Lendas Escoteiras.
O inesquecível Chefe Gafanhoto.
(história baseada em fatos reais).
...
- Todo Escoteiro tem boas histórias para contar. Aventuras, o imponderável nas
trilhas desconhecidas, um fogo de conselho que marca um remanso onde o Jacaré
Assú foi descoberto e deu um bom susto na escoteirada. Esta é uma historia
real. Contada em pedaços, pois no seu todo daria um livro. São meus convidados
para ler.
Gente boa. Educado. Sabia ouvir, sabia cantar, era um grande mateiro, sempre
sorrindo e com uma tropa Escoteira maravilhosa. Tinha um sonho. Um sonho maluco
– Chefe Vado se Deus quiser um dia eu vou me alistar na Legião Estrangeira. –
Você sabe o que é isto? Perguntei. - Claro, sei que quando se alista são cinco
anos sem poder sair. Bem cada um com seus sonhos. Eu o conheci em um
curso Escoteiro. Foram oitos dias na mesma Patrulha. Chefe gafanhoto
praticamente liderou a patrulha. Surpresa foi quando me disse que morava em
Barra das Vertentes. Cento e cinquenta quilômetros de onde eu morava. Em Pedras
da Alma. Eu novato como Chefe me senti renovado com o curso que fiz.
Chefe! Que tal acamparmos juntos? Minha tropa e a sua. – Grande ideia Chefe
Gafanhoto. Quando? Vamos aproveitar janeiro do próximo ano. Falta menos de seis
meses. Ficamos combinados. O local ainda iriamos decidir. Em fins de outubro
recebi uma carta dele. – Chefe, o Senhor Manolo pai de um Escoteiro tem uma
fazenda próxima a Três Estrelas. Metade do caminho para mim e você. Acho que
uns noventa quilômetros de sua cidade. Você passa Três Estrelas e marca mais
cinco quilômetros. Verás uma bifurcação. Ali será nosso ponto de encontro. Até
a fazenda são mais oito. Senhor Manolo me garantiu que lá tem um excelente
local, próximo de uma cascata para banho e muitos bambus. Ele irá nos ceder
dois carros de bois para transporte do material do entroncamento até o local.
Garantiu também que será por conta dele carne de porco e frango. Vai doar também
de sua plantação arroz feijão e batata. Tem também gordura de porco e verduras.
E claro peixes para quem quiser pescar. Ele tem tudo isto na fazenda!
Beleza! Mandei outra carta confirmando o horário de encontro. A tropa vibrou
quando contei do acampamento. Consegui na prefeitura um caminhão lonado, Chefe
João Soldado nosso Chefe do Grupo conseguiu o que faltava de alimentos no
Armazém do seu Amadeus. Iriamos com quatro patrulhas. Fizemos dois Conselhos de
Patrulha e duas Cortes de Honra. Metade do programa nosso e a outra do Chefe
Gafanhoto. Seriam seis dias acampados. Partimos em uma manhã chuvosa. O
caminhão estava lonado. Rio Bahia, estrada de terra ainda sem asfalto. Noventa
quilômetros. Chegamos às nove e meia da manhã. Corre daqui, corre dali, tralha
nas costas, chuvinha intermitente e pegamos a bifurcação. Vimos à tropa do
chefe Gafanhoto do outro lado do pontilhão de madeira que havia caído. O
córrego cheio. Imenso. Passava por cima do que restava da ponte. Não dava para
atravessar. Um barulhão tremendo das corredeiras.
A Patrulha Raposa montou rápido um posto de transmissão de semáforas. Entendemo-nos.
Armamos barraca debaixo de chuva e combinamos esperar a enchente diminuir. Cada
patrulha improvisou um toldo e um fogão tropeiro. Saiu uma sopa com pão fresco.
À noite as patrulhas resolveram conversar por Morse. A turma do Chefe Gafanhoto
era boa na sinalização. Dormimos cedo. De manhã sem chuva e com o céu cinzento.
A enchente diminuiu. Rogério Monitor me procurou. Chefe, as barracas estão
cheias de escorpiões. Ensinei o que deveria ser feito para empacotar o material
de campo e individual. Graças a Deus ninguém foi mordido. Resolvemos atravessar
sem a ponte, pois se não iriamos perder alguns dias o que não estava no programa.
Cada Patrulha fez uma pequena jangada. Uma festa. A outra tropa gritando e
ajudando. Às onze da manhã estávamos do outro lado com todo o material.
Abraços, saudações, apertos de mão, uma festa. Partimos. Os carros de boi
lotados. Rangendo. Fueiros cantando como sempre. Adorava isso. Chefe Gafanhoto
brincando com todos, animando, cantando, a escoteirada alegre e rindo. Oito
quilômetros tirados de letra. Uma hora da tarde chegamos. Seu Manolo gente boa.
Comemos goiabas e bananas. Ele tinha uma carne de porco frita. Mas iriamos
fazer o almoço. Fomos para o campo. Lindo local. A cascata demais. Tem nome?
Perguntei. Não. Eu te batizo como Cascata da Fraternidade. E assim ela foi
batizada para sempre. Seis dias maravilhosos. Parecia que os sessenta jovens
ali presentes se conheciam a longo tempo. Mais que irmãos. Seu Manolo um
gentleman. Dois meninos filhos de um meeiro (mora nas terras da fazenda, planta
e dá uma parte para o dono) se encantaram. Chefe Gafanhoto os colocou cada um
em uma Patrulha.
Tiana filha do Seu Manolo uma bela morena dos seus dezessete anos não tirava os
olhos de mim. Infelizmente estava noivo e comprometido. Fiquei triste quando
partimos e ela chorou. Lagrimas e lagrimas em seus olhos. No acampamento teve
de tudo. Bois que invadiram o campo à noite acordando todo mundo. Ricardinho
pegou uma traíra de três quilos. Só vendo para acreditar. A luta da Lança medieval
no remanso da Cascata da Fraternidade valeu por um acampamento. A jornada na
Caverna do Vento outro. Começava em um lado da montanha e saia do outro lado.
Mais de dois quilômetros na escuridão. E os pistoleiros? Sempre escorados no
tronco da macaxeira a nos espiar. Seu Manolo dizia que eram de paz. Norbertinho
em um jogo noturno caiu de uma arvore. Quebrou a perna. Foi levado a cidade e
voltou para o acampamento enfaixado. Ele mesmo fez uma espécie de muleta,
andava por todo o lado e nunca chorou. Aproveitou tudo do acampamento.
A falsa baiana em cima do remanso a mais de quinze metros de altura deu o que
falar. A ponte pênsil que a Patrulha do Morcego fez durou dois dias com um belo
tombo do Japirim. O ninho de águia da Patrulha Coruja dizem está lá até hoje.
Risos. A “desandeira” que deu em todos por comerem muita goiaba deu para
rir a beça. Sempre um correndo para o WC que logo encheu! Final de campo.
Meninos da fazenda chorando. Seu Molixto emocionado fez o juramento e recebeu
os dois lenços um de cada grupo. Os dois pistoleiros vieram nos cumprimentar.
Vi eu seus olhos a chama da esperança que não tiveram. Tiana me procurou
dizendo que me amava e nunca mais ia me esquecer. Nunca mais a vi.
Retorno triste, Chefe Gafanhoto tentando animar. Partida chorosa, nosso
caminhão lotado. Dando adeus. Edinho com sua bandeirola de semáfora dizendo e
repetindo um até logo até o caminhão virar a curva da estrada. Meninos se
acenando dizendo adeus. Promessas de um novo reencontro. Amizades que se formaram
e duraram por uma eternidade. Janeiro de mil novecentos e cinquenta e nove que
entrou para a história.
Cinco anos depois recebi uma carta do Chefe Gafanhoto – Chefe Vado, estou
partindo para a França. Vou me alistar na Legião Estrangeira. Nunca mais o vi.
Acho que seu sonho de ser um legionário foi realizado. Ainda deve estar lutando
nas montanhas ao norte da Argélia. Sonhos são sonhos. Cada um faz o seu. Belo
acampamento. Grande amigo o Chefe Gafanhoto. Nunca mais o vi e nunca mais o
esqueci. Ficou marcado para sempre em meu coração.
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