"A menos que
seu coração, sua alma, e todo seu ser estejam atrás de toda decisão que você
toma, as palavras de sua boca estarão vazias, e cada ação será sem sentido.
Verdade e confiança são as raízes de felicidade."
O
cidadão Leo. Um comissário Distrital esquecido.
(esta é uma história de
ficção. Qualquer semelhança com fatos, pessoas vivas ou mortas é mera
coincidência).
Nem sempre a história é
fiel aos fatos. Ela pode ser contada de diversas formas. Claro, dependendo de
quem vai narrar ou escrever a história pode ser mudada. Afinal o que é a
verdade? Dizem que o começo da sabedoria é encontrado na dúvida. Duvidando
começamos a questionar, e procurando podemos achar a verdade. Pablo Neruda em
sua suprema sabedoria dizia que a verdade é que não há verdade. Não sei se
concordo. Refiro-me ao chefe Leo. Era o comissário do Sexto Distrito Escoteiro.
Mais de quarenta anos como distrital. Estava se tornando uma lenda até que o
destituíram do cargo. Por quê? Isto me intrigou e muito. Não tinha muito
conhecimento dele, afinal o vi algumas vezes aqui e ali. Melhor dizer que não éramos
grandes amigos. Respeito sim, afinal via nele uma autoridade Escoteira com
altos conhecimentos.
O escotismo
tem uma filosofia de vida que encanta. Ele nos vende uma premissa que ali reina
o companheirismo a felicidade e o amor eterno. Nem tanto. Como em todas as
instituições e organizações eu sabia que a inveja, a soberba e o orgulho eram
um fato e que ninguém podia duvidar. Podíamos dizer que isto era um mal menor
comparado às vantagens de toda uma lei, uma promessa, um método capaz de
transformar não só os jovens, mas também os adultos em uma pessoa ética, honrada,
capaz de dar sem procurar receber.
Quando soube
de sua exoneração e os motivos eu fiquei preocupado. Tinha de me inteirar dos
fatos e não dos boatos. Fui procurá-lo pessoalmente e fui recebido como se
fosse um "Velho" companheiro de armas. Durante nossa conversa tentei
saber o porquê de sua saída. Nada me disse a não ser frases já decoradas – O
Chefe Joe era um gentleman, em tempo algum condenou alguém. Simplesmente disse
que tinha chegado sua hora, sangue novo, o escotismo agora é outro. E assim por
diante. Mostrou-me uma medalha que lhe deram. Não vi brilhos em seus olhos. O
que significava tudo aquilo? Um homem que dedicou a vida pelo escotismo agora
uma medalha e o ostracismo? Não vi nele sinal de velhice apesar dos seus
sessenta e cinco anos. Parecia ainda estar no vigor da juventude. E um
conhecimento Escoteiro que qualquer um saberia admirar.
Tinha que haver
alguma coisa. Eu não sou tão antigo no Movimento Escoteiro, mas com meus doze
anos de atividade eu tinha visto coisas que pensei nunca iria ver no escotismo.
Não se manda um homem como ele para o olho da rua sem ter um motivo forte.
Quarenta anos são quarenta anos. Nada melhor que fazer um périplo pelo seu
distrito. Cutucar aqui e ali, sondar um e outro e a verdade iria aparecer? Desculpem
não me apresentei. Meu nome é Lauro Santana, Sou um simples Chefe Escoteiro e
nas horas vagas sou metido a escritor. E quem sabe ali surgiria uma boa história
para contar e publicar? Durante quatro meses visitei os cinco grupos que
compunham o sexto Distrito Escoteiro. Grupos bons, alegres, fortes e poucos com
menos de cinco anos de atividade. Quem os visse a primeira vista diria que nada
havia de errado. Do Chefe Leo falavam maravilhas. Mas para dizer a verdade, não
sei se a verdade era dita de forma sincera. Claro, não sou psicólogo, e nem
tenho o dom de fazer uma autoanálise nas palavras de cada um. Mas por trás
daquela fachada descobri que existia uma certa animosidade por um ou outro,
falta de sinceridade quando as pessoas estão dialogando entre si.
Aos poucos a
verdade começou a vir à tona. Devagar, calmamente um e outro Chefe fazia
pequenos comentários que juntando as peças me mostrou até que ponto as pessoas
são em seu âmago e lá no seu interior não são aquelas que mostram ser. O começo
de tudo foi um buchicho que nunca se mostrou real e teve muitos que cortaram logo
o mal pela raiz. Não aceitaram acusações sem provas e o que diziam era
totalmente descabido. Mas quem começou? Uns disseram que foi do Grupo Ventos do
Deserto, outros do Grupo Montanha Azul. Não importava. Um nome surgia e logo vi
que o novo distrital era o protagonista de tudo. Seu nome? Renildo Marion Silva
Bueno. Pouco mais de cinco anos de escotismo já havia conseguido a insígnia de
madeira. Um sonhador a altos cargos no escotismo.
