Lendas
Escoteiras.
A cruz do meu
destino.
... - Você não precisa ser audacioso ou sabichão
para ser escoteiro. Basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração.
Precisa saber falar e calar, sobretudo ouvir. Tem que gostar de poesia, da
madrugada, de pássaros, de sol, da lua, do canto da Cotovia, dos ventos e das
canções da brisa. Quem sabe esta história serve para você?
- Sentei na beira do
riacho no lusco fusco daquela tarde fria. Lágrimas corriam pela minha face... Pensei
que não devia ter ido. Melhor ter ficado em casa. Mas eu precisava pensar. Tinha
de tomar uma decisão e não sabia qual. Meus amigos não sabiam como aconselhar,
pois nenhum deles passou pelo que eu estava passando. Qual caminho tomar? Ao
voltar da reunião dos Escoteiros encontrei em cima da mesinha seu bilhete,
bilhete não, uma carta. Longa, triste, ela disse tudo que queria dizer. Bateu
fundo em meu coração. Machucou, mas eu merecia. Aquela noite eu chorei. Eu um
homem feito com meus trinta e cinco anos chorava. Foi uma semana difícil no meu
trabalho. No sábado cedo avisei ao Lucas Monitor da Lobo que não iria à
reunião. Ele meu vizinho ficou ressabiado, não perguntou nada. Como Escoteiro e
Monitor acho que sabia o porquê. Eu precisava pensar e nada melhor que procurar
um lugar longe, onde o vento e a brisa da madrugada pudessem ser um bálsamo
para curar minha dor e quem sabe o meu coração.
Sentado em uma pedra no
alto da montanha, fiquei com a cabeça baixa ouvindo o cantar dos pássaros e o
barulho borbulhante da cascata. Meus pensamentos iam a mil. O sol a pino e não tinha
fome. A água da bica que diziam ser mágica não purificou minha alma. Nem o pintassilgo
que pousou perto ajudou. Se não fosse quem fosse eu preferia morrer a passar
pelo que estava passando. Mas era tão difícil assim? Quantos chefes passaram
por isto? Afinal só existe a felicidade entre as famílias Escoteiras que
participam juntos? Eu sabia que Verinha tinha razão. Ela sempre fora uma alma
caridosa e tentou entender meu estilo de vida. Ela sempre foi uma companheira
de verdade. Não posso reclamar. Fez tudo por mim e eu achava que também fazia
por ela, mas dinheiro e palavras não foram suficientes. Ela queria carinho,
minha presença, passear por aí, tirar férias na praia, ela adorava Juliano,
nosso único filho. Mas eu cego e estupido achei que meu caminho era o de ajudar
o escotismo. Agora via que enganava a mim mesmo. Olhava a água cristalina
caindo sonolenta na cascata, batendo nas pedras e meus pensamentos a mil. Insensatamente
não soube escolher. Escolhi errado. Meus olhos marejados de lágrimas só
pioravam meu estado de espirito. Que vontade de gritar e dizer que não era o
que queria!
Lembro quando tudo
começou. Já haviam passado quase oito anos. Era realmente feliz. Passeava com
ela e meu filho todos os fins de semana, íamos à casa de amigos, visitava a mãe
dela que morava longe, uma viagem de avião gostosa e nunca faltei também com a
minha mãe. Íamos a shoppings, restaurante, e nem sei quantas vezes fomos ao
teatro Municipal. Viajamos por quase todo o nordeste e tínhamos planos de ir a
Disney com a família. Não era rico, mas como Gerente da Fábrica tinha um bom
salário. Um sábado Juliano me pedir para participar em um Grupo Escoteiro.
Minha mente voltou ao passado quando sonhei em ser um e nunca fui. Trabalhava
com meu pai, lutávamos com dificuldade e os dias que a féria era melhor sempre
fora nos fins de semana. Porque não? Pensei. Fui com ele ao Grupo Escoteiro. Uma
meninada alegre, adultos educados, jogos incríveis e me senti correndo com eles
pensando nos meus tempos de criança. Juliano entrou. O Chefe Joy insistiu que
eu entrasse também. Precisavam de voluntários e me pediu para ajudar.
