba Rubra não aceitara os termos do Coronel. Queria o barco só para seus volantes. Mais de cem. Que eles fossem por terra ele disse. Até que era boa ideia deve ter pensado o Coronel. Ele sabia que hora menos hora teria que enfrentar o Coronel. Não gostava dele. Nunca tinham topado, mas já ouvira falar que não era boa bisca. Diziam que matava pelas costas. Para ele homem assim não presta. Gostou dos tais meninos escoteiros. Dois valentes para ele. Lembrou-se de sua infância. Sofreu muito, mas valeu. Tinham pedido para os levarem a São Romão. Claro que sim. São meus convidados disse. Não gostou quando disseram que iam voltar pela Trilha da Morte. Sabia que era um lugar perigoso. Grutas, cavernas, cascavéis aos montes e muitos jagunços escondiam ali. Explicou mas eles disseram que não iriam parar nas grutas.
                À noite os convidou para jantar com ele em sua cabine. Não gostava do barulho dos viajantes no restaurante. Só no ultimo dia comparecia para ser visto e atender aos pedidos de fotos. Um saco ele achava de tudo isto, mas era seu papel de capitão. Adorou os escoteiros. Dois jovens vivaz, alegres e com grande expontaneidade para contar suas aventuras. Fora uma noite ótima. Mas estava preocupado com eles e com o Coronel Tibúrcio. Soube que ele desceria também em São Romão. Estava atrás de dois jagunços perigosos. Uma mistura não muito boa para os escoteiros.

               O Coronel Tibúrcio a principio até que pensou em enquadrar aquele “porqueira” de capitão metido a tigela. Poderia mandar prendê-lo, mas não o fez. Precisava do talzinho para leva-lo até São Romão. Estava numa cabine tão pequena que mal cabia lá. Preferiu ir para o convés e lá tomar algumas cervejas, mas suas costas ficariam desprotegidas pela margem do rio. Mandou que o Sargento Minerva e o cabo Horivaldo ficassem protegendo suas costas. Seu plano era descer em São Romão, e olhar de gruta em gruta para ver se achava aqueles filhos da mãe. Ia matar cada um deles como um porco do mato. Era o que mereciam pelos roubos e pelas mortes que cometeram. Não iria levar nenhum deles, não valeria a pena. Melhor é encher eles de balas e quem sabe cortar a cabeça como exemplo? Riu de seus pensamentos.
                Ele sabia que o Tenente Honório Descia o rio na margem esquerda do São Francisco a cavalo com mais noventa homens. Os malditos não tinham como escapar. Nem notou os dois escoteiros que viajavam com ele. Não notava ninguém que lhe parece um banana. E no barco só tinha bananas. O sol estava a pino. Mesmo assim continuou como estava. Jantou mais cedo e foi para a cabine. Sabia que no dia seguinte chegariam em São Romão. Estava louco para chegar. Aquela vida parada não lhe agradava. Era homem de ação. Como gostaria de dar uns tapas naquele capitão de merreca. Um capitão! Querendo ser mais que ele um Coronel.

              Manezinho e Alfeu despediram do Coronel Barba Rubra. Com suas mochilas as costas e seus chapelão Escoteiro, disseram adeus e partiram. Sabiam que iam sentir saudades. O capitão foi muito legal com eles. Tinha até insistido que fossem com ele até Juazeiro na Bahia. Não dava. Tinham que retornar se não seus pais ficariam malucos. O capitão os preveniu do Coronel Tibúrcio que iria fazer o mesmo percurso deles. Fazer o que? Tinham de voltar e a estrada era longa. Pela Trilha da Morte seria mais rápido. Atravessaram a rua principal de São Romão, perguntaram na casa de laticínios e ensinaram a eles onde começa a Trilha da Morte. Era nove horas da manhã. Quarto dia de viagem. A trilha era gostosa. Quase não tinha subida. Nos planos parar à tarde, fazer um arrozinho com linguiça e pé na taboa. De novo só parar a noite depois das dez.
             Menos de oito quilômetros percorridos e viram um lago não muito grande, mas que daria para acampar tranquilamente. Quem sabe pegar uns peixes para a janta? Não viram um homem que pegava água em dois cantis. Só viram quando ele os apontou uma arma. – Quem são Voces? Deus do céu – pensaram. O que era aquilo? Venham comigo se não quiserem morrer. – Fazer o que? Foram com ele morro acima. Levaram suas mochilas e escondidos atrás de muitos galhos entraram em uma gruta. Tinha outro lá. Deitado com muito sangue na roupa. Manezinho e Alfeu tremiam de medo. Tomaram deles a mochila e reviraram tudo. Riram quando acharam um pouco de arroz, linguiça, e macarrão.

