A
felicidade não se compra
Gino,
um escoteiro em busca de seus sonhos
Quantas
vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz!
Mario
Quintana
Existem certos contos que me fazem lembrar
de situações ou fatos do passado. Esse é um deles. Quando imaginei a historia e
como seria me lembrei do filme A Felicidade não
se Compra, de Frank Capra. Para muitos uns dos maiores diretores de todos
os tempos. Conta a historia de George, quando um dia sua vida virou de cabeça
para baixo e na ocasião do natal, um anjo que lutava para ter suas asas de
volta, desce a terra para salvá-lo de um suicídio. George sempre fez o bem, mas
seus sonhos desabaram. James Stewart e Donna Reed mostram porque o filme
concorreu a quase todas as indicações ao Oscar da época. Estão soberbos.
Não que a historia de Gino seja a mesma.
Nada disso. Gino não tinha nada de extraordinário e nunca pensou em tirar sua
vida. Com o que tinha se sentia feliz. Gino era escoteiro da patrulha Corvo.
Assim como o anjo que foi fazer a boa ação com George no filme, Gino também
adorava fazer boas ações. Na sua patrulha era amado por todos e bem
considerado. Gino adorava ser escoteiro. Não era fácil. Sua família muito pobre.
O Grupo Escoteiro não cobrava dele a mensalidade e o ajudava muito nas taxas extras
das atividades ao ar livre.
O pai de Gino era carpinteiro. Ganhava o
suficiente para a família. Infelizmente bebia muito. Chegava em casa e ia para
o quarto. Isso entristecia muito a Gino. Nos fogos de conselhos que
participava, não gostava de fazer personagem de bêbado. Lembrava de seu pai.
Não contou para ninguém, mas um dia ele apareceu durante a ortoga de um Liz de
Ouro a um monitor da patrulha Cão. Achou que era Gino quem iria receber. Estava
bêbado, quase caindo e Gino não sabia onde se esconder. Seu pai não deu vexame.
Mas o Chefe da Tropa notou e olhou de maneira embaraçosa para Gino.
Naquele dia Gino se sentia feliz. Haveria
um Acampamento Regional de Patrulhas (ARP). O Chefe da Tropa estava vendo quem
iria. A taxa era alta. Gino sabia que nunca poderia ir. Não podia pagar. Gino,
no entanto ria da alegria dos amigos. Boa parte da patrulha iria participar.
Ele se sentia feliz em ver a felicidade deles. Isso era próprio de Gino. Sempre
pensava nos outros e pouco em si próprio. Só ficava triste porque quando do
evento não havia reuniões de tropa. Uma das paixões dele.
Na semana seguinte, lá estavam eles de
volta, contando as novidades, rindo, mostrando fotos e Gino sentia dentro de
si, uma alegria por ver tantos amigos alegres. Claro, seus olhos brilhavam. Bem
não tanto, aqui e ali uma pequena lagrima por não ter ido. Os membros da patrulha
contavam maravilhas. Jogos, canções, fogo de conselho. Centenas até milhares de
participantes. Gino ouvia calado. Ah! Pensava. Meu dia chegará. Sim claro. Gino
pensava que ele também poderia um dia participar de uma atividade como essa.
Naquele sábado estavam fazendo uma
atividade de base. Eram cinco. Em uma delas treinavam como fazer um tripé com
os olhos vendados. Claro, Gino se destacava nessas atividades. Não levou mais
que dois minutos para dar uma amarra para tripé. Sabia como ninguém. Claudio
era o monitor da patrulha. Desde que Gino entrou para ela, se encarregou de
prepará-lo nas suas provas de etapas de classe. Ele dizia que Gino poderia ser
Liz de Ouro. Tinha todas as qualidades para isso. Claro, era seu sonho. No
entanto ele tinha outro. Um sonho lindo. Participar de uma grande atividade
escoteira nacional.
Ele sabia que uma estava sendo programada.
Seria em janeiro, daí a dois anos. Um Jamboree Nacional. Incrível! Uma apoteose!
O Máximo que ele podia pensar. Milhares de escoteiros e escoteiras. Ele jurou a
si próprio que não iria perder essa. Tinha tempo. Iria realizar seu sonho.
Afinal ele era um escoteiro e tinha esse direito. Falou com seu pai, sua mãe e
eles balançaram a cabeça. Não disseram nada, sabiam de suas condições
financeiras. Gino tinha um plano. Ele ia conseguir. Começou a economizar. Tinha
já em seu pequeno cofre mais de trinta reais. Precisaria pelos seus cálculos de
uns mil reais. Ele não achava impossível conseguir.
Sempre ao sair da escola, procurava um
meio de aumentar suas economias. Passava de casa em casa, se oferecendo para
limpar o quintal, um serviço extra, qualquer coisa. Ele já tinha conseguido
quase cem reais nos dois últimos meses. Ainda tinha um ano pela frente. Sua
luta não parava. A cada dia mais aumentava suas economias. Sonhava acordado
pensando estar chegando na maior atividade escoteira de sua vida. Comentava com
seus amigos de patrulha, que desta vez eles teriam companhia. Sabia que quase
todos iriam. Seus pais tinham condições financeiras e as taxas seriam pagas na
data certa.
