Todo mundo sabe qual a definição de um bom pouso: é quando você pode
sair dele caminhando. Mas pouca gente sabe a definição de um ótimo pouso: é
quando, além disso, você pode usar o avião outra vez.
Conversa
ao pé do fogo.
As mil e
uma noites de um acampamento de verão.
Chefe! Oh Chefe!
Galo não tem dente! Eu falava e morria de rir. – Aquele tinha e olhe uma
dentadura de fazer inveja. Dentes enormes. Eu ria todos nós riamos. Alí na
beira do Riacho Grande nos encantávamos com as historias do Chefe Joe. Na
cidade o chamavam de Comandante. Todos o respeitavam muito. Meu pai disse que
ele foi piloto da F.E.B (Força Expedicionária Brasileira) e pilotava um P.51 –
Mustang. Meu pai dizia que ele tinha muitas histórias para contar das
esquadrilhas e ele ria quando diziam para ele – “Senta a Pua”. Ele sabia que
isso significava que o piloto tinha coragem e que na hora da disputa aceleravam
o avião o mais rápido possível. Tudo mudou depois que ele chegou. A tropa
pequena, muitos escoteiros saindo, o nosso Chefe de grupo não sabia o que
fazer. Chefe Nelson não quis mais ficar e não tínhamos ninguém. Nem sei como
convidaram o Chefe Joe. Ele já estava entrando nos seus cinquenta anos. Loiro,
alto e magro, cara lisa sem bigodes, cabelos embranquecendo, andava meio
curvado apesar de ainda ser bastante esperto.
Naquela noite
de verão a nossa Patrulha de Monitores estava acampada ha dois dias as margens
do Riacho Grande. Cada dia mais nos divertíamos. O Chefe Joe tinha tudo para
nos atrair. Ele era demais. Isto não existia antes. No grupo o Doutor Mamede o
Chefe do Grupo estava preocupado. O Chefe Joe deu férias para todos os
escoteiros, ou melhor, seis deles, pois ficou com oito. Dizia que sem bons
Monitores e subs não podia haver uma tropa escoteira. Eu estava lá, não era
Monitor nem sub, mas fui escolhido. Adorava o Chefe Joe. Chegava a sonhar com
ele. Mudou tudo na tropa. Pouco nós ficávamos na sede. Era excursão, jornadas,
bivaques e acampamentos. Cada um mais gostoso que o outro. Aprendemos com ele
cada técnica mateira que nunca sonhávamos. A arte do uso do cipó foi por nós
absorvida a ponto de abandonarmos inteiramente o sisal.
Passava das dez da noite. Uma brisa
gostosa e o fogo se mantinha aos trancos e barrancos. Um céu estrelado e nossos
olhos estavam fixos no Chefe Joe. – Continuando – disse ele - Ventania tinha
dentes, tinha mesmo. Podem acreditar. Ele me olhou e eu olhei para ele.
Precisava dos ovos e ele era o dono do galinheiro. Ficamos encarando um ao
outro. Caminhei até o primeiro ninho e ele me deu uma mordida na perna e uma
esporada no braço com sua perna direita. Sua espora era enorme – Olhei para ele
e disse - Quer briga? Vais ver com quem está se metendo! Sou um Comandante!
Estive na guerra! Um galinho de nada me desafiando? Levantei os dois braços e
preparei para lhe um soco e ele de novo me deu outra esporada. A galinhada no
galinheiro fazia uma anarquia danada. Galo maldito! Josenilton devia saber
aonde ia me meter. Ele érea o dono do galinheiro. Comprei duas dúzias de ovos e
ele disse estar com pressa – Vá lá ao galinheiro. Tem muitos ovos. É só pegar.
A Patrulha rolava
de rir. Precisavam ver como o Chefe Joe contava a história. Sempre fora assim.
Durante o dia em um jogo ele fantasiava de tal maneira que a gente se achava
mocinho, polícia, soldado, índio, ou seja, lá o que for. Nossos acampamentos
eram demais. Ele para nos adestrar a cada atividade trocava o sub. Monitor,
dizia que ele era o Monitor dos Monitores. O sub precisava aprender a liderar.
Quando foi minha vez tremi. Um medo enorme. Mas achei que me dei bem. Nas
Conversas ao Pé do Fogo ele balançava a cabeça ficava em pé como se estivesse
bêbado e dizia: - Tenho que liderar, tenho que liderar. Meu corpo depende de
mim! Em pé! Firme! Então ele ficava ereto e andava em linha reta indo e
voltando. – A gente não entendia, mas aos poucos seus exemplos e explanações
nos faziam aprender a liderar com amor, com respeito e um belo dia ele disse:
- O
Dia chegou. Vocês estão preparados. Mandei chamar os meninos que dei licença.
