segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Saudades do meu Lampião Vermelho encantado.


Lendas escoteiras.
Saudades do meu Lampião Vermelho encantado.

                Minha Avó olhava para mim e dizia – “O lampião cum corosene só serve pra infeitá os comudu da casa”. Era assim que ela falava. Linda a minha avó. Mesmo com seu palavreado de mulher simples da roça, ela era a grande mãe que não conheci. Criou-me desde que nasci em uma casinha de barro e que ela sempre mantinha limpa e asseada. Minha mãe morreu de parto e ela sozinha me criou. Vovó plantava roça e assim sobrevivíamos. Andava seis quilômetros até a escola e nunca reclamei. Um dia ela remexendo em um baú, tirou de lá um Lampião Vermelho a querosene novo. – É para você no Escoteiro. Cuidado com ele, fala chora e ri, portanto o trate bem. Era lindo! Não o testei. Faria isso no acampamento de verão com meus amigos da patrulha Raposa. Ficou pendurado em meu quarto.

               Dois dias depois o ouvi fazendo barulho na parede do meu quarto. Danado de Lampião Vermelho. Balançava, fazia sinais e dizia: - Gostei de você. Vamos viver juntos por longos anos. Você nunca vai se arrepender de me ter como amigo. Não era possível pensei. Lampião Vermelho não fala. Bem eu já vi um chapéu de três bicos e um bastão falando. Um lenço também e até uma Bandeira do Brasil. Olhei para e sorri. No sábado seguinte o levei até a sede e apresentei a patrulha. Ninguem o cumprimentou. Eu sei ele era apenas um lampião vermelho a querosene. Vi que ele olhou para mim com os olhos tristes. Achou que seria bem recebido. Quando ia entregar para o intendente ele chorou. Não disse nada e o levei de volta pra casa. Ainda me lembro dele fazendo sinais e dizendo: – Não me deixe aqui. Não tenho amigos, tentei falar com a barraca e as panelas, mas elas nem ligaram para mim. O único que me disse alguma coisa foi aquele feioso e metido lampião a gás. Ele se acha o tal.

           Na volta para casa ele sorria e me olhava agradecendo. Pendurei-o no prego da parede do meu quarto. De novo deu uma sonora gargalhada. – Lar doce lar! Disse. Não sei por que comecei a gostar do Lampião Vermelho. Quando chegava da escola ou dos folguedos na rua, sempre conversava com ele no meu quarto. Prometeu que no primeiro acampamento ia mostrar o seu valor. Sorri sem dizer nada. O Dia do acampamento chegou. Mochila pronta e ele me olhando esperando que o colocasse junto a minha capa preta que ganhei do meu avô.  Esqueci-me dele. Vesti meu uniforme e fui até a cozinha pegar minha ração de campo. Ração B, iriamos ficar dois dias acampados. Não havia taxas. Para que? Minha Avó ajudava a preparar a ração. Quando ia partir para a sede ouvi um barulho no quarto. Lá estava ele a balançar na parede dizendo – Não vai me levar? Afinal não existo? Não tenho utilidade? Sorri sem jeito e o coloquei na alça da mochila junto com a capa. Coube direitinho. Ele deu uma gargalhada e disse: - Vamos escoteiro acampar, pois o pau vai quebrar! Vais ver quem eu sou nas noites de luar! Em frente marche!

         Seis quilômetros de estrada cantando. Notei que meu lampião Vermelho cantava também. Ninguem ouviu. Lampião na fala e não canta. Mas o meu falava e cantava. Ajudei a empurrar a carrocinha. Ele sorria dengoso nas minhas costas. Foram três dias de acampamento. Coisa boa demais! Os Raposas pareciam uma família quando acampavam. Eu era o cozinheiro, sabia que gostavam de meus “quitutes”. Fazia tudo com presteza e as noites o Lampião a Gás iluminava tudo em volta. No segundo dia aconteceu um acidente. Eu sabia quem tinha provocado. Fizemos um tripé e colocamos lá o Lampião de gás e o meu Lampião Vermelho a querosene. Vi de longe que os dois se estranhavam. Por duas vezes o lampião de gás bateu com força no meu lampião vermelho. Ele quase caiu. Ficou quieto. Saímos para um grande jogo e só voltamos lá pelas seis já escurecendo. O Monitor gritou com todos: - Algum animal jogou os dois lampiões no chão. O lampião gás jazia com o vidro quebrado e camisinha em pandarecos. O lampião vermelho estava em pé e nada quebrado e sorria como se fosse Deus da noite.

            Acendi o Lampião Vermelho. Não era dia, mas também não era noite. Ele me ensinou seus truques. Aumentar a chama aos poucos. À noite sentado à beira de um pequeno fogo em frente a minha barraca a patrulha conversava. Ficamos ali cantando e vi que o Lampião Vermelho sorria. Estava feliz. Piscou para mim e por sinais me disse: Está vendo meu valor? Afinal eu sou um lampião dos bons! Como era metido este lampião Vermelho. No outro dia enquanto fazia o café da manhã e assava uns pães do caçador, o Monitor e mais dois da Patrulha se aproximaram. Começamos a conversar. Logo a conversa evoluiu para o Lampião Vermelho. Todos diziam que ele dava um aspecto mais mateiro ao acampamento. A noite ficava mais linda e as estrelas no céu brilhavam mais efusivamente. Olhei para o Lampião Vermelho pendurado próximo a nós em um tripé mais reforçado e vi que ele balançou para um lado e outro. Sorria como sempre o danado.

           Ouve outros acampamentos. Outras excursões. O Lampião Vermelho nos guiava a noite, com sua luz bruxuleante nos trazia mais próximo à natureza. Ele mesmo nos ensinou como preparar o seu pavio para dar maior claridade. Ensinou-nos também que a querosene devia ser colocada pela metade em seu bujão. Ensinou que o pavio não devia ficar alto se não a chama com a fumaça iria sujar o vidro. Notei que os outros também passaram a conversar com o Lampião Vermelho. Por diversas vezes vi os patrulheiros da Raposa conversando com o Lampião Vermelho. Ele adorava a conversa. À tardinha já me chamava para acendê-lo e no tripé ele olhava com carinho para todos nós. O Lampião Vermelho agora era mais um Raposa. Ele também contava histórias, pois nunca mais perdeu uma atividade da patrulha.

              Um dia fui para a faculdade. Contei para ele que ia embora. Vi sua tristeza e a dor da despedida. Chorou baixinho. Eu também chorei. Não sabia o que fazer. Levá-lo comigo ou deixá-lo com a Patrulha? Dei a ele inteira liberdade de escolha. Você decide meu querido Lampião Vermelho. Não foi uma decisão fácil. Ele preferiu ficar com o novo Escoteiro que estava na Patrulha vindo do lobinho. Vi que eles se entendiam perfeitamente. Disse que na cidade seria apenas uma relíquia ou uma recordação de um passado saudoso. Achava que tinha muito ainda para iluminar as noites escuras dos acampamentos junto aos jovens escoteiros sonhadores. O dia que o Noviço foi buscá-lo, ele me olhou e chorou. Eu também chorei. – Olhe Lampião Vermelho você me fez chorar muitas vezes. Deu-me muitas alegrias também. Mostrou-me novos caminhos, novos horizontes. Iluminou minhas noites alegres e tristes. Fez de mim um homem com sua maneira honesta de ver as coisas.  Não queria perder você, mas o destino muitas vezes não nos dão condições de escolha.


            Adeus meu querido Lampião Vermelho. Adeus. Espero que faça a todos felizes como me fez feliz por todos estes anos que ficamos juntos. Fiquei ali na porta do meu barraco de barro o vendo indo embora com Noviço. Notei que os dois conversavam animadamente. Minha Avó veio de mansinho e me deu um abraço. Chorei nos braços dela. Nunca mais voltei. Nunca mais soube onde andaria o Lampião Vermelho que fez parte da minha vida. Acho que ainda existe e deve estar fazendo milhares de acampamentos, excursões e vivendo uma vida feliz junto aos escoteiros que sempre amou.

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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