                O Capitão Barba Rubra estava preocupado. Muito. Sabia que podia acontecer o pior. Se os escoteiros fossem encontrados por bandidos o Coronel Tibúrcio não iria perdoar. Mataria a todos. Tomou uma resolução. Nunca antes tinha feito aquilo. Disse para seu imediato Cata Preta que tomasse conta do barco e só iriam zarpar quando ele voltasse. Não importa o quanto demorasse. Pegou seu Taurus de seis tiros, levou também seu Colt 38 cano curto. Seu punhal colocou em uma capa na cintura. Sabia que iria dar o que falar, mas quando viu o Coronel Tibúrcio com seus volantes armados até os dentes e com uma carreta puxada por um cavalo assustou. Viu que era uma pequena peça, ou melhor, um canhão de artilharia de calibre 40 mm que disparava granadas e apesar de pequeno fazia um estrago enorme. O filho da mãe se disparasse isto em cima de alguma gruta iria matar todo mundo que estivesse lá dentro. Na capitania pediu um cavalo arreado. Um bom cavalo. Descansado e bem descansado. Partiu menos de meia hora depois.
              Não gostava, mas foi obrigado a usar a espora no cavalo. Se ele disparasse o canhão e os escoteiros estivessem lá adeus! Ouviu o tiroteio de longe. Maldito Coronel! Virou a trilha na entrada da lagoa e avistou os soldados entrincheirados e fazendo um verdadeiro fogo de tiros em cima de uma caverna.  Chegou gritando – Pare Coronel pare! Lá em cima tem dois escoteiros! São dois meninos! – O Coronel Tibúrcio assustou. Que diabos este capitão estava fazendo aqui? Sabia que na gruta os dois malditos jagunços estavam lá. Já tinham respondido ao fogo de tiros que deram quando descobriram uma fumaça saindo de lá.  E agora este capitão para estragar tudo? Suma daqui capitão, falou. Suma! Esta briga não é sua e que se danem os meninos. Não fui eu que os levou lá. Mas não deu outra, o Capitão Barba Rubra apeou do cavalo e se atracou com ele. Uma briga dos infernos. Não deu tempo de usarem suas armas.
          
              Manezinho e Alfeu choramingavam de medo. Estavam fazendo a janta a mando dos dois jagunços quando alguém gritou - Entreguem-se! Vou contar até dez! Depois podem rezar e entregar a alma para o diabo! Entregar? Nunca. Eles sabiam que o Coronel não perdoava e não faziam prisioneiros. Um tiroteio começou. Manezinho e Alfeu correram para o fundo da gruta. Caolho e Pé de Chumbo os agarraram pelos cabelos. Iriam fazer deles sua salvação para saírem dali. Com dois reféns Caolho gritou – Se atirarem mato os dois meninos! O Coronel Tibúrcio com seu vozeiram riu alto. Pode matar! Eles não são meus parentes! Pobre do Manezinho e Alfeu. Gemiam e choravam. O tiroteio acalmou. Manezinho viu chegando a cavalo o Capitão Barba Rubra. Deu um chute na canela do Caolho e Alfeu fez o mesmo. Desceram correndo o morro junto às árvores em zig zag.