Logo fiz a Promessa e
em um ano assumi a tropa Escoteira. Para mim foi à glória. Agora como Chefe me
sentia realizado. A meninada me chamava de Chefe Corisco. Porque Corisco? Não
sei, mas eu gostava. Não perdia um curso, adorava ficar com eles conversando
correndo brincando. Nestas horas eu não era Chefe era um menino. Tudo mudou em
minha vida, parei de visitar meus pais e os pais dela. Quase não saímos mais,
pois estava sempre fora nos finais de semana escoteirando. Reuniões,
acampamentos, excursões, indabas e tudo piorou quando fui para o Jamboree. Na
volta Verinha não falou comigo. Vi que ela estava magoada. Pensei comigo que no
dia seguinte tudo iria mudar. Verinha era sistemática. Não falava, não
reclamava, mas seu semblante era um livro aberto.
Quando Juliano pediu
para sair fui ríspido com ele. Chamei-o de mole, sem força de vontade, disse que
não tinha Espírito Escoteiro. Nunca me contou porque desistiu. Lucas o Monitor
da Patrulha Pavão foi quem me procurou. – Olhe Chefe, Juliano cansou. Não quer
mais. Acha que o senhor é muito exigente com ele. Cobra dele o que não cobra
dos outros. Já não aguentava suas observações para que ele conseguisse ser um Lis
de Ouro! – Seria isso mesmo? Porque não conversar com ele? A conversa nunca
aconteceu. A vida de um Chefe Escoteiro hoje eu sei tem altos e baixos.
Exigimos muito de nós e de nossos filhos esquecendo que eles são iguais aos
outros. Sabemos que são a razão de nossa vida. Mas sair do escotismo? Nunca, eu
amava o movimento. Depois que entrei me transformei. O escotismo passou a ser
minha filosofia de vida. Juliano não voltou. Verinha conversava em
monossílabos. Tudo estava acabando e eu cego não via. No grupo ninguém
percebia, afinal nestas horas dificilmente temos alguém com experiência para
nos orientar.
Sentado a noite em um
tronco velho que achei em volta da pequena fogueira, a noite passou e agora só havia
brasas, olhei para o céu estrelado pedindo a Nosso Senhor um novo caminho. Pedi
a ele, pedi a Deus e os anjos escoteiros e nada. Chorei, chorava como um menino
sem presentes sem sonhos sem nada. Tirei do bolso o bilhete de Verinha – Meu
amor, eu te amo, demais mesmo, mas você parece não mais nos amar. Esqueceu que
sou sua mulher e até de Juliano esqueceu. Não fala mais com ele. Nunca aceitei
entrar com você no escotismo. Eu não sentia o mesmo que você. Nem todos
nasceram para isto. Sei que você dificilmente vai deixar de ser um deles. Você
já demonstrou isto na festa de aniversário do meu pai quando foi para a
Assembleia, também esqueceu que sua mãe passava mal e mesmo assim foi para um
Acampamento Distrital. Ela pedia sua presença naquele quarto do hospital e você
não apareceu. Ela partiu sem ver você. Desculpe-me meu amor, mas não dá mais,
estou indo embora. Aqui não volto mais. Juliano vai comigo. Quando contei para
ele chorou muito, mas concordou. Saiba que eu te amo, amo demais e desejo que
você seja feliz com seus amigos do escotismo.
Era meia noite quando juntei
minhas tralhas e desci a serra. Minha decisão estava tomada. Eu não ia perder
minha família. Amava o escotismo, mas minha família estava em primeiro lugar. Agora
não seria mais assim. Entre um e outro ficaria com quem iria viver para sempre.
Sei que o escotismo não tem culpa, mas quando participamos nos entregamos
demais e esquecemo-nos dos nossos entes queridos. Vou atrás de Verinha e
Juliano. Irei pedir perdão a eles de joelhos. Farei tudo para ela voltar. Não
irei fazer promessas, pois minha escolha estava feita. Espero que Deus me ajude
neste novo recomeço. Quando desci do avião e bati na porta da casa da mãe de
Verinha me lembrei de Chico Xavier - Embora
ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar
agora e fazer um novo fim!
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