Faltava pouco mais de seis meses para o
inicio do Jamboree. Gino já economizara mais de setecentos reais. Já dava para
pagar a taxa, só precisava do saldo para a viagem e alimentação. Nas reuniões
ele alardeava sua alegria com todos. Desta vez ele estaria presente. Nada de
fotos, nada de historias, ele iria viver todo o programa do Jamboree ao vivo e
cores. E dava belas gargalhadas. Soube pelo chefe da tropa que vários
escoteiros de muitos países estariam presentes. Já pensou? Conhecer outros,
uniformes diferentes, quem sabe trocariam distintivos e lenço com ele? Pediu a
sua mãe que fizesse cinco. Tirou de suas economias para comprar o tecido.
Gino olhava seu uniforme. Antigo. Não
estava novo. Muitas lavadas algumas partes desbotando. Não dava para fazer
outro. Ia com ele mesmo. Tinha tudo. Economizara desde que entrou para a tropa.
Seu chapelão tinha as abas retas. Velho mas bem cuidado. Sua faca mateira
sempre limpa e ao colocar na capa, usava talco para conservar. O mesmo com sua
machadinha. Seu cantil sempre era lavado e a capa perfeita. Ganhou do seu
padrinho uma bussola Silva. Tinha um carinho enorme por ela. Ele iria se
apresentar garboso, orgulhoso de ser um Corvo, não o melhor, mas procurava ser
tanto como os demais. É Gino era um escoteiro de corpo e alma.
Na semana seguinte, o chefe iria recolher
a taxa de cada um para fazer a inscrição de todos. Só ficariam sem ir quatro
escoteiros, pois eram férias escolares e eles iriam com seus pais para outras
plagas. Quando acabou a reunião, Gino foi com alguns amigos ate a quadra onde
dois times de basquete estavam disputando um campeonato. Era o esporte
preferido dele. Quase não jogava. Quando podia entrar na quadra ele demonstrava
ser um perfeito conhecedor das regras e de tudo que se fazia ali.
Viu seu pai chegando. Assustou. Outra vez
pensou? Já havia meses que ele não bebia. Tinha prometido parar. Mas não era o
que pensava, não estava bêbado. Seu pai o procurava. Sua mãe estava muito mal
no pronto socorro. O medico tinha dado uma receita enorme. Na farmácia do posto
de saúde não tinha nada. Sabia do sacrifício que ele tinha feito para conseguir
a quantia da viagem. Ele não sabia o que fazer, falou com Gino que não tinha
onde conseguir. Ele era sua única esperança. Tinha de comprar os remédios. O
mundo de Gino caiu sobre ele. Ele amava sua mãe. Não iria negar nunca. Foi com
o pai e deu toda sua economia. Oitocentos reais. Seu sonho acabou. Jamboree,
adeus! Gino não chorou. Sua mãe valia muito mais que um sonho.
Durante cinco dias sua mãe ficou entre a
vida e a morte. Seu pai vendeu uma pequena serra elétrica de madeira, tinha
duas, precisava dela, no entanto o dinheiro acabou. Ele precisava de mais. Vendeu
por nada. Um preço muitas vezes inferior ao valor real. O médico do bairro veio
duas vezes. Uma pequena fortuna ele cobrava. Gino não saiu da cabeceira de sua
mãe. Na quinta feira, ela sorriu. Gino e seu pai sorriram. Ela estava
melhorando, até levantou para fazer o almoço. O sorriso de sua mãe foi um
balsamo para a tristeza dele. Tentava esquecer o Jamboree. Tinha de esquecer.
Agora era esperar eles voltarem e contarem como foi. Fotos, programas, e Gino
ia sorrir como sempre fazia e chorar depois.
No sábado, a reunião foi interrompida para
que o Diretor Técnico explicasse como ia ser a viagem e receber dos que ainda
não tinham pago a taxa. Gino ficou calado quando o chamaram. O chefe insistiu.
Pela primeira vez ele mentiu. Não mentia nunca. Para ele o escoteiro tem uma só
palavra. Ele não tinha duas, sempre fora leal. Agora não. Chorou por dentro
quando mentiu. Disse que tinha uma infecção intestinal, não podia viajar. O
medico proibiu. Não falou mais nada. Sua garganta estava engasgada. Não saía
voz.
Gino foi para casa pensando como a vida
era ingrata. Claro, aceitava. Afinal entre a vida de sua mãe e o Jamboree ele
ficava com sua mãe. Mas estava amargurado. Não ia chorar. Não podia. Não ia
resolver nada. Sonhou tanto com esse Jamboree e o sonho morreu. Pensou consigo
mesmo, afinal ainda tenho uma vida pela frente, haverá outras oportunidades.
Chegou em casa e tentou sorrir para sua mãe e seu pai. Um sorriso amargo.
