Lendas
Escoteiras.
O
saudoso bastão totem da Patrulha Maçarico.
Uma
vez visitei um grupo para encontrar uma Chefe escoteira. Não estava. Comecei a
escrever um bilhete simples para ela e que voltaria outro sábado para nos encontrar.
Minha visita foi exclusivamente a ela, pois fizemos um curso juntos e queria
matar as saudades. O Chefe do grupo me deixou a vontade na sede enquanto as
sessões estavam em atividade no pátio. Era um sábado um lindo dia. Bom mesmo
para atividades escoteiras. Estava ali, pois era Chefe de tropa e as quatro
patrulhas da tropa que colaborava tinham ido acampar. Não foi o primeiro
acampamento sem chefia. Ouve outros. Estavam bem adestrados e o local oferecia
segurança e eu confiava nos monitores. Claro iria lá à noite e no domingo
também. Ficaria pouco tempo. Só ver se tudo estava bem.
Já ia sair quando ouvi uma voz
meiga, triste dizendo – Oi Chefe! Dá-me um abraço? – Olhei e não vi ninguém.
Quem seria? Esconder ali era difícil. Local pequeno. Achei que tinha me
enganado. Virei para a porta e de novo ouvi a mesma voz – Não vá Chefe, estou
sempre sozinho. Dá-me um abraço! Caramba! Prestei mais atenção e só vi um
bastão com um totem da Patrulha Maçarico. Como? Totem não fala. Não chora e nem
diz que está sozinho. – Sou eu mesmo Chefe, o Maçarico. Sinto muita falta dos
meninos. Hoje ninguém liga para mim. Estou sozinho aqui a muitos e muitos anos.
Se tiver tempo lhe conto minha história. Estava deveras surpreso. Claro, muitos
me chamaram de louco. Diziam que só eu escuto vozes assim. Escondi muita coisa
que vi e ouvi. Não iriam acreditar. Primeiro foi o chapéu de três bicos que
falava, depois veio O totem da Patrulha Pantera. E o Lampião Vermelho? Não
faltou o lenço verde amarelo que também falou comigo.
Fui até lá e peguei o bastão com o
Totem que estava todo empoeirado. O coitado precisava de uma limpeza. Devia
estar ali jogado há muitos anos. Peguei um pano e fiz minha boa ação. Ele sorria
agradecido. – Chefe, tem tempo que não me limpam. Não estava mais aguentando a
poeira. Dei uma melhorada na amarração do totem com o bastão. Ficou firme.
Levantei-o no ar. Ele gostou. Riu de novo. Oh Chefe! Que bom. Saudades dos
velhos tempos! Precisava ficar ali. Precisava entender porque ele estava tão
empoeirado e sozinho num canto. Vi que era só ele, não tinha outros totens. No
mínimo estava com as patrulhas em atividade.
Encostei-o na mesa e ele me olhou
com aqueles olhos tristes (totem não tem olhos podem me dizer, mas aquele
tinha, e olhe lagrimas caíram quando me contou sua história). – Sabe Chefe, foi
há muito tempo. Acredito que tem mais de vinte anos. Foi quando começou o Grupo
Escoteiro. Um Chefe preparou oito meninos como futuros monitores e
submonitores. Havia dezenas de meninos querendo entrar. Formaram quatro
patrulhas. Juninho meu Monitor conversou com todos. Disse que sua sugestão
seria de escolher uma das patrulhas que foram montadas durante o primeiro acampamento
Escoteiro na história. Realizado na ilha de browsea por Baden Powell. Corvo,
Touro, Lobos e Maçaricos. Ele deu a ideia de chamar a Patrulha de Maçarico.
Contou que o Maçarico-pintado é da família “Scolopacidae”. Também são
conhecidos como Baturinha, Maçariquinho, Maçariquinho-pintado e rapazinho (no
Rio Grande do Sul). Contou que ele habita locais com água, tanto na costa como
nas águas interiores. Manguezais, margens de rios e lagos. Vivem sempre em
bandos.
- Continuou o Totem Maçarico – Todos
os patrulheiros ficaram entusiasmados. O
próprio Juninho ficou responsável para me fazer. Sua mãe colaborou. Recortou um
feltro e ali bordou o que ela achava ser um maçarico. Pode olhar, ela me
bordou. Não é uma perfeição, mas se aproxima muito. Juninho o nosso Monitor, ficou
cinco dias escolhendo em vários pés de goiaba qual galho seria escolhido para
ser o meu bastão. Ele sabia como fazer e o fez com perfeição. Quando fui
apresentado à patrulha e eles deram o grito, meu amigo, fui às lágrimas de
alegria. A Patrulha se orgulhou de mim. Sentir as mãos deles me segurando
sempre quando davam o grito, olhar o Monitor me erguer à frente era demais para
mim.
