Lendas
escoteiras.
As duas vidas
do Escoteiro Gegê.
- Chefe! Eu quero ser um
Escoteiro! – Olhei para trás e me deparei com um menino de onze ou doze anos,
magérrimo tanto que duvidava como ele pudesse permanecer em pé. – Por quê? Perguntei – Não sei Chefe, vi
vocês aqui e pensei que poderia ser da turma. – Sabe, eu não tenho turma.
Parece que todos correm de mim. – Por acaso você sabe o que ser um escoteiro?
Ele coçou sua cabeça, pensou e me disse – Francamente não sei. – Olhei para ele
de novo – Um menino que parecia não comer a vários dias, mas que estava de
cabelos limpos, penteados e roupa apesar de velha limpa. Seus cabelos eram
loiros e seus olhos não deu para saber. Eram profundos e quase não apareciam.
Disse para ele em poucas palavras o que seria um Escoteiro, falei dos
acampamentos, das jornadas, das atividades noturnas, da patrulha e terminei com
a lei e promessa. Ele ali em pé me ouvindo como se eu fosse um novo Deus para
ele. Sorriu. – Gostei Chefe! Posso começar agora?
Sempre procurei dar atenção aos
meninos e meninas. Nunca deixei ninguém sem uma resposta ou um conselho desde
que me pedissem. – Claro que pode. Como se chama? Gegê. - Só Gegê? Bem minha
mãe disse que vai fazer meu registro assim não sei o resto. – Pensei comigo,
seria filho de alguém inculto que nem registrar o filho o fez? - Gegê meu novo
amigo, poderia pedir sua mãe ou seu pai para vir conversar comigo? Vi seus
olhos se encherem de lágrimas, nem disse adeus e partiu. Fiquei surpreso não
esperava isto. O tempo passou, acho que uns dois meses. Estávamos em marcha de
estrada e aproveitando para aprender o passo duplo. Vi que já tínhamos
percorridos mais de seis quilômetros – Vamos parar! Eu disse. Vinte minutos.
Não esqueçam, pés acima do coração para a circulação voltar! Foi então que vi
Gegê, era ele sem dúvida. Estava a uns oitenta metros e parou também. Estava
nos seguindo.
Não o chamei, fui até ele. Ele
não correu. – Olá Gegê, como vai? Ele não falou nada. Está nos seguindo? – Não
Chefe, eu moro logo ali na Porteira do Aleijado. Eu sabia onde, era um pequeno
povoado de gente humilde e pobre. – Porque Gegê não levou sua mãe? Ele abaixou
a cabeça. – Chefe, não tenho mãe e nem pai, mas Mamãe Tiana me criou e me ama!
E porque ela não foi com você ao grupo? Ela não anda Chefe, ela vive na cadeira
de rodas, ela ganha um salario mínimo e me criou desde que mamãe morreu e papai
sumiu. – ah! Vida. Sempre a nos dar uma lição. – Me mostre sua casa quando
passarmos lá Gegê, na semana tiro um dia e venho visitar você e conversar com
Mamãe Tiana. Ele me olhou de soslaio. - Porque Chefe? Ora porque, vou inscrever
você na Tropa Escoteira, será meu convidado e todos irão ajudar no seu
uniforme! Falei orgulhoso. – Chefe, desculpe não me leve a mal, não quero
esmolas! – Quase cai de costas. – Gegê, não é esmolas, nós Escoteiros sempre
ajudamos uns aos outros, um dia você vai ajudar a alguém e vai saber o quer é
isto.
Gegê virou as costas e se foi. –
Menino difícil pensei. Poderia entender, pois onde foi criado não era fácil
sobreviver. Um mês depois empurrando uma cadeira de rodas e uma senhora idosa
nela, eis que entra Gegê na sede. – Boa tarde senhor. Vim trazer o Gegê para
ser Escoteiro. Ele fala o tempo todo nisto. Disse para ele vir e dizer ao Chefe
que não podia vir. Ele disse que não o Chefe foi categórico. Trazer a mãe ou o
pai ou um responsável. Olhei para Gegê. Melhor não dizer nada. Os levei para a
sala do Grupo Escoteiro. Servi um café e coloquei na mesa alguns biscoitos. Ela
só tomou o café. Gegê nem tocou nos biscoitos. Dona Tiana, posso ajudar a
registrar o Gegê? Ele me olhou com olhos piedosos. – Não posso pagar. – dona
Tiana agora não se cobra mais para quem ganha até um salário. Vou a sua casa e
viremos todos ao cartório. Sem delongas. Um mês depois Gegê tinha seu registro
e sua identidade. Notei sua alegria em saber que agora era um brasileiro.
