terça-feira, 19 de novembro de 2013

Muito além do por do sol. Uma linda história de amor.



Há quem diga que todas as noites são de sonhos.
Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isto não tem muita importância.
O que interessa mesmo não é à noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.

Muito além do por do sol.
Uma linda história de amor.

       Charles tinha sonhos, sonhava em brincar em sorrir e cantar. Não gostava da escola. Mas sua mãe insistia. Ela dizia que iria partir um dia e ele ficaria só. Ele não deveria ser dependente de ninguém. Não entendeu bem, mas passou a prestar mais atenção às professoras. Charles ficava na porta de seu barraco esperando sua mãe chegar. Ela saia cedo, fazia o café deixava no forno seu almoço e quando chegava fazia o jantar. Ele chegava cedo da escola almoçava e ficava na porta do barraco sonhando acordado. Sonhava em ter um vídeo game para brincar. Uma televisão para ver, pois a sua queimou e não tinham dinheiro para consertar. Isto ele até achava bom, pois depois da janta, sua mãe já de banho tomado eles sentavam nas velhas poltronas da saleta e ela tricotando contava para ele belas histórias. Ele amava as histórias de sua mãe.

       Foi por elas que ficou sabendo do seu pai. Uma noite chuvosa ela contou com lágrimas nos olhos o seu passado. Ele não entendeu bem, mas ela o abraçou no final da história e o beijou varias vezes no rosto. Tentava no outro dia lembrar-se do que ela contou. – Eles moravam em uma fazenda, em uma cabana de sapê, seu pai fazia empreitadas para o dono da fazenda. Consertava cercas, capinava, limpava os currais e quando podia dava uma mão na vaquejada que se realizava anualmente. Um dia ele fazia uma cerca ao lado do Rio Verde e uma enorme tempestade se formou. Um raio caiu sobre ele que morreu na hora. O Senhor da fazenda um mês depois foi até lá dizendo que precisava da casa. Casa? Uma cabana simples de pau a pique – Eu preciso de alguém para ajudar na lide da fazenda - disse. Seu marido se foi já tenho outro arrumado e preciso que a senhora desocupe.

        Fazer o que? Ela partiu para a cidade grande. Dormiram ao relento por vários meses. Ele tinha três anos. Ela lutou para conseguir seu barraco na favela do Engenho. Não conseguiu uma creche para ele e muitas vezes o levava a tiracolo escondido. Era faxineira. Trabalhava em cinco residências por semana. Sua mãe contava estas histórias e outras que ele ria sem parar. Nunca esqueceu a do Neguinho do Pastoreio. Um dia na escola Norberto um menino rico apareceu de uniforme. – Que é isto perguntou. – Sou Escoteiro não sabia? Charles gostou do uniforme. Perguntou a sua mãe se ele podia entrar. Ela riu e disse que não era para eles, lá só tinham ricos e brancos. Charles e sua mãe eram negros. Charles nunca se preocupou com sua cor. Nunca na sua ingenuidade de menino de onze anos sentiu que não tinha seu lugar na sociedade.

      Charles foi aceito no dia da visita ao Grupo Escoteiro. Os chefes foram simpáticos e ele gostou da sua Patrulha Lobo. Em pouco tempo se enturmou. Agora tinha duas alegrias o Escoteiro e as histórias de sua mãe que ela nunca se esquecia de contar para ele. A televisão ainda estava quebrada. Consertar como? Um dia na patrulha ficou sabendo que ele era “adotado”. Não entendeu. Sua mãe tentou explicar que o Grupo Escoteiro pagava suas despesas. – Mãe, mas porque não pagaram para o acampamento nacional? Eu não fui, pois não pude pagar a taxa, a senhora mesmo disse que seria impossível. Ela sorriu e disse para ele não se preocupar. Um dia ele mesmo iria sem depender de ninguém. Bem Charles não se preocupou com isto. Sabia que mesmo sendo negro era bem amado por todos na sua tropa. Ia acampar excursionar, brincava, cantava e fazia coisas impossíveis com bambus e alguns metros de sisal.

          Charles cresceu. Passou para os seniores. Já não era tão dependente. Passou a estudar a noite e trabalhava durante o dia na loja do seu Odorico. Ele quase não o aceitou, mas depois de muita insistência em trabalhar outros dias ele foi aceito. Ele não queria ser impedido de aos sábados participar do seu querido Grupo Escoteiro. Ganhava metade de um salario mínimo, mas ajudava muito sua mãe. Ele amava os seniores, e ali se sentia realizado. Martinho o Chefe abriu a tropa para as meninas. Vieram três agora a tropa tinha duas patrulhas completas com seis cada uma. Não se enturmou com nenhuma delas. Ele arredio em sem assuntos pouco ria ou falava com uma a não ser o sempre alerta rotineiro. Um sábado Nathalya foi apresentada a tropa. Cabelos vermelhos cortados no ombro, um rosto lindo um corpo sonhador. Ela no final da reunião conversou com Charles. Ele vermelho não sabia onde colocar as mãos, os pés nada. Conversaram banalidades.

