Quem tem um amigo, mesmo
que um só, não importa onde se encontre, jamais sofrerá de solidão; poderá
morrer de saudades, mas não estará só.
Histórias que os Escoteiros não contaram.
A história de Brian, culpado por suspeita.
Uma
vez eu li não sei onde que ser feliz não é
pecado. A felicidade é desprezada
por muita gente. A pessoa feliz sofre o preconceito de parecer uma pessoa
vazia, sem conteúdo. No entanto, algo ela tem, senão não incomodaria tanto.
Será que é porque ela nos confronta com nossa própria miséria existencial? É
irritante ver alguém naturalmente linda, rica, simpática, inteligente, culta,
talentosa, apaixonada e, ainda por cima, magra! Nem sei por que estou citando
tudo isto, mas quando conheci o Brian pela primeira vez ele era tudo isto. Ele
conseguiu dar alma ao Grupo Escoteiro Ventos do Norte. Trouxe o sorriso que
faltava e todos ali o amavam. Disseram depois que seu jeito, sua maneira de
falar e andar, sua voz cheia de trejeitos poderia transmitir resultados danosos
ao movimento Escoteiro. Isto não partiu do Grupo Escoteiro. Nem os pais nunca
em tempo algum fizeram qualquer comentário.
Brian apareceu do nada e do
nada se solidificou como pessoa importante na parte burocrática e em tempo
algum alimentou seu sonho de um dia ser um Chefe Escoteiro ou de lobinho.
Doutor Janilson o Diretor Técnico até hoje não soube explicar de onde ele veio.
Não tinha filhos no Grupo e alguns o conheciam na cidade porque era gerente das
Lojas Abil, famosa pelos seus vestidos feitos pelos maiores estilistas do
mundo. Ali se encontrava um Gabriell Miuccia Prada, um Bonheur Chanel, um
Christian Dior ou mesmo um John Galliano sem falar nas famosas bolsas Louis
Vuitton. Era bem quisto pela sociedade local e muitas madames o procuravam
diretamente e só queriam ser atendidas por ele. Mas Brian tinha um grande amor.
O Escotismo. Como surgiu ninguém soube. Era incansável na colaboração ao Grupo
Escoteiro. Conseguiu com suas amizades vultosas colaborações financeiras para o
Grupo.
Nunca fez a promessa e quando isto acontecia ele corria para o
cerimonial e ficava ali, olhando com olhos de inveja, de vontade de ser mais um
sem poder ser pois sabia que nunca iriam lhe dar esta honra. Ele tinha certeza
que no Grupo Escoteiro seus trejeitos eram considerados normais pois sabia que
uma pessoa com preconceito é, uma pessoa que não merece respeito. E ele
respeitava a todos. Mas não era o que pensava Jonny Vampuso. Ele mesmo se
perguntou varias vezes se estava certo eles terem no Grupo Escoteiro um sujeito
que era conhecido como um homossexual ou um sapatão. Verdade ou não ele descartava
o que um dia um filosofo disse que devemos evitar toda “precipitação” e todo o
“preconceito” ao analisar um assunto e só ter por verdadeiro o que for claro e
distinto.
Uma
das maiores alegrias de Brian foi quando a Akelá Sophia o convidou para ajudar
no acantonamento distrital. Brian nunca se sentiu tão feliz. Parecia estar em
casa ou melhor no paraíso. Os lobinhos o adoravam e os chefes passaram a ter
por ele um carinho todo especial. Quando retornaram pensou que o Doutor
Janilson o Diretor Técnico o convidasse para ser um assistente. Mas nada
aconteceu. Ele não sabia mas seu algoz Jonny Vampuso já tinha feito sua cama
não só com o Chefe do Grupo mas com boa parte do Distrito e região. É melhor
não falar que eram preconceituosos, que julgavam ser conhecer pois a maioria
dos preconceitos são reflexos de defeitos não revelados pelos preconceituosos
(Alberto Pires).
Não
se sabia o porquê de um dia o chamarem no Escritório Regional. O Doutor
Janilson disse não saber e nem se ofereceu a ir com ele. Brian sentiu-se um
cordeiro a mercê dos lobos a sua volta. Eram quatro. Sisudos. Cara feia. Nem um
sorriso. Eram chefes Escoteiros zelando pelo bem e da moral escoteira. Fizeram mil perguntas e no final da reunião um
querendo mostrar ser boa praça o convidou para um café. Falava baixinho, sobre
o que pensavam dele, sobre os resultados maldosos que o escotismo poderia ter
com sua presença, chegou até a citar Paulo Coelho que disse que quem tentar possuir
uma flor, verá sua beleza murchando.
Mas quem apenas olhar uma flor num campo,
permanecerá para sempre com ela. – Você meu amigo ele disse, sabe que não o
aceitam em todos os lugares, infelizmente este mundo nosso é cruel. Vamos
evitar que façam uma demissão sua, pois você tem o registro anual e seria
melhor você pedir demissão do seu cargo no Grupo Escoteiro. Isto evitaria
rusgas e processos inúteis.