Durante meses Gegê participou da
Tropa Escoteira querendo aprender tudo que devia aprender em anos. Eram seis
quilômetros para vir e outros tantos para voltar a sua casa, mas ele nunca
desistiu. Um dia chegou para mim e me fez um pedido inusitado. – Chefe soube
que vai haver no cinema Palácio uma apresentação. Um senhor famoso vai tocar
piano e não sei como sempre sonhei com um piano e nunca vi um pessoalmente. –
Gegê, você é meu convidado. Vou buscar você e se sua mãe Tiana quiser ela vai
também. – Gegê riu. – Não Chefe, ela não pode sair de casa a noite. Ela é cega,
não enxerga! – Putz! Cada um carrega sua sina. Quando entrei com Gegê no cinema
ele parecia estar entrando no céu. Sorria, nos olhos lágrimas de alegria. Pediu-me
para leva-lo até ao piano, ele queria conhecer um. Pedi licença e subi no
palco. Ele acariciou o piano a moda dos grandes pianistas. – Posso? Perguntou
para um senhor Velho que estava ao lado. – fique a vontade garoto.
Não sei o que dizer e fiquei
espantado, admirado e atônito. Gegê sentou e começou a tocar. Calmamente os
sons saiam maravilhosamente. Eu conhecia um pouco de música clássica. Era uma
Tocata e Fuga em Ré Menor de Johann Sebastian Bach. Incrível! Fiquei mesmo
pasmado. Um menino criado por uma idosa agora cega, sem nenhuma condição
financeira e nunca viu um piano e agora ali a tocar Bach? Inacreditável! Meus
olhos encheram-se de lágrimas. O Pianista que estava na coxia veio correndo.
Como eu ficou maravilhado. Muitos que chegavam ao cinema paravam para ouvir.
Quando Gegê parou um silencio total depois uma estrondosa salva de palma. Não
vou entrar em detalhes, como o pianista levou Gegê para Paris e claro sua mãe
Tiana. Ele ao partir no aeroporto me deu um forte abraço – Chefe nunca vou
esquecer o senhor e o tempo maravilhoso que passei aqui na Tropa Escoteira.
Diga a todos que eles permanecer no meu coração para sempre.
Gegê se foi. No céu seu avião azul
desapareceu. Tempos depois as noticias começaram a pipocar. Um critico famoso
de um jornal local escreveu – Imagine uma excelente pianista, do tipo de
referência mundial, tocando com as maiores orquestras do planeta, com um grande
humor, um gênio no piano, um talento sem igual e vem tocar em nossa cidade no
cine palácio. Fiquei boquiaberto. À tarde recebi um telefonema. Chefe estou
chegando. Faço questão de todo o Grupo Escoteiro presente. Eles não irão pagar
e ninguém irá pagar. Soube que a cidade inteira quer ouvir. Pedi para que
fizessem um palco na Praça Don Gaspar e olhe, gostaria de participar de uma
reunião escoteira. Posso? – dizer o que? Só sei que foi o maior evento já
acontecido em nossa cidade. Gegê foi até a Porteira do Aleijado onde morou. Deu
a todos uma nova casa, exigiu uma escola e me pediu para dar uma força e
organizar uma tropa lá.
Não sei quantos Gegês
existem neste mundo. Howard Gardner Professor da Universidade Harvard nos
Estados Unidos afiança que são muitos. Nem todos diz ele tem uma existência
absoluta. Mas aquele que as possuem são dotados de inteligências que até hoje
ninguém conseguiu explicar. Gegê se tornou um amigo que sempre voltava a me
visitar e ao Grupo Escoteiro em nossa cidade. Em sua apresentações pelo mundo
nunca deixava de tocar o Rataplã e a Arvore da Montanha. Escotismo é assim,
surpresas aos montes, alegrias gostosas e amor no coração!
Nenhum comentário:
Postar um comentário