Quem me rouba a
honra priva-me daquilo que não o enriquece e faz-me verdadeiramente pobre.
Palavra de Escoteiro ou
palavra de honra?
“Os dez artigos da Lei
Escoteira”
Estava acampado
como sempre fazia bimensalmente com os monitores e subs da tropa. Nos acampamentos
de fins de semana eu sempre ia para o Sitio do meu amigo Tornelo. – Chefe,
fique a vontade, nem precisa pedir autorização. Boa aguada muitos bambus um
local excelente. Eram quatro subs e quatro monitores. Eles adoravam tais
acampamentos. Eu também, pois tínhamos mais tempo para conversar, aprender
fazendo e trocar ideias. Ouvir adolescentes e suas necessidades eram para mim
uma alegria sem par. Com esta nova rotina a tropa deu um salto em motivação e
crescimento. O dia já estava no fim e a noite chegava mansa. Jantamos um belo
bife com arroz que estava soltinho. Um dos subs era um cozinheiro de mão cheia.
Lá pelas nove eles chegaram de mansinho na porta da minha barraca. Eu tinha
feito nos outros acampamentos dois bancos de troncos grossos que encontrei
cortado perto da lagoa do Jacaré. Cada um foi se assentando e um deles já
colocava as batatas no fogo já aceso. Eu terminara o café e no bule esmaltado já
tinha colocado junto à fogueira pequena com pedras em volta para não espalhar
as brasas.
Era uma rotina
que todos gostavam de participar. Ali ficamos conversando até que um Monitor me
perguntou – E a história de hoje Chefe? Sorri de leve. Sempre tinha uma
historia para contar. – Vamos lá eu disse. Hoje iremos falar da Lei Escoteira.
Uma patrulha que sempre achou que a palavra do Escoteiro vale pela sua honra.
Mas o que é honra? Melhor contar a história. Eles se serviram de um biscoito de
polvilho e alguns do café que estava quentinho. Um silencio se fez em volta.
Mal dava para ouvir os grilos e ao longe na lagoa uma sinfonia de sapos cururus
se divertiam todas as noites. – Tudo começou quando a Patrulha Onça Parda
estava reunida na casa do Escoteiro Santos Dumont. Estavam lá o Monitor Rui
Barbosa, e mais os Escoteiros e escoteiras Olavo Bilac, Caio Martins, Anita
Garibaldi, Barbara Heliodora e Joana Angélica. Era uma rotina, pois todas as
quartas feiras se reuniam em casa de algum membro da patrulha. – Chefe! Interrompeu um Monitor, mas estes
nomes são verdadeiros? Olhe que todos eles fizeram parte da história do Brasil.
Bem pensado Antonio. Mas faz parte da história.
- Bem
continuando, depois de discutido as sugestões que dariam para o programa do
segundo semestre, eis que Anita Garibaldi levantou um assunto – Olhem meus
amigos, lembram-se da última reunião que o Chefe fez um Jogo Escoteiro usando a
Lei Escoteira? – Sim, disseram todos. Mas foi um jogo meio parado disse Olavo Bilac.
– Concordo disse Anita Garibaldi, mas acho que valeu para nós. Afinal somos
Escoteiros e o que significa a Lei Escoteira para um escoteiro? – Uma discussão
simpática começou. Falou Caio Martins, Santos Dumont, Barbara Heliodora e Joana
Angélica. Rui Barbosa o Monitor só observava. Ele sempre se questionou sobre a
lei. Cumprir ou não cumprir? Dizia para si. Fazer o melhor possível? Quem sabe
assim era mais fácil. Foi Santos Dumont que abriu o jogo – Para dizer a verdade
eu não sou muito de cumprir esta lei. Ela existe para nos dar um caminho a
seguir. Cumprir todos seus artigos é impossível, finalizou. – Não sei se
concordo disse Olavo Bilac. Anita Garibaldi não falava nada. Só ouvia. O mesmo
fazia Joana Angélica. Barbara Heliodora não concordou. – Não acho que devemos
seguir pela metade. Se ela existe e nós prometemos um dia fazer o melhor
possível não podemos continuar assim por toda a vida.
