Conversa ao pé do
fogo.
Um luar do sertão
em uma fazenda.
Era uma casinha pequena, pintada
de branco, cheia de flores em volta. Cercada por centenas de árvores não muito
altas. Buriti, Jatobá, Pequi, Pau Terra, Tingui e tantas outras. Terra de
cerrado. Ela tinha dois quartos. Eu e Célia em um e os quatro meninos em outro.
Uma salinha de nadinha com uma poltrona, uma cômoda com um pequeno rádio a
pilha e mais nada. Uma cozinha estreita. Eu mesmo com a ajuda do Mané Vaqueiro
e Antonio Tratorista construí um puxadinho atrás. Um fogão de barro, um forno
de barro de onde saia gostosuras de bolos, biscoitos deliciosos e assados. Era
de piso de terra batida e bancos toscos. Na frente da casa uma diminuta
varanda. Uma cadeira de balanço e dois bancos de madeira. Muitos jarros de
plantas e centenas de bromélias, rosas brancas e vermelhas e outras que faziam
um jardim florido em volta exalando um perfume inesquecível. Célia gostava. Ao
lado, uns quarenta passos ela fez uma horta. Tomates, couve, repolho, pés de
mandioca, cebolinha, batata doce, alface, pés de mamão, goiaba, taioba (adoro)
e muito mais. Nos fundos há uns oitenta metros um chiqueirinho. Sempre com dois
ou três capados no ponto. Mais a frente o galinheiro. Como tinha galinhas nossa
senhora! Celia colhia tranquilamente uma a duas dúzias de ovos por dia.
Franguinho a molho pardo uma vez por semana. Amigos da cidade adoravam quando aparecíamos
com cestas enormes de verdura e ovos.
Como a gente era feliz. Sem
preocupações das grandes cidades. Durante o dia o passear dos avestruzes, das
galinhas d’angola, um ou outro veadinho que passava correndo, passarinhada que
escureciam o céu fazendo um espetáculo fantástico. Na época certa as cigarras
faziam a festa. À noite então! Coisa linda! Quando se aninhavam em frente a
minha casa os vagalumes aos milhares eu apagava a luz. (Luz de gerador ligado
só à noite). Não precisava, pois eles os vagalumes davam conta. Um espetáculo
digno de se ver. No porto da fazenda um belo barco a motor. O Rio das Velhas
ficava próximo ao grotão onde uma pequena cachoeira embelezava o rio cheio de
esplendor. Na piracema todos ficavam boquiabertos com os pulos dos peixes
querendo subir a corredeira. Descendo uns três quilômetros o Rio abraçava o Velho
Chico. O Rio São Francisco. Gente, minha mente mexe comigo ao lembrar. – Célia
quer comer um peixe? – Marido traga um pequeno, não tem mais lugar na
geladeira. Geladeira movida a gás. Sempre cheia, carne de porco de vaca, de
frango até de tatu e capivara. Meu cavalo sempre arriado. Sem pestanejar eu
saia para pescar e trazia um dourado ou um pintado. Coisa de trinta minutos.
Conversa de pescador? O Escoteiro tem uma só palavra!
Milhares de cabeça de gado.
Quase dez mil. Cria recria e engorda. De manhã correr as curralamas para anotar
os novos bezerrinhos que chegavam ao mundo e depois ir vaquejar nas largas e a
tarde tratorar um pouco nos piquetes da curralama. Leite a vontade, não era
vendido e doado a todos que espichassem uma viagem até um dos currais. Célia
adorava. Queijo, requeijão e tantas guloseimas que é melhor nem lembrar. Dormia-se
de janela aberta, o som de um veículo era considerado intruso na área. Agua à
vontade, até uma pequena piscina nós fizemos para a filharada. Hoje quando meus
filhos me visitam e lembram-se dos tempos na fazenda à gente vê nos seus olhos algumas
lágrimas de saudade de um tempo que ficou marcado neles. A cidade de Pirapora
ficava a menos de vinte quilômetros.
Vovó Lavínia era uma
grande amiga. Tinha o apelido de Vovó, mas era pouco mais velha que eu. Era uma
Akelá de um grupo Escoteiro da Capital. Nunca se esqueceu da gente. Foi fazer
uma visita de uma semana. Ficou lá duas. Só foi embora porque o colégio que ela
lecionava mandou um telegrama para ela. Risos. Não sabia que ela conversava com
a natureza. Vi com estes olhos que a terra há de comer que a vi uma tarde acariciando
o pêlo de um pequeno veadinho. Selvagem é arisco que só vendo. Eu a vi várias
vezes conversando com os avestruzes que
lá faziam sua morada. E olhe que eles eram também ariscos. Deixar alguém
tocá-los? Nem pensar, mas ela tocava. Eu na verdade nunca tinha visto ninguém
fazer isto, mas Vovó Lavínia tinha lá seu encantamento. Levei o maior susto
quando vi uma cobra enorme que não identifiquei atrás dela. Gritei para ela
correr, ela parou olhou para a cobra que se enrolou toda. Vai dar o bote
pensei. Impossível, Vovó Lavínia agachou olhando e sorrindo para o réptil e parecia
falar ou sussurrar para a cobra. Instantes depois a cobra sumiu no meio do mato
e foi embora. Desculpem é verdade.
Uma noite sentados na varanda,
filharada dormindo ela pôs os dedos na boca e pediu que eu e a Celia fizéssemos
silêncio. – Escutem falou baixinho! As estrelas estão cantando no céu! Gente,
na fazenda havia o mais belo céu que tinha visto em minha vida. E olhe que
estive em milhares de lugares por este mundão de Deus. Lá sem contar eu sabia
que tinha bilhões e bilhões de estrelas. Uma via láctea que marcava qualquer
um. Fizemos silêncio. Olhávamos para o céu. Ouvimos um som calmo e refrescante
como a brisa da madrugada. Se foi o cantar das estrelas não sei, mas o som, as estrelas
brilhantes, o vento calmo e ali ou acolá um vagalume tornaram aquela e outras
noites parte de minhas lembranças nunca mais esquecidas, parte da minha vida.
Quando ela foi embora
sentimos uma tristeza enorme. Um vazio grande. Tentei várias vezes ouvir as
estrelas cantarem. Nunca mais. Acho que preciso de mais tempo nesta e em outra
vida para poder ouvir o cantar das estrelas. É eu era mesmo feliz e não sabia.
Daria tudo para voltar no tempo. Mas o tempo não para. Dele só fica as
lembranças, gostosas, incrivelmente belas para que possamos continuar a labuta
nesta vida.
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