domingo, 10 de setembro de 2017

Camélia


Camélia.

                   Olhei para ela e não acreditei no que via. Era ela disto tinha certeza. Mas estava tão diferente, mais velha, magra com manchas no rosto e seu sorriso de tanta magia nem era sombras do passado. Pensei em abordá-la, cumprimentá-la e quem sabe abraçá-la para dizer que era eu, seu monitor. Quem sabe dar a ela um sorriso e dizer àquela palavra que ela amava e gostava de dizer: - Oi! Sou eu! Escoteira Camélia das campinas, não me reconheceu? – Ela nem me olhou passou direto com andar vacilante, como se estivesse perdida errante caminhando por uma trilha que nunca passou. Porque isto? Porque o destino desconhece o que pensamos ser? Pois é, me lembrei de que um dia ela me disse: Mano Monitor, o que for teu desejo, assim será tua vontade. O que for tua vontade, assim serão meus atos. O que forem teus atos, assim será o teu e o meu destino...

                  Quando ela chegou na Patrulha não houve festa, mas todos a receberam com alegria, transformaram uma reunião comum em uma reunião especial. Ninguém tirava os olhos dela, sabia que era admirada e mesmo assim não se tornou pedante nem esnobe era a fina flor colhida em um dia de verão que chegou para nos fazer feliz. Aprendemos a tirar o chapéu em sua homenagem. Aprendemos a cantar “Amigos para Sempre”, pois ela irradiava seu interior de maneira inteligente e menos farsesca, pois era como chegar ao fim de uma jornada, beber água da fonte e sentir o frescor de uma tarde, mormente enluarada. Nunca vi sua mãe seu pai e quer saber? Nem sabia onde morava. Torcia para chegar os sábados, para revê-la, ouvir sua voz suas palavras...

                  Enquanto ela esteve na patrulha não atrasava, todos querendo ser os primeiros a chegar. Ela com seu sorriso maroto nos acampamentos dizia: - Escoteirada, deixa que eu me sirva, deixe-me fazer também. Não sou princesa nem rainha e mesmo sabendo que me querem bem, preciso caminhar para aprender a não cair. Não era um peso morto, mesmo com sua beleza e formosura. Ficávamos tristonhos por ver suas mãos macias em bolhas de sangue ao usar o facão e deixar marcas caludas e enormes. E ela? Sorrindo dizia para nós: Marcas de um trabalho honesto. Disse-me certa vez que queria ser Lis de Ouro e iria fazer tudo para conseguir. Destino incerto e não sabido. Eu sabia que da vida mesmo sonhando nem sempre se consegue o que quer. Ela teve tudo que almejou, mas seu Liz de Ouro ficou perdido em um sonho que não se realizou. Pensei que aquela conquista nunca a faria feliz.

                  Um dia não apareceu. Ficamos surpresos porque não dizer perplexos e eu atônito não sabia o que dizer ou fazer. Parecia que a patrulha tinha perdido seu rumo seu caminho, sua trilha e não sabia mais aonde ir ou chegar. Apoite teu barco monitor, se não vai ficar a deriva no mar traiçoeiro... E eu fiquei. Um mês dois três e ela nunca mais voltou. Aos poucos a patrulha foi voltando ao normal. Mesmo assim as lembranças eram doídas demais. Patrulheiros mercantes a zumbir suas barracas nos montes errantes em acampamentos tristes que o cantar, o som de uma viola não existia mais. E eis que cinco anos depois, já Pioneiro, avante Escoteiro de outras eras a vejo sair de um ambulatório perdido em um bairro tristonho e ela passa por mim sem ao menos dizer olá! Quando me dei conta tomei a decisão de abordá-la, ela sumiu nas curvas da Rua dos Perdidos e não há vi nunca mais...


                  Menina escoteira onde escondeste tua formosura e personalidade? Eu quero morar na sua rua, me diga o número de sua morada, pois você deixou saudades... Mudei de rumo e segui o meu destino. Cada um tem o seu. Camélia era agora uma sombra do passado. Fui para casa tentando arrumar as lembranças para que ficassem somente às boas e as ruins deixei guardadas em um canto da mente. Eu aprendi que quando sentir saudades de alguém que já partiu e nunca mais voltará, não devemos nos revoltar. Apenas recordar os bons momentos que ficou preso no passado e fazer dele uma lembrança gostosa... Apenas para recordar...

Nota de rodapé: - Camélia. Uma flor que chegou em nossa Patrulha tingiu de cores o coração de todos nós e depois partiu para onde nunca soubemos. Um dia a vi na esquina da Rua dos Esquecidos. Passou por mim sem me ver sem me cumprimentar. Não era a menina Camélia, do sorriso franco, dos olhos brilhantes do andar confiante de quem sabia aonde ir e caminhar. Camélia... Onde andarás?

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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