quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Lendas Escoteiras. Aqui se faz aqui se paga.


Lendas Escoteiras.
Aqui se faz aqui se paga.

                Narville ouvia calado. Ele sempre foi assim. Preferia ouvir a discutir, pois achava que seu silêncio lhe daria sempre paz de espírito. Seu pai um simplório carroceiro um dia lhe disse – Narville, a maior parte dos problemas do homem decorre de sua incapacidade de ficar calado. Ele olhava nos olhos do Chefe Wantuil do Grupo Escoteiro Águia de Haia. Um nome que todos sabiam o significado. Mas o Chefe Wantuil com toda sua arrogância não sabia. A princípio Narville achou que ele lhe daria um sorriso e dizer – Bem vindo, precisamos de voluntários, mas não.

               Ele tentou encobrir sua presunção de dono da verdade e só saiu um monte de asneiras. Finalmente completou – Narville, você é um simples vigia das Casas Noêmia, trabalha a noite, acho que nem estudo tem. Como posso aceitá-lo no Grupo Escoteiro? O que você pode trazer de benéfico aos jovens classe média alta que temos aqui? Se observar bem todos os chefes tem curso superior ou então estão terminando. Melhor procurar outro Grupo Escoteiro. Aqui não tenho lugar para você!

                Falar mais o que? Discutir com o Chefe Wantuil? Falar umas poucas e boas para ele? Ele já tinha lido que a maior parte dos problemas do homem decorre de sua incapacidade de ficar calado. Não foi Abraham Lincoln quem disse que melhor permanecer calado e que suspeitem tua insensatez, que falar e eliminar toda a dúvida disso? Narville era realmente na sua aparência um pobre coitado. Vestia mal. Ganhava pouco.

                 Aprendera tanto com seu pai, um simples carroceiro, mas que para ele era um sábio. – Não diga a coisas com pressa Narville, mais vale um silencio certo que uma palavra errada. É mais fácil a gente se arrepender de uma palavra que de um silêncio. Ele sabia disso. Tinha visto agora nas palavras do Chefe Wantuil. Palavra errada, na hora errada pode se transformar em ferida naquele que disse e naquele que ouviu.

                  Desde pequeno que Narville sonhava em ser Escoteiro. Nunca pode entrar. Primeiro porque precisava trabalhar. Seu pai o deixara órfão aos dezesseis anos e antes tinha que ajudar sua mãe nas