Ele ainda
participava do seu grupo. Alto, forte, bonachão, aquele sorriso que encanta,
mas que nem sempre mostra ser real. Abraçou-me com força, um aperto de mão tão
forte que doeu. Levou-me a apresentar a todos do grupo e vi que muitos não o
olhavam nos olhos. Nas entrelinhas vi que não gostavam dele. Eu achei o mesmo.
Muito falastrão. Abraços exagerados e sempre a dizer meu grupo, meus chefes,
meus escoteiros meu distrito. O dono de tudo. A seu modo me contou o porquê da
saída do Chefe Leo. Ele estava cansado. Já não acompanhava os grupos e além dos
cinco nenhum novo grupo surgira na área. Falou e falou. Eu só escutei e não
gostei de nada. Mas infelizmente não era minha seara. Dizem que quem pariu
Mateus que o embale.
Resolvi procurar
o Comissário Regional. Não o conhecia. Não me recebeu bem. Não sei por que uma
certa antipatia entre nós. E dizem que somos um movimento fraterno. Os defeitos
adquiridos como adultos não mudam. Perguntou de maneira galhofa qual o meu
interesse. Expliquei. Não gostou. Disse que eu não teria “ordens” da UEB para
publicar. Não disse nada. Com ou sem ordens eu publicaria o que quisesse. Interessante
os adultos no escotismo. Não existem salários existem sim sorrisos, uma linda
lei e uma filosofia que devia bastar para que eles fossem mais humanos, mais
fraternos e sentissem que não são tudo o que querem ser. Refiro-me aos que
lutam para alcançar posições dentro da hierarquia Escoteira. Nada com outros
milhares que estão ali para ajudar. Dizem que os homens se tornam arrogantes
com o sucesso e têm o mau hábito de odiarem aqueles a quem ofenderam.
Vi muito isto
no Movimento Escoteiro. Ainda bem que eu ria da ignorância explicita daqueles
que pensam saber tudo. A arrogância dos espertalhões é especialmente ridícula.
Mas não fui ali para analisar o Regional. Não. Queria dados e vi que ele não
diria nada. Só disse que foi assunto discutido na Comissão de Ética e esta
tinha resolvido exonerar o Comissário Joe. Pedi se podia ver a ata e ele riu na
minha cara. Ata? Não sabe que é confidencial? Como você vai ler se nem ele
ficou sabendo do seu julgamento? Melhor não dizer mais nada. Julgamento a
revelia. Sem direito de defesa e sem a presença do acusado. Ban! Falar o que? O
homem a minha frente era outro que tinha o dom de ser o dono de tudo. Ao sair
uma mocinha de uns vinte e dois anos me fez um sinal e me passou um bilhete.
Pediu-me para encontrá-la as cinco no barzinho em frente ao prédio do
Escritório Regional.
Simpática me
contou o que sabia. Um Chefe chamado Renildo (o novo distrital) foi quem fez um
ofício acusando o Chefe Joe de homossexual. Acrescentou também que poderia ser
um pedófilo. Caramba! Que acusação tremenda! E o pior ele nem sabia disto. O
julgaram e não teve nenhuma chance de defesa. Que base eu perguntei? Ela não
soube responder. Agradeci, disse a ela que ficasse tranquila. Não diria uma
palavra que ela tinha me contado. Voltei a minha cidade e aos meus afazeres
profissionais. Mas não me dava como satisfeito com o desfecho. Tinha de
descobrir a verdade. Que vantagem têm os mentirosos? A de não serem acreditados
quando dizem a verdade. E ali tinha muitas mentiras. Procurei um vizinho do
Chefe Leo que era amigo de infância. Ele me disse que um homem morou por seis
meses com o Chefe Leo. Ele nunca disse quem era. Nunca contou nada. Assim como
chegou desapareceu. Eu sabia que o Chefe Leo era viúvo e não tinha filhos.
Fiquei intrigado.
Como descobrir
quem era este homem? O Chefe Leo nunca me diria. Na vizinhança ninguém sabia.
