terça-feira, 7 de abril de 2015

Um luar do sertão em uma fazenda.



Conversa ao pé do fogo.
Um luar do sertão em uma fazenda.

                Era uma casinha pequena, pintada de branco, cheia de flores em volta. Cercada por centenas de árvores não muito altas. Buriti, Jatobá, Pequi, Pau Terra, Tingui e tantas outras. Terra de cerrado. Ela tinha dois quartos. Eu e Célia em um e os quatro meninos em outro. Uma salinha de nadinha com uma poltrona, uma cômoda com um pequeno rádio a pilha e mais nada. Uma cozinha estreita. Eu mesmo com a ajuda do Mané Vaqueiro e Antonio Tratorista construí um puxadinho atrás. Um fogão de barro, um forno de barro de onde saia gostosuras de bolos, biscoitos deliciosos e assados. Era de piso de terra batida e bancos toscos. Na frente da casa uma diminuta varanda. Uma cadeira de balanço e dois bancos de madeira. Muitos jarros de plantas e centenas de bromélias, rosas brancas e vermelhas e outras que faziam um jardim florido em volta exalando um perfume inesquecível. Célia gostava. Ao lado, uns quarenta passos ela fez uma horta. Tomates, couve, repolho, pés de mandioca, cebolinha, batata doce, alface, pés de mamão, goiaba, taioba (adoro) e muito mais. Nos fundos há uns oitenta metros um chiqueirinho. Sempre com dois ou três capados no ponto. Mais a frente o galinheiro. Como tinha galinhas nossa senhora! Celia colhia tranquilamente uma a duas dúzias de ovos por dia. Franguinho a molho pardo uma vez por semana. Amigos da cidade adoravam quando aparecíamos com cestas enormes de verdura e ovos.

                  Como a gente era feliz. Sem preocupações das grandes cidades. Durante o dia o passear dos avestruzes, das galinhas d’angola, um ou outro veadinho que passava correndo, passarinhada que escureciam o céu fazendo um espetáculo fantástico. Na época certa as cigarras faziam a festa. À noite então! Coisa linda! Quando se aninhavam em frente a minha casa os vagalumes aos milhares eu apagava a luz. (Luz de gerador ligado só à noite). Não precisava, pois eles os vagalumes davam conta. Um espetáculo digno de se ver. No porto da fazenda um belo barco a motor. O Rio das Velhas ficava próximo ao grotão onde uma pequena cachoeira embelezava o rio cheio de esplendor. Na piracema todos ficavam boquiabertos com os pulos dos peixes querendo subir a corredeira. Descendo uns três quilômetros o Rio abraçava o Velho Chico. O Rio São Francisco. Gente, minha mente mexe comigo ao lembrar. – Célia quer comer um peixe? – Marido traga um pequeno, não tem mais lugar na geladeira. Geladeira movida a gás. Sempre cheia, carne de porco de vaca, de frango até de tatu e capivara. Meu cavalo sempre arriado. Sem pestanejar eu saia para pescar e trazia um dourado ou um pintado. Coisa de trinta minutos. Conversa de pescador? O Escoteiro tem uma só palavra!

                  Milhares de cabeça de gado. Quase dez mil. Cria recria e engorda. De manhã correr as curralamas para anotar os novos bezerrinhos que chegavam ao mundo e depois ir vaquejar nas largas e a tarde tratorar um pouco nos piquetes da curralama. Leite a vontade, não era vendido e doado a todos que espichassem uma viagem até um dos currais. Célia adorava. Queijo, requeijão e tantas guloseimas que é melhor nem lembrar. Dormia-se de janela aberta, o som de um veículo era considerado intruso na área. Agua à vontade, até uma pequena piscina nós fizemos para a filharada. Hoje quando meus filhos me visitam e lembram-se dos tempos na fazenda à gente vê nos seus olhos algumas lágrimas de saudade de um tempo que ficou marcado neles. A cidade de Pirapora ficava a menos de vinte quilômetros.

                         Vovó Lavínia era uma grande amiga. Tinha o apelido de Vovó, mas era pouco mais velha que eu. Era uma Akelá de um grupo Escoteiro da Capital. Nunca se esqueceu da gente. Foi fazer uma visita de uma semana. Ficou lá duas. Só foi embora porque o colégio que ela lecionava mandou um telegrama para ela. Risos. Não sabia que ela conversava com a natureza. Vi com estes olhos que a terra há de comer que a vi uma tarde acariciando o pêlo de um pequeno veadinho. Selvagem é arisco que só vendo. Eu a vi várias vezes conversando com os  avestruzes que lá faziam sua morada. E olhe que eles eram também ariscos. Deixar alguém tocá-los? Nem pensar, mas ela tocava. Eu na verdade nunca tinha visto ninguém fazer isto, mas Vovó Lavínia tinha lá seu encantamento. Levei o maior susto quando vi uma cobra enorme que não identifiquei atrás dela. Gritei para ela correr, ela parou olhou para a cobra que se enrolou toda. Vai dar o bote pensei. Impossível, Vovó Lavínia agachou olhando e sorrindo para o réptil e parecia falar ou sussurrar para a cobra. Instantes depois a cobra sumiu no meio do mato e foi embora. Desculpem é verdade.

                 Uma noite sentados na varanda, filharada dormindo ela pôs os dedos na boca e pediu que eu e a Celia fizéssemos silêncio. – Escutem falou baixinho! As estrelas estão cantando no céu! Gente, na fazenda havia o mais belo céu que tinha visto em minha vida. E olhe que estive em milhares de lugares por este mundão de Deus. Lá sem contar eu sabia que tinha bilhões e bilhões de estrelas. Uma via láctea que marcava qualquer um. Fizemos silêncio. Olhávamos para o céu. Ouvimos um som calmo e refrescante como a brisa da madrugada. Se foi o cantar das estrelas não sei, mas o som, as estrelas brilhantes, o vento calmo e ali ou acolá um vagalume tornaram aquela e outras noites parte de minhas lembranças nunca mais esquecidas, parte da minha vida.  


                 Quando ela foi embora sentimos uma tristeza enorme. Um vazio grande. Tentei várias vezes ouvir as estrelas cantarem. Nunca mais. Acho que preciso de mais tempo nesta e em outra vida para poder ouvir o cantar das estrelas. É eu era mesmo feliz e não sabia. Daria tudo para voltar no tempo. Mas o tempo não para. Dele só fica as lembranças, gostosas, incrivelmente belas para que possamos continuar a labuta nesta vida.

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