Lendas
Escoteiras.
A sombra e a
escuridão.
"Que meus inimigos sejam fortes e bravos para que eu não sinta remorsos ao derrotá-los"
Em minutos o tempo
mudou. Parecia noite, mas não era. O relógio de Donato marcava quatro da tarde.
A trilha fazia volta no morro do Pastor. Os Javalis seguiam em fila, pois a
trilha era estreita. Do lado direito da trilha um gigantesco penhasco. Cair era
morte certa. Não dava para apertar o passo, tinham que seguir calmamente para
não acontecer o pior. Molano olhou para o céu e se assustou. As nuvens cor de
cobre não deixavam dúvidas, é temporal que se descobre. Um trovão ribombou por
toda a encosta da montanha. O coração de todos os patrulheiros batia
aceleradamente. Pelo menos era só um trovão, o pior era o raio mortal que vinha
antes dele. Monte Alto o Monitor dos Javalis era experiente. Não foi a primeira
vez que sua jornada fora agraciada com uma tempestade. Mas aquela era
diferente. O vento começou a soprar forte e a chuva caia torrencialmente
parecendo inundar a pequena trilha que eles caminhavam. Monte Alto não teve
duvidas. Chamou Rolemberg que estava com a corda, e aberta foi dada a primeira
volta para um Fiel Duplo, quem sabe melhor o triplo numa pequena árvore a beira
da estrada. – Todos já sabiam o que fazer se abraçaram uns aos outros próximos
a árvore e a corda foi passada por eles e a pequena árvore varias vezes.
Parecia que o mundo ia
desabar. Difícil falar com tanto raio e trovão que não parava. Javier olhou
para a trilha encharcada. O vendaval não perdoava. Se estivessem soltos não
iriam sobreviver naquela trilha molhada e barrenta. Andar por ela era
escorregar e cair no penhasco que escuro nem o fundo se via. Ele não acreditava
que aquela enorme Onça Pintada pudesse estar ali proximo a eles. Ela com seus
olhos vermelhos não sabia da chuva, dos raios, dos trovões e que a sua esquerda
poderia sumir no penhasco mortal. Javier cutucou Monte Alto, que cutucou
Rolemberg, que cutucou Lorenzo e Donato. Justino não conseguia ver o que eles
apontavam. Estava em outro extremo da corda que os segurava naquele vendaval
imenso e não puderam ver a enorme Onça Pintada. A mão de Deus? Só podia ser. Um
raio enorme caiu à frente da Onça pintada que deu meia volta e subiu correndo à
montanha a procura de um abrigo. Um alívio tomou conta de todos apesar dos
trovões dos raios e da chuva que não parecia terminar nunca. Se tens vento e
depois água, deixe andar que não faz magoa, mas se tens agua e depois vento
põe-te em guarda e toma tento! Todos sabiam e a preocupação aumentou com aquele
vendaval que só veio quando a chuva caia aos borbotões.
A noite chegou e a chuva
não parava. Pelo menos o vento e os trovões sessaram. Desamarraram-se e
partiram, mas andando a passos de tartaruga. Escorregar seria o principio do
fim. Todos estavam amarrados uns aos outros, mas a trilha escorregadia poderia
não poupar ninguém em uma queda. Foi Lorenzo que avistou uma pequena saída à
esquerda e avisou Monte Alto o Monitor. A saída foi à salvação, mas só para
passar a noite, pois a trilha era o único meio deles atingiram a Ravina do Bem
Ti Vi. Em pouco tempo limparam uma área de quatro metros quadrados. O
suficiente para passarem a noite. Justino ofereceu para fazer uma sopa e todos
sabiam que ele era capaz, Monte Alto achou melhor esperar o amanhecer. Como bons
Escoteiros acampadores eles dormiram. A chuva prosseguiu até às três da manhã.
Foi Molano que olhando para o céu viu quando a chuva passou e as estrelas
surgiram no céu. As nuvens de chumbo despareceram.