Mas alguém sabia. Este alguém nada mais nada menos que a empregada que fazia
limpeza na casa do Chefe Leo. Não a procurei na primeira semana. Não foi fácil
descobrir onde ela morava. – Eis sua história: - Um filho do Chefe Leo. Não da
sua esposa falecida, mas de alguém que conheceu no passado. Ele estava sendo
procurado pela polícia por roubo, mas tinha jurado inocência. O Chefe Leo não
sabia o que fazer. Manteve-o escondido por seis meses em sua casa. Não o
deixava sair. Depois a policia descobriu o verdadeiro ladrão do banco. Não era
ele. Como já tinha passagem pela polícia não conseguia emprego. Um belo dia
sumiu. Chefe Leo ficou desesperado. Seus olhos sempre vermelhos. Os amigos
escoteiros não entenderam. Acharam que ele estava apaixonado pelo homem
estranho na sua casa.
A verdade
finalmente veio à tona. Lembrei-me das palavras de Santo Agostinho. – Factum
audivimus, mysteria requiramus. (ouvimos o fato, busquemos o significado
oculto). Pensei comigo e disse para mim mesmo – Vivemos num mundo tão falso,
que a verdade virou sinônimo de mentira. O Chefe Joe aceitou todas as acusações
calado. Nunca em tempo algum reclamou ou tentou-se explicar ou defender-se.
Talvez porque não deram chance a ele. Nunca o procuraram e não deram condições
para sua defesa. Mas será que ele se defenderia? Sei que a maioria dos
escotistas não sabiam de nada. A preocupação sempre é a de que os jovens tem
prioridades. Mas um Comissário que se impôs que se auto delegou dono da verdade
e tomou atitudes não condizentes a lei Escoteira não pode ser aceita de mão
beijada.
Procurei o Chefe Joe.
Eu não iria calar. Contei para ele tudo que sabia. Seus olhos encheram-se de
lágrimas. Lembrei-me do que dizia a Bíblia em um dos dez mandamentos – Não
levantar falso testemunho. Em Salmos 51.6 estava escrito “Eis que desejas que a
verdade esteja no íntimo, faze-me, pois, conhecer a sabedoria no secreto da
minha alma”. Chefe Joe não disse nada. Calado me ouviu calado ficou. Ele sabia
que a desonestidade de alguns causa dor e dura tanto quanto uma ferida física.
Em Provérbios 25:18 “Malho, e espada, e flecha aguda é o homem que levanta
falso testemunho contra o seu próximo.”.
Mas não julguemos,
pois quem julga um dia poderá ser julgado. O escotismo é lindo e simplesmente
maravilhoso. Que os tolos e aqueles que se julgam donos da verdade um dia se
arrependerão. O bom dele, é que tem chefes que se sentem bem, estão sorrindo
sempre e acreditam na sua força para mudar os princípios educacionais e morais
dos jovens. Chefe Leo era um Escoteiro de fato. Aqueles que o tiraram do cargo
e aqueles que decidiram pela saída dele, não tinham o mínimo de espírito
Escoteiro que ele tinha. Mas a história estava feita. Não havia como voltar
atrás. Eu não concordava muito. Fiquei entre publicar a história e dizer a
verdade, verdade quem sabe minha e não a dos outros.
Olhei para o
Chefe Leo e vi em minha frente um grande homem. Talvez um dos maiores
escoteiros que tinha conhecido. Maior que o novo Distrital que era pequeno
diante da sua honradez, maior que o regional que se achava o dono da verdade e
maior que aqueles que o julgaram, pois em tempo algum procuraram saber a
verdade e confiaram na palavra de pessoas que não mereciam confiança. Dei nele
um abraço. Apertado. Fiquei ali dizendo baixinho que o admirava mais que tudo. Disse
a ele mais – Chefe Leo, homem de verdade é difícil de encontrar, o senhor para
mim é um deles. Um dos poucos que conheci. Aceite meus parabéns e me tenha como
seu amigo para sempre!
Voltei em sua
casa diversas vezes. Em tempo algum ele mostrou animosidade, rancor ou hostilidade
com os que o julgaram. Não disse em voltar, achou que seu caminho não tinha
mais volta. Ele sabia que a verdade sempre aparece. Ela emancipa a alma e a
completa. Ele tinha a certeza que a verdade e a luz se expande sempre. Ele não
tinha dúvidas que a oração aproxima o homem e a caridade propicia a vivência
com ela. Chefe Leo, homem humilde, aquele que tem dentro do coração a fé e nos
seus sentimentos acredita que a verdade em tempo algum será esquecida. Lembrei-me
de Mário Quintana que disse – O segredo é não correr atrás das borboletas. É
cuidar do jardim para que elas venham até você. E completando o Chefe Leo –
Perdoar é bom, mas o melhor é esquecer!
--"É necessário abrir os olhos e perceber
que as coisas boas
estão dentro de nós, onde os sentimentos não
precisam de
motivos, nem os desejos de razão. O importante é
aproveitar
o momento e aprender sua duração, pois a vida
está nos olhos
de quem sabe ver".
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