            David o Monitor sempre ficava ao lado dela. Charles olhava o par e olhava para o chão. Sabia que nunca ela poderia ser sua namorada. Em uma excursão no Vale Florido eles deram uma parada próxima a uma linda cachoeira. Sentaram nas pedras e extasiados admiravam a maravilhosa obra da natureza e de Deus. Ela o convidou para sentarem em uma sombra onde uma linda Copaíba se destacava. Sentaram ali e ela alegre e gentil contou muitas coisas sobre a sua vida. Charles ficou sem jeito de falar sobre ele. Era negro ela branca ruiva de cabelos vermelhos. Ela insistiu e ele se abriu com ela. Ela nada disse. Ele sabia que agora a tinha perdido para sempre. Sua vida pobre e sem futuro não iria interessar a ela. O apito do Chefe tocou três vezes. Reunir. A hora maravilhosa daqueles momentos mágicos havia acabado. Eles levantaram e para surpresa de Charles Nathalya o abraçou e o beijou. Ele não sabia o que fazer. Não foi um beijo dos que seus amigos se gabavam. Foi um beijo lindo, um roçar de lábios poder olhar nos olhos, sentir o perfume que ela exalava e sem querer acariciou seu rosto, seus cabelos e de novo o apito do Chefe.

          Foi um êxtase de momento. Uma quimera de segundos, mas que Charles nunca mais esqueceu. Na semana seguinte Nathalya não veio. Na outra também não. Charles torcia as mãos, olhava para o portão e quando a reunião terminou tentou achar a casa dela. Ninguém sabia o Chefe disse que ela não voltaria mais. Era escoteira em outra cidade e veio passar uns dias com sua tia. Não lembrava onde era a cidade e nem conhecia sua tia. Ela tinha pedido para participar das reuniões enquanto estivesse aqui. Charles tomou um choque. Uma dor incrível cravou em seu coração. Sua mãe o abraçou e ambos ficaram assim por um bom tempo com os olhos molhados de um choro que não saia. Charles nunca encontrou outra moça para namorar. Não se interessava. Nunca iria tirar o momento mágico do afago e do beijo entre ele e Nathalya.

       O tempo passou. Charles cresceu. Formou-se como Técnico Mecânico. Sua mãe velhinha não trabalha mais. Charles comprou uma linda casinha para ela. Mobilou e perguntou se queria uma televisão. Ela disse: Minhas histórias ou a televisão? Ele sabia o que iria escolher. Charles continuou Escoteiro, mas preferiu ficar colaborando sem ser um chefe. Durante toda sua vida uma vez por mês Charles devagar sem correr vestia seu uniforme, embarcava em um ônibus e descia próximo ao Vale Florido. Sentava na sombra da Copaíba e sua mente ia ao passado distante que nunca esqueceu. Lembrava tudo que Nathalya naquele dia mágico lhe contou. Sorria quando se lembrava. Depois de horas ficava de pé, fechava os olhos e via Nathalia a sua frente o beijando. Meu Deus! Incrível esta visão virtual. Visão de um grande amor que nunca morreu. Estava vivo na sua mente para sempre.

      Hoje aos setenta anos Charles ainda pega o mesmo ônibus e lá está ele com seus passos trôpegos a procurar seu Vale Florido. No mesmo local na mesma árvore, naquela Copaíba que assistiu o desenrolar de um grande amor ele agora com dificuldade sentava naquela sombra e sonhava. Disse para si mesmo que ninguém mais iria beijá-lo, ninguém faria esquecer o beijo que um dia elevou seu espírito aos céus. Um dia Charles se foi. A Copaíba sentiu sua falta. O perfume que ela deixou em sua sombra nunca mais se esvaiu. Nas suas exéquias Charles sentiu uma luz azul brilhante a lhe convidar para pegar sua mochila, seu chapéu de abas largas, sua bandeira e subir para a cidade dos sonhos para uma grande excursão. Todos os Escoteiros estavam lá, seus amigos de outrora que ainda estavam vivos e ela, ela mesmo, Nathalya com seus cabelos brancos foi prantear um amor do passado que nunca esqueceu!

Nunca diga te amo se não te interessa.
Nunca fale sobre sentimentos se estes não existem.
Nunca toque numa vida se não pretende romper um coração.
Nunca olhe nos olhos de alguém se não quiser vê-lo se derramar em lágrimas por causa de ti.
A coisa mais cruel que alguém pode fazer é permitir que alguém se apaixone por você quando você não pretende fazer o mesmo.

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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