Monte Alto acordou a
todos antes do amanhecer. Queria colocar o pé na trilha nos primeiros raios do
sol. Estavam todos molhados, mas ninguém reclamava. Afinal eram valentes
mateiros e não ia ser uma “chuvinha” que poderia assustá-los. Monte Alto fez um
Conselho de Patrulha. – Podemos fazer um lanche quente e estamos precisados ou
podemos ir em frente, pois acredito que mais dois quilômetros atingiremos a
Estrada do Negro Monte. De lá menos de duas horas chegaremos a Ravina do Bem Ti
Vi. Gostaria de saber a opinião de cada um. – Todos deram sua opinião, queriam
chegar logo, montar um bom campo, comer uma bela refeição feita por Justino o
Cozinheiro da Patrulha. Todos sabiam que as Patrulhas Corvo, Andorinha e Águia
Dourada se encontrariam lá. Eles não queriam atrasar já que o Chefe Bill tinha
preparado um belo jogo à tarde daquele dia. Já tinham percorrido uns mil e
duzentos metros. A trilha molhada ainda oferecia perigo e continuavam a andar
em passadas lentas.
Foi Molano quem viu a
onça. Estava à direita da trilha, e por um milagre não tinha caído no penhasco.
Preza em galhadas e cipós não podia se mexer. Era como se uma enorme tarrafa a
tivesse segurado. Todos pararam para observar. Ela era enorme, seus olhos
vermelhos encaravam aqueles valentes Escoteiros que se arriscavam na Trilha da
Morte como era conhecida. Por uns instantes ninguém disse nada. Molano tomou a
frente, abriu a corda e fez na ponta um balso pelo seio, na outra ponta em um
pequeno arvoredo fez um volta de fiel duplo. Todos entenderam sua ideia. Eles
sabiam que não podia deixar a Onça Pintada morrer ali. Seria uma morte
terrível. Não seria fácil laçar a Onça com o Balso Pelo Seio. Rolemberg se
ofereceu a descer proximo a ela e com seu bastão tentar enlaçar a Onça. Vários
cabos foram entrelaçados para se fazer uma corda e todos seguraram Rolemberg
por ela. Se a onça caísse ele não cairia. Não foi fácil, uma hora depois
conseguiram. A onça tentou se desvencilhar da corda, mas não conseguiu.
Monte Alto estava
preocupado. Se a Onça ao ser salva resolvesse atacá-los eles não teriam como se
defender. Nenhum patrulheiro do Javali pensou nisto. Só pensavam em salvar a
Onça Pintada. Não foi difícil logo ela atingira a trilha onde estavam. Monte
Alto, Javier, Donato e Justino fizeram uma barreira com seus bastões. O Balso
Pelo Seio não se soltou. A Onça Pintada estava em pé olhando para eles. Não se
sabe se foi por medo ou se foi uma coragem não esperada que Molano se aproximou
da onça, com seu bastão desfez o Balso Pelo Seio em seu corpo. A Onça estava
parada e parada ficou. O nó desfeito a corda puxada e enrolada já se encontrava
nas costas de Javier. Parece mentira, vão dizer que não é verdade, mas a onça
se abaixou com as pernas da frente, fez uma mesura, deu um passo atrás se virou
e partiu. Ninguém disse nada. Um suspiro de alívio? Não. Para eles valentes
Escoteiros acampadores aquilo era rotina. Eles se consideravam profissionais no
campo nas jornadas e nada amedrontava aquela Patrulha.
Partiram com sol alto
para seu destino. Se alguém contou alguma coisa foi porque leu no Livro de Ata
da Patrulha tão bem anotado por Lorenzo o Escriba. Falar sobre a chegada, sobre
o que aconteceu com eles nos quatro dias que confraternizaram com as outras
patrulhas quem sabe não era uma história tão digna na jornada que fizeram para
chegar lá. Sei que todos eles mesmo tendo um enorme orgulho da Patrulha Javali,
nunca em suas vidas esqueceram aquela Onça Pintada na Trilha da morte. Afinal
são histórias, são coisas de Escoteiros!
- “Você pode viver com dignidade, mas não
morrer com ela”.
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