- Eu lembro-me de um acampamento
Distrital de Patrulhas que no terceiro dia os Maçaricos conseguiram a
Bandeirola de Eficiência Geral. Quando o Chefe a colocou um palmo abaixo de
mim, olhei para ela e sorri. Seja bem vinda eu disse. A Bandeirola também
sorriu. Devia ter pensado que agora estaria em boa companhia. Mas não foi o
último. A Patrulha Maçarico era valente. Era forte. Não tinha medo, amigos para
sempre. Como eu amava aquela Patrulha. Duas ou três vezes por semana lá estavam
eles na sede. Seja em reunião de Patrulha, ou mesmo para um trabalho extra eu
me sentia em casa. Ninguém se esquecia de mim. - Estivemos juntos tantos e
tantos acampamentos que até perdi a conta. Juninho nunca se descuidava. Sempre
passando um saboroso óleo que disseram a ele que seria bom para conservar a
madeira. Dava gosto de me ver. Sempre limpo. Sempre impecável.
Lembro e nunca esqueci
quando ele a frente da Patrulha nos levou até a uma elevação bem alta, próximo
a nossa cidade, e ali no escuro, noite alta, antes da lua nascer pediu que
fizéssemos um juramento. Não deixar nunca que os maçaricos esqueçam um dos
outros. Manter a Patrulha a todo custo e que eu sempre ficasse em posição de
destaque. Mas o tempo Chefe, o tempo é cruel. As coisas nem sempre são como nós
queremos. - Juninho foi com sua família para outra cidade. Ricardinho assumiu a
patrulha. Não era mau sujeito não. Mas nada igual ao Juninho. Esquecia muito de
mim. Deixava-me na chuva, à noite na intempérie sem proteção. Eu via que minha
madeira do bastão já não era a mesma. A continuar assim em breve iria
deteriorar e precisaria de um novo. Mas Ricardinho também se foi. Todos se
foram. Os novos não sabiam de nosso juramento. Não ligavam a mínima para mim.
Tornei-me um pária, um Maçarico abandonado. Sempre jogado em um canto e outro.
- Mas o pior mesmo
aconteceu. Eram todos novos. Não os culpo. Agora diziam que tudo estava mudando
e o nome da Patrulha devia ser mudado. Maçarico era coisa do passado.
Escolheram um nome bonito vistoso. Tiger Man. Não sei se era homem tigre. Meu
Deus! Não tinha nada a ver. Agora era moda nomes estrangeiros. Enfim, me
esqueceram. Fiquei ali onde o senhor me encontrou. Tem mais de dez anos que
estou sozinho e abandonado. Ninguém mais quer saber dos nomes tradicionais.
Onde foram parar os Touros? Os Maçaricos? Os Corvos e tantos outros? Não disse
nada. Dizer o que? O Diretor Técnico chegou. Não entendeu o porquê eu olhava
fixo para o totem do Maçarico. Ele não ia entender mesmo. Coloquei o totem no
canto onde o encontrei. Falei baixinho para ele: - Volto sábado que vem. Você
vai ter o destaque que merece. Perguntei ao chefe se ele autorizava-me colocar
o Totem na sala principal, em lugar de destaque, pois afinal era uma das
primeiras patrulhas surgidas quando o escotismo começou. Ele não se fez de
rogado. – As ordens meu amigo. Fique a vontade.
Seu Almeida um marceneiro meu
amigo fez para mim uma armação para o bastão ser colocado na parede. Na sexta
fui buscar. Ele ainda desenhou uma flor de lis na madeira. Mandei fazer um
quadro. Eu mesmo escrevi umas palavras que saíram do coração. Cheguei cedo.
Comecei o trabalho. A armação ficou linda na parede. Convidei todas as
patrulhas para homenagear o Totem do Maçarico. Um Monitor o colocou lá. Eu
mesmo coloquei em cima o quadro. Nele tinha escrito: - Maçarico, Baden Powell
te viu nascer. Aquela Patrulha do passado vive hoje em você. Você merece nosso
aplauso! As patrulhas deram uma palma Escoteira. Não entendiam bem de tudo. Não
podiam entender. Todos voltaram à reunião. Fiquei só com o Totem Maçarico. Ele sorria
encantado. Seus olhos vermelhos com lagrimas caindo. – Obrigado Chefe. Obrigado
mesmo. Você não sabe como me fez feliz. Uma homenagem que nunca esperava
receber. Sabe Chefe, precisamos dar valor ao passado. Ele pode voltar e
novamente encantar a todos. Mas isto só poderá ser possível se tiver alguém
para mostrar que isto faz parte de uma bela tradição.
Fui embora prometendo voltar
pelo menos uma vez por mês. Nunca deixei o Totem Maçarico sem um abraço, sem
uma saudação. Sempre tirava um dia para uma visita. Onde ele está vejo que
sorri sempre. Ele aprendeu com os escoteiros e eu aprendi com BP. A verdadeira
felicidade é fazer a felicidade alguém!
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