Brian foi para casa com uma emoção profunda. Ele sabia o que era e a vida
o obrigou a fingir o que não era. Chorou no ônibus, e a tristeza o invadiu por
muito tempo. Saiu do Grupo Escoteiro Ventos do Norte. Ficava aos sábados
sonhando com seu passado Escoteiro que para dizer a verdade nunca existiu e se
isto tivesse acontecido agora não existia mais. Ele sabia que as nuvens das
tristezas são como o vento. Quando desaparecem o dia fica lindo. Pensava em
enfrentar a todos os maledicentes, aos preconceituosos que a verdade não é só
deles. Falava para si mesmo que nunca devia deixar de fazer algo de bom que seu
coração pede. Se isto acontecer o tempo poderá passar e as oportunidades
também. Ele já sabia o que iria fazer.
Quando naquela tarde Jonny Vampuso entrou na loja com sua noiva para
comprar um vestido ele pensou em não atendê-lo. Afinal ele sabia que o dedo
duro foi ele. Porque fizera isto? Ele nunca lhe tinha feito nenhum mal. Pensou
e pensou mas seu coração não sabia odiar. O atendeu até melhor que muitos que
ali estiveram. A noiva de Jonny Vampuso se encantou com Brian. Na saída Jonny
Vampuso num impulso de bom Escoteiro foi até ele e lhe pediu desculpas. Brian
pensou consigo se o pedido de desculpas resolveria toda a mágoa que tinha
guardado em seu peito. Sabia que Jonny Vampuso errara e será que ele não merecia
o perdão? Pensou mesmo em não apertar sua mão. Mas quando viu que ele lhe dera
a esquerda, aquela que dizem ser do coração e que o próprio Mestre Baden Powell
disse que só os valentes entre os valentes podem se saudar assim, ele aceitou.
Quando Jonny Vampuso foi embora as lagrimas desceram novamente.
As
flores não murcham na primavera mas a vida de Brian se encerrou ali. Naquele
mesmo dia dois menores entraram
para roubar e deram um tiro certeiro em Brian.
Morreu na hora. A sociedade em peso tristonha mas não participativa. As Madames
que ele sempre atendia com presteza ele sempre soube que para elas era como se
ele fosse um cão abnegado. Como se elas gostassem que ele disse sempre – Sabe Madame!
Eu sou aquele que sempre lhe espera. O som de seu carro tem para mim o valor
especial. Eu posso reconhecê-lo entre mil. Os seus passos têm timbre de magia e
eles são música para mim. A sua voz Madame é o sinal maior do meu momento feliz
e às vezes Madame, vocês não precisam nem falar, eu sei o que querem!
Eu fui ao enterro de Brian. Simples. Não vi lá nenhuma Madame. Talvez a
sociedade não perdoasse tal bajulação. Escoteiros? Vi poucos. Uns dez lobos e
uma Akelá chorosa. Doutor Janilson apareceu para dizer olá e se foi. Jonny
Vampuso também apareceu mas ficou pouco tempo. Quando a terra sagrada o cobriu
avistei uma senhora magrinha, vestida simplesmente, com um menino nos braços e
em uma das mãos uma menina de uns oitos anos todos chorando. Não tendo mais
ninguém lá elas se aproximaram da última morada de Brian. Fiquei curioso.
Aproximei-me. – Vocês o conheciam? – A menina chorando e soluçando disse – Era
meu pai! A Senhora me contou que era sua esposa. Ele fez um trato com ela
quando casaram. Tenho meu amor que fingir o que não sou. Meu trabalho me
obriga. A sociedade que eu atendo se sente satisfeita com minha voz, meus
trejeitos e sabe, um dia vamos embora daqui.
Que
vida, pensei. Ninguém deu nada por ele. O acusaram de ser o que não era. Mas de
quem seria a culpa? Dele? Dos que viveram a sua volta? Ou dos preconceitos que
norteiam uma sociedade que não aceita os direitos dos que se acham possuídos
dele? Não diziam e não dizem que meu direito começa onde termina o seu? Dizem
eu não sei que um dia isto vai mudar. Se alguém demonstra respeito, se
demonstra caráter e se tem ética este alguém não deve ser visto como um homem
ou uma mulher de bem? Eu sei que no escotismo não estamos preparados para isto.
Conheço muitos que dizer ser sem terem sido. Mas quem sou eu para julgar? Se um
bom trabalho é realizado merece toda nossa consideração. Melhor parodiar Paulo
Coelho quando disse – “Daqui por
diante, o Universo vai boicotar as pessoas preconceituosas. A energia da terra
precisa ser renovada constantemente. O corpo e a alma precisam de novos
caminhos para se unirem harmoniosamente. O futuro bate à nossa porta, e todas
as ideias - exceto as que envolvem preconceitos - terão chance de aparecer e
serão valorizadas pelas pessoas”.
Faça o que for
necessário para ser feliz. Mas não se esqueça de que a felicidade é um
sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber
sua simplicidade.
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