Tentou fingir, não deu. Foi para seu quarto e chorou. Chorou muito. As lágrimas
não paravam de sair. Sua mãe desconfiou e foi até lá. O abraçou e chorou com
ele.
O dia amanheceu. Um lindo sol no
horizonte. Os pássaros cantavam nas árvores próximas. Uma brisa gostosa
refrescava aquela manhã. Era sábado. Dia em que todos iriam partir para o
Jamboree. Gino ficou na janela. Tentando ver em sua mente, a alegria de todos
na partida. As canções, o ônibus, sorrisos em profusão. Estava taciturno,
calado, mudo. Não chorava mais. Não adiantava. Bola para frente dizia consigo
mesmo. Mas era tapear seu coração que doía de uma maneira terrível. Deus dizia
daí-me força. Vai ser difícil sair dessa fossa.
Gino foi para o quintal. Tinha uma
mangueira frondosa que ele gostava de sentar na sombra e imaginar tudo que um
dia poderia fazer. Ali era onde sonhava. Pensou que logo passaria para os
seniores. Lá tinha certeza que iria fazer tudo de novo. Ele seria maior,
conseguiria um emprego e não ia perder mais nenhuma atividade nacional. Sonhou
que poderia ir em um Jamboree mundial em outro país. Sonhar... Como é bom
sonhar. È barato, de graça, não custa nada e muitas vezes conseguimos nesses
sonhos tudo que gostaríamos de realizar.
Gino dormiu encostado ao tronco da
mangueira. Agora ele sonhava. Viu anjos, viu nuvens brancas, viu um velhinho de
barbas brancas sorrindo para ele e dizendo: - Você vai conseguir. Voce vai
conseguir! Não desanime meu filho. A vida é bela. Sabe meu filho, o fantástico
da vida é saber fazer de um pequeno momento, um instante de um grande momento.
Aprenda que o importante na vida não é o que você tem e sim o que você pode
conseguir. Se a felicidade não entrar pela porta não tem problema. Fica um
pouco com a tristeza e depois mande ela embora. O velhinho sorriu e
desapareceu.
Era um belo sonho, mas Gino acordou
assustado com uma buzina de um ônibus. Levantou esfregou os olhos e viu seu pai
sua mãe e o chefe da tropa com eles. Eles sorriam e diziam, vá se preparar meu
filho, você vai para o Jamboree! Incrível! Espantoso! Ele não estava
acreditando. O chefe da tropa contou que todos se cotizaram. Souberam do seu ato de grandeza. Um escoteiro
assim não ia ficar para trás. Gino deu um salto. Gritou alto. Viva! Ainda tenho
sonhos e eles estão sendo realizados.
Gino correu. Foi ao seu quarto. Vestiu o
uniforme. Olhou-se no espelho. Gostou do que viu. Sorriu para se próprio e
gritou – Jamboree me aguarde, aqui vou eu! E dava belas gargalhadas. É a vida é
assim mesmo. Voltas daqui, voltas dali e as surpresas acontecendo. Algumas
muitas vezes não agradáveis, mas outras estupendas.
Descrever a alegria de Gino na chegada,
ver tantas delegações chegando também. Gritos alegres, canções nunca ouvidas. A
inscrição, os abraços, os comprimentos. Eu? Sou de Mira Flores e você? E assim
ia. Canadá, Estados Unidos, México, Inglaterra, muitos países. Gino nunca soube
quantos. Quando do último dia, os olhos de Gino encheram-se de lagrimas. Desta
vez de alegria. Uma grande cadeia da fraternidade. Cantada em vários idiomas.
O ônibus, a chegada, a mãe e o pai
esperando. Gino gritando – Mãe! Consegui! Fui no Jamboree! Mãe, oh mãe, me
abrace, sou o menino mais feliz do mundo! Seus pais choravam de alegria. É.
Gino conseguiu. Ficou marcado para sempre em sua vida. Não importava agora se
podia ir ou não em outros. Seu sonho foi realizado. Ele pensava e dizia em voz
alta – Eu não fiquei olhando a montanha. Eu a escalei. Vi o outro lado. Gino
sabia. A chave da felicidade é sonhar. A chave do sucesso é fazer dos sonhos a
realidade. O mais importante na vida não é o triunfo, mas a luta para alcançar.
Este é o nosso movimento escoteiro.
Algumas histórias com final feliz. Todos gostam mais dessas. Mas as tristes
existem. E pode estar ao seu lado. Quem sabe existe um Gino em sua tropa? Faça
dele também uma pessoa feliz. Não pense
só em si, no seu sucesso, na sua alegria. Todos gostam de contar o que sentiram,
mas tem aqueles que nunca poderão sentir o que não viram. Antes de programar
uma aventura, pare, veja e olhe. Será que não tem nenhum Gino por aqui?
E quem quiser que conte
outra...
"Afogue
a tristeza nas ondas da alegria;
Enxugue
as lágrimas no manto do sol e faça brilhar um sorriso nos lábios.
A boca que vive a chorar desaprende a
sorrir."
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