              O Coronel Tibúrcio estava deitado com muitos dentes quebrados. A luta fora imensa. Ambos eram homens destemidos. O Capitão Barba Rubra tinha um nariz quebrado. Viu que um dos volantes atirara nele. Tinha levado um tiro no ombro. O danado do Coronel não era homem de apanhar sem vingar. Seu volante atirou a queima roupa. Sangrava muito. O Coronel mandou os soldados prendê-lo. Ninguém se aproximou. Deu tempo para o Capitão tirar o seu Taurus e o Colt de seis tiros cada um e botar para correr os volantes do Coronel. Mesmo ferido e deitado de lado ele sabia que não erraria nenhum tiro. O Coronel levantou a mão e pediu “arrego”. Disse ao Capitão Barba Rubra – Vai ter continuação. Não vou perdoar esta intromissão na minha missão. Pegou seu cavalo e sumiu na virada da trilha atrás de seus volantes. Manezinho e Alfeu correram até onde estava o Capitão. Ambos primeira classe eram bons em primeiros socorros. Estancaram o sangue do ombro do Capitão.  – Pode ficar tranquilo Capitão. A bala saiu do outro lado. Tinham uma pequena caixa de primeiros socorros com mercúrio cromo e junto a um pedado do lençol que levavam colocaram na ferida. Fizeram uma tipoia com seus lenços e acharam o cavalo do capitão.
            Demoraram mais de duas horas para retornar a São Romão. Um médico fez um curativo melhor no buraco de bala que graças aos primeiros socorros dos escoteiros não infeccionou. Mandou o Capitão ficar de repouso por vinte dias. Claro, o Capitão riu. Ele tinha um barco e o barco tinha que navegar. Foi a Capitania e pediu para comprar duas passagens para os escoteiros até Pirapora. A despedida foi chorosa. Até aquele Capitão que não tinha medo e enfrentou uma tropa de muitos soldados e o mais famoso Coronel da redondeza viu que lágrimas caiam quando da partida dos escoteiros no ônibus.
           A viagem de volta foi normal. Em Pirapora pegaram o trem da cinco da tarde. Conversaram muito. Será que devemos contar? Claro que sim decidiram. Afinal os escoteiros tem uma só palavra e eles sabiam que mentir era para os fracos. Dormiram toda viagem. Tiveram muitos sonhos de aventuras. Sabiam que esta foi a maior de todas. Quem passasse pelo vagão, iria ver dois escoteiros deitados dormindo e sorrindo. Ninguém nunca imaginaria o que aqueles dois passaram. Nem viram o Coronel Tibúrcio que estava no trem e resolveu percorrer todos os vagões. Ele viu os escoteiros. Riu. Sabia reconhecer quando a coragem sobrepunha à razão. E ali estavam belos exemplares de jovens que se mostraram fortes cuja força estava na lei que carregavam consigo e acreditaram nela por toda suas vidas.

                   Caolho e Pé de Chumbo conseguiram escapar da perseguição dos volantes. Foram para São Paulo e astutamente se empregaram de ajudante de pedreiro durante o dia em uma empreiteira de construção civil. Como eram matadores, pegavam empreitadas de morte e a noite viravam bandidos. Pagos para matar! Sonhavam em sair do Brasil e viver em algum país da América do Sul. Quem sabe entrar para um exército de revolucionários. O Coronel Tibúrcio aposentou. Não sem antes ajustar as contas com Caolho e Pé de Chumbo. Descobriu onde estavam. Quando saiam do serviço meteu em cada um cinco tiros. Ninguém viu nada. Foram enterrados como indigentes. O Coronel morreu de morte morrida aos oitenta anos. O Capitão Barba Ruiva casou e ainda trabalha no Capitão Guimarães. Dizem que quando chega a Pirapora se ouve de longe o apito da Gaiola e lá está ele na proa, abraçado a sua linda mulher Lucinha.

                 Manezinho e Alfeu contaram a história para todo mundo. Ninguém acreditou. Eles não insistiram. Quem quiser que acredite pensaram. Um dia de reunião, quando iam hastear a bandeira Nacional uma enorme surpresa. Nada mais nada menos que o famoso Capitão Barba Rubra e sua esposa Lucinha. Tinha feito uma promessa de visitar aqueles valentes escoteiros. O Grupo fez a maior festa. Palmas e palmas. E a história termina com todo o Grupo Escoteiro de pé, gritando e aplaudindo aquele gigante com sua barba rubra enorme, junto a uma loira linda que dava grandes abraços apertados a Manezinho e Alfeu ali na ferradura da bandeira!

E quem quiser que conte outra...  
Para ser um guerreiro, não se deve apenas empunhar uma espada. Deve-se ter uma razão pela qual empunhá-la. (do filme os Imortais) 


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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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