Não voltarão todos e sei que a maioria vai voltar. Agora se vocês fizerem com
eles o que fiz com vocês teremos em breve quatro patrulhas das melhores que
existem. Dito e feito. Agora era outra reunião, outra motivação. Claro que não
era só nós os responsáveis. Afinal o Chefe Joe era único. Ele sabia como
dirigir a tropa. Só que ele dizia que não liderava e sim nós os Monitores sim.
Ele acompanhava e orientava. – Mas Chefe! E o Senhor, conseguiu ou não os ovos
no Galinheiro do Josenilton? – Ele ria, seu sorriso era contagiante. – Achei
melhor deixar os ovos lá. Se o Ventania defendia com tanto vigor seu lar não
seria eu quem iria obrigá-lo a fazer o que não queria. Quando sai do
galinheiro, ele se reuniu com outros galos, chamou as galinhas e deram uma
tremenda vaia em mim! Kkkkkkk!
- Isto é mesmo verdade Chefe? –
Claro ele dizia, quando voltei lá no galinheiro outro dia com o Josenildo ele
se posicionou para briga. Eu não entrei. Não ia de novo brigar por uns ovos.
Josenildo me trouxe três dúzias e um pintinho. – Como recordação Comandante. Se
tiver um lugar pode criar sem susto. É filho do Ventania. E não é que era
verdade? Com dois meses os dentes começaram a nascer. Vendaval mora comigo até hoje. É meu amigo,
meu companheiro e toma conta de minha casa como ninguém! – Pensei em pedir a
ele para conhecer o galinho Vendaval, mas achei melhor que não. Ele ia se
sentir insultado pela dúvida. Durante cinco meses a tropa cresceu, já estávamos
com quatro patrulhas completa. Ninguém faltava.
Uma tarde de verão Chefe Joe
chegou à sede. Abriu o porta mala do seu carro, fez uma saudação Escoteira.
Ninguém entendia, saltou de lá um galinho. Cheio de dentes. Era o Vendaval. Tal
pai tal filho. Ninguém podia se aproximar. Mas nós riamos a valer. O livro de
Atas da Corte de Honra e de todas as patrulhas ficou cheio com os relatos dos
escribas. – Olhava para o céu. Um cometa passou brilhando deixando um rastro de
pedras preciosas. Estávamos todos em silêncio. Até o Chefe Joe agora estava
calado. Ele também vidrado no céu brilhante. Pensei comigo que ele voltava ao
passado, pilotando seu Mustang nas lutas infernais que participou. O Laranja
dos foguetes zumbindo no ar, a cor purpura explodindo em um céu que iluminava o
piloto tentando escapar com seu paraquedas. Seu avião uma bola e fogo a cair em
meio da metralha da noite.
Lembro que em uma noite, estamos todos na
porta de sua barraca, onde ele prazerosamente fez para nós, bancos baixos e
nunca ficávamos sem um café na brasa um biscoito uma bala de hortelã. Nesta
noite ele olhava para o céu estrelado e nos disse pensativo, voz baixa, olhos
fixos no céu: – Sabem, quando precisarem compreender melhor uma situação, um
problema, é preciso ver as coisas com certo distanciamento. Se tiverem
aborrecimento, injustiças, desgostos, sonhem que estão em um Mustang, subam com
seu avião às alturas e olhem lá embaixo as pessoas. Tão minúsculas. Pequeninas
e nós somos tão grandes! Porque nos preocuparmos com pequenas coisas? Eu fazia
isto e olhe, meu equilíbrio emocional voltava e a raiva desaparecia. Eu nunca
tinha visto um Mustang. Eu forjava um na minha mente. Mas era um Teco-Teco o
único que conhecia. Mas me sentia um verdadeiro piloto. Ria de mim mesmo ao me
chamar de Comandante!
Deus sabe e o que faz. Trouxe-nos
o melhor Chefe do mundo. Olhe não existe nenhum Escoteiro da Tropa Senta Pua
que não se orgulha do nosso Chefe. Quando chega às noites de verão, Ele chama a
Patrulha, e lá estamos nas montanhas verdejantes, nas campinas mais distantes
em ravinas ou vales floridos a acampar com o Chefe Joe. A Patrulha de Monitores
sempre está em ação. Gosto disto. Adoro ser Escoteiro e ter um Chefe como o meu
Comandante me faz vibrar e me orgulhar do nosso querido movimento. E quer saber
mesmo? Amo de montão o meu Comandante. O meu querido Chefe Joe.
Senta a Pua! é o símbolo e grito de guerra do 1º Grupo de Aviação de Caça
da Força Aérea Brasileira, tendo suas origens na Segunda Guerra Mundial.
O símbolo foi criado pelo então Capitão Aviador,
Major-Brigadeiro Fortunato Câmara de Oliveira, Comandante
da Esquadrilha Azul.
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