Joana Angélica
que pouco falava lançou um desafio – Porque nós que achamos que a Lei é tudo
para os Escoteiros, que falamos em honra em palavra escoteira e em ética
escoteira não tentamos por dez dias cumprir a risca todos os artigos? Quem
sabe, prosseguiu, poderíamos fazer uma espécie de aposta e os que perdessem
pagaria para todos uma rodada de sorvetes na Sorveteria do Paulão? Todos deram
opiniões. Foi Rui Barbosa quem finalizou – Se todos aprovam eu estou de acordo.
Lembrem-se que faltar com um artigo da lei é questão de consciência do próprio
membro da patrulha. Para isto se ele não está preparado para cumprir os dois
artigos da Lei que vão reger este desafio, não vale a pena continuar. Caio
Martins entrou na conversa – Seria o primeiro artigo? O Escoteiro tem uma só
palavra e sua honra vale mais que sua própria vida? – Barbara Heliodora emendou
– Este mesmo e eu acrescento o segundo. O Escoteiro é leal. Sem lealdade não
existe amor, amizade, fraternidade e consciência de mostrar que acredita no que
faz e sabe que os outros reconhecem seu Espírito Escoteiro.
Aprovado o
desafio, a reunião de patrulha terminou com um juramento de todos com as mãos
entrelaçadas – Prometo ser leal e dou minha palavra escoteira que se errar
direi a todos. – Era uma quinta, dia 12 de agosto. O desafio iria durar até o
dia 22 de agosto. Rui Barbosa pensativo não sabia se conseguiria cumprir. Olavo
Bilac ria baixinho – Este desafio eu tiro de letra - Caio Martins dizia para si
mesmo que se quisesse vencer teria que caminhar com suas próprias pernas.
Santos Dumont tinha dúvidas se também iria até o final. Anita Garibaldi não
tinha dúvidas. Barbara Heliodora sempre se considerou leal e achava que sempre
cumpriu os artigos da lei. Joana Angélica tinha medo de suas amigas de classe.
Falavam muito palavrão e sempre contavam piadas que iam contra a ética e a
honra. Os dez dias se passaram. Estavam todos reunidos na casa de Joana
Angélica. Era a hora do acerto de contas. Hora que cada um devia dizer se
cumpriu ou não a lei escoteira.
Rui Barbosa
deu o exemplo como Monitor – Não consegui no Sétimo artigo me perdi. Tudo por
causa do meu pai. Encheu-me as paciências de tal maneira que fui indelicado com
ele. Pedi desculpas depois, mas já havia infligido à lei. Joana Angélica riu
baixinho e emendou – Eu também não consegui. O quarto artigo é danado. Amigo de
todos? Isto inclui aqueles que não são Escoteiros. Tive que dar um empurrão na
Rebecca minha prima. Entrou no meu quarto e fez uma bagunça que só vendo.
Depois me arrependi. Afinal ela só tem cinco anos! Caio Martins só falou que
cumpriu todos. Barbara Heliodora pediu desculpas, mas não cumpriu o quinto e o
oitavo artigo. Não fui cortês com minha mãe e quando ela me repreendeu na
frente de todos, eu chorei por dois dias. Nem me lembrei de sorrir. Olavo Bilac
disse que cumpriu sem pestanejar e se precisasse ele ficaria para sempre
cumprindo a lei escoteira. Anita Garibaldi também não conseguiu. Discuti com
minha professora, pois ele me deu oito em história. Merecia um dez. Por último
Santos Dumont disse que cumpriu todos.
Os monitores e
subs estavam de olhos arregalados. Chefe é história verdadeira? Quer saber? Eu
não sei se iria cumprir como muitos fizeram. Não disse sim e não e encerrei a
história com todos tomando sorvete na Sorveteria do Paulão. Empanturraram-se de
tanto tomar sorvete. Um silêncio profundo em volta do fogo. Ninguém disse nada.
Uma coruja piou ao longe. Os sapos pararam de coaxar. O céu ficou escuro e um
relâmpago riscou o ar. – Boa noite meus caros monitores, chequem suas barracas
a intendência, o lenheiro. Vem uma tempestade por ai!
Nenhum
homem tem o dever de ser rico ou grande ou sábio: mas todos têm o dever de
serem honrados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário