Conversa ao pé do fogo.
Chefe Falcão Maltês um Gentleman Escoteiro.
Não sei quem colocou
o apelido. Nunca perguntei. Seu nome correto? Quem eu saiba ninguém sabia. Se foi
um segredo eu não sei, mas gostava do nome dele como Chefe escoteiro. Foi um
grande amigo enquanto estivemos juntos. Disse-me um dia que fora Chefe do Grupo
Escoteiro Estrela Cadente. Nunca tinha ouvido falar. Mas não é disto que quero
falar sobre ele. Chefe Falcão Maltês era um perfeito cavalheiro. Um gentleman
inglês. Como se diz hoje uma figura que merece um lugar entre os homens de
honra deste país. Nunca deixou alguém mais velho que ele em pé no ônibus.
Ninguém sentava sem antes ele arrumar a cadeira e olhem, as chefes adoravam.
Pagar despesas? Nem pensar. Se ele não pudesse pagar não iria. Dizia sempre que
os homens devem ser boníssimos com as mulheres, pois são elas que carregam o
fardo mais pesado.
O que eu admirava
muito no Chefe Falcão Maltês era seu modo de falar aquele jeito inglês gostoso
que vemos nos filmes. Ele sempre foi um exemplo aos escoteiros. Lembro que uma
vez estávamos em marcha de estrada indo acampar no Vale da Tartaruga, e caiu um
pequeno papel de bala na trilha onde percorríamos. Ele parou toda a tropa.
Chamou a todos e com uma voz calma e educada disse – Sabem que somos invasores?
A escoteirada não entendeu nada. – Porque Chefe? Disse um deles. - Porque a
relva, as árvores, os pássaros, o rio e as montanhas estavam aqui antes de nós.
Portanto eles são os donos. Nós somos intrusos. Vocês gostariam que alguém
entrasse em suas casas, sem pedir e jogassem papeis de bala na sala? Ninguém
disse nada. Um Escoteiro foi até lá e pegou o papel e guardou na mochila. E nos
acampamentos? Sua inspeção era rigorosa. Não perdoava nada. Nem fossa mal
tampada. Mas fazia tudo de uma maneira tal que encantava a todos – Escoteiros!
– dizia ele, porque deixar que a abelha o beija flor, os pássaros do céu sintam
o mau cheiro? Afinal eles vivem pelo aroma gostoso das flores, dos bosques e
das florestas. Temos o direito de tirar deles o aroma das folhas das árvores, o
vai e vem da fonte que jorra o farfalhar do vento que trás o perfume da montanha?
Afinal isto não é certo, não é mesmo?
Um dia estávamos
sentados na porta da barraca, um pequeno fogo crepitava e ele começou a cantar
uma linda melodia. Todos acorreram para perto dele. Ele parou e os escoteiros
ficaram intrigados. – Vou continuar, aguardem. Só quero aproveitar a
oportunidade para dizer a vocês, que as músicas, canções tudo que existe é
belo. Sabendo cantar e sabendo ouvir. Se um dia vocês ouvirem uma música Clássica,
ou mesmo uma ópera seja em qualquer lugar podem até não gostar. Mas se
assistirem a um concerto de uma Orquestra sinfônica ao vivo, ou mesmo a uma ópera
em um teatro tenho certeza que irão adorar. A Música
para se gostar tem de ter sentimento. Existem músicas e músicas para cada
momento da vida. As clássicas relaxam e fazem sonhar, musicas romântica ou
orquestrada são lindas dependendo onde estamos a ouvir. As românticas são
ótimas para quando se tem um grande amor. Temos, continuou ele – Que
aprender tudo que possamos absorver. As músicas de hoje cantadas ou não desde
que não tenham segundas intenções em suas letras, são válidas. Mas existem
outras e um Escoteiro deve estar preparado para descobrir, ouvir e sonhar com
todas elas. Não é o barulho estridente da música que nos toca o coração. Ouvir
boa música faz parte de nós escoteiros que vivemos nas montanhas acampando.
Era assim o Chefe Falcão
Maltês. Dizia sempre que podia que o Escoteiro é um cavalheiro, um fidalgo. –
Lembram-se do que diziam da mulher de César? Assim somos nós, ele dizia. Não
basta mostrar que somos, temos que se portar como tal. – Que tal dar a vez a um
amigo? Abrir a porta para ele? Que tal dividir o doce, o farnel, seu cobertor,
que tal dividir sua alegria, sua felicidade com quem não a tem? – Chefe Falcão
Maltês deixou saudades. Sempre acreditei que todos nós chefes escoteiros
devemos ser uma espécie de Chefe Falcão Maltês. Alguns dos nossos jovens precisam
aprender boas maneiras. Claro, é função dos pais. Mas não estamos ali para
colaborar? – Um dia ele me disse – Chefes Vado, hoje muitos se apegam a
entender o jovem como ele é e a justificar. Certo isto? Prefiro deixar para os
que vivem ao seu lado dizer. Mas existem normas, direitos e deveres que são
sagrados. Um pai nunca vai dizer ao filho se ele quer ir escola, se ele quer
sentar a mesa para as refeições ou se ele pode escolher a hora para dormir.
Isto faz parte da família. Da educação que ele transmite ao seu filho. Ele será
cobrado pelo que fez. A formação é sagrada dentro do lar. Para mim isto não tem
discussão.
Entendi perfeitamente
seu recado. Não é porque os tempos mudaram que as boas maneiras, a educação, o
cavalheirismo o dever e a honra devem ser deixadas de lado. O respeito aos mais
velhos, o respeito ao meio ambiente, o respeito com as pessoas, o direito de um
e o de outro nunca devem ser olvidados. Seria bom, seria bom mesmo que existem
muitos chefes Falcão Maltês por aí. Acho que tem muitos jovens que se chamam de
escoteiros e escoteiras que poderiam ouvir suas palavras e aprender. E porque
não muitos adultos?
Já faz anos que não
vi mais o Chefe Falcão Maltês. Soube que ele resolveu abrir um Grupo Escoteiro nos
garimpos do Suriname. Um país perdido nas fronteiras do Brasil com a Guiana
Francesa. Porque a escolha? Ele não me disse. Partiu com um sorriso para nunca
mais voltar. Quem sabe ele seria um novo Cavaleiro Andante, a ensinar naquelas
plagas distantes, no meio da selva e para aqueles garimpeiros rústicos que não
existe hora e nem lugar para ser educado e ter honra? Que ele seja feliz.
Ensinou-me muito. Tem chefes que são e tem outros que dizem ser. Eu até hoje
ainda não me situei. Que Deus me ajude a cumprir minha missão, claro se eu
tiver uma para cumprir.
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