domingo, 13 de novembro de 2016

A Lenda da Piripirioca.


Lendas Escoteiras.
A Lenda da Piripirioca.

                     Foi em uma noite de lua cheia, acampado na Foz do Rio Tibiriçá que conheci Kaiowa, um índio da família dos Botocudos. Eu era meninote e ele troncudo não tinha mais que dezesseis anos. Não era a primeira vez que atravessei o Rio Doce entre Conselheiro Pena e Aimorés para acampar nas margens deste rio que sempre me seduziu pela sua beleza selvagem e misteriosa. Foi o meu primeiro acampamento que fiz sozinho, um desafio a mim mesmo se podia ou não sobreviver em uma floresta desconhecida. Kaiowa chegou sem pedir e sentou em volta do fogo. Nem levantou os olhos para me olhar. Era como se ali ele fosse o senhor daquela floresta e não tinha nenhuma satisfação a me dar. Fingi de morto e nada disse. Havia uma pequena chaleira com café quente nas brasas da pequena fogueira e ele com firmeza levantou o bico da chaleira e bebeu o café quente  sem reclamar.

                     Ficamos ali eu e ele calados e sem olhar um para o outro. Confesso que não tive medo. Sentia nele uma áurea de índio bom e isto trazia uma grande paz entre nós. Deste acampamento a “escoteira” (aquele que anda só) surgiu uma amizade que através dos tempos durou enquanto ele morou na Aldeia da Tribo “Manau”. Sempre que podia lá estava eu na curva da onça do rio Tibiriçá para ver de novo o meu amigo índio Kaiowa. Só uma vez me convidou a visitar sua tribo. Uma vez e nunca mais. Pediu-me segredo de tudo que visse e eu como bom Escoteiro disse a ele que tinha uma só palavra e  minha honra estava acima de tudo. Não perguntei por que, pois se ele queria assim devia ter um motivo muito forte para manter o segredo na tribo. Foi uma amizade de dois meninos homens que se manteve por muito tempo. Sempre ficávamos as noites até de madrugada em volta do fogo ouvindo o silêncio da noite ou mesmo suas histórias que contava quando lhe apetecia. Esquecia até mesmo o frio cortante do vento norte que subia o rio.

                  Kaiowa me ensinou muitas técnicas mateiras. Como pescar sem vara, Subir em árvores com timbiras em volta, o melhor cipó para amarras e até fez questão de me mostrar as melhores frutas da selva assim como plantas medicinais. Eu gostava das histórias que  ele contava de sua tribo. Foram dezenas delas nas noites com lua ou sem lua. Para um índio que pouco falava, ele adorava contar histórias.  A lenda da Piripirioca foi a ultima que me contou. Tivemos que dar adeus um ao outro depois que me casei e vida me levou para outros lugares nunca imaginados. Ele se serviu de mais alguns goles do meu café na chaleira e me contou em  forma de lenda a história da Piripirioca.

                 No seu estilo habitual cruzou as pernas, respirou o ar puro e fresco  da floresta. - Vado Escoteiro a tribo Manau vivia num lugar muito bonito desta floresta. Esta tribo era conhecida pela beleza das mulheres indígenas. Um dia um índio estranho estava pescando no lago próximo. Era Piripari que pescava pirás. Quando o bando de cunhãs (mulheres) da tribo Manau o avistou, elas se aproximaram para tentar conhecê-lo melhor. Uma delas falou: - “De que terra vens, ó moço bonito? Tu és lindo feito o amanhã.” - Piripari não as olhou, mas uma das índias botou a mão no ombro dele. Mal a mão tocou o moço, ficou toda perfumada. As cunhãs ficaram maravilhadas.

                   - “Moço, conta para nós qual é o teu segredo. Se não contares, o levaremos preso para nossa taba.” Mas, ele apenas gritou: “Meu nome é Piripari!” Ao gritar, ele pulou rapidamente no rio, e na linha de pescar levava três cunhãs. As outras moças pediam para ele não ir embora. “Piripari, não vás, somos amigas e te queremos bem.” Elas esperaram por muito tempo que ele voltasse. Sentaram-se na praia e esperaram longamente pelo moço. No entanto, Piripari não voltou. Apenas o seu cheiro ficou no vento, um cheiro embriagador que envolvia toda a floresta. Lá longe, Piripari libertou as moças presas à linha de pesca. Ele disse a elas: “Não queiram pensar no meu amor. Ainda não é meu tempo de amar, não me esperem mais, cunhãs.”.

                  - Apaixonadas, porém, as cunhãs permaneceram inconsoláveis na espera.
Depois de muito tempo, vendo a tristeza das cunhãs, apareceu na tribo um jovem feiticeiro chamado Supi. Querendo ajudar as moças, ele disse: - “Se o cabelo de vocês tocarem Piripari, ele ficará preso”. Quando a lua cheia vier, vão até a praia onde ele costuma ficar e cada uma leve na mão um fio de cabelo para amarrá-lo. ’ - No dia marcado, as cunhãs foram para o rio. Ela viram Supi que estava pescando. Supi puxava a linha e tirou um peixe. Ele enterrou o peixe na areia. A lua subia bem alto. Elas viram que o peixe virava Piripiri. As cunhãs, devagarinho, com os fios de seus cabelos amarraram Piripari. Elas vibravam de contentes.

                  - Enquanto elas o amarravam ele olhava para o céu e cantava uma linda cantiga, mas ele não se mexia. Elas então se queixaram a Supi: “Nós o prendemos, mas ele nem se deu conta.”- O feiticeiro tratou de tranquilizá-las: - “Enquanto ele está cantando a alma dele passeia pelo céu, entre as estrelas. Não toquem no corpo dele, do contrário ele desperta e a alma ficará no céu. Logo que ele despertar, podem levá-lo para casa.” - No entanto, Piripari demorava a acordar. As cunhãs começaram a perder a paciência e diziam: - “Acorda Piripari”. ’ - Puraê, uma das cunhãs, chegou a tocar no ombro num gesto muito impaciente.

                  - Neste momento, Piripari se calou e a lua tornou-se escura. Soprou um vento frio e as cunhãs caíram em sono profundo. Quando elas acordaram, no mesmo local onde haviam deixado o corpo de Piripari estava uma pequena planta, uma plantinha apenas, mas de um perfume encantador. Neste instante, Supi se aproximou: - “Me escutem, cunhãs Manaus. Quem quiser cheiro de encanto, use no banho esta planta que desde hoje passará a se chamar Piripirioca, a planta que nasceu de piripiri.” E Puraê, a cunhã mais desobediente, de castigo, caiu nos braços de um sapo cururu gigante. - As outras cunhãs, entristecidas, voltaram para a taba. Nunca mais Piripari foi visto à beira do rio ou cantando uma cantiga. Até hoje as caboclas da Amazônia usam a planta cheirosa para conquistar outros moços.


                   Nunca mais voltei às terras de Kaiowa. Nunca mais pesquei e acampei no rio Tibiriçá. O tempo se encarrega às vezes nos afastar daqueles que amamos. Não sei se Kaiowa ainda vive, sei que ele mora para sempre em meu coração e suas histórias ficaram marcadas em minha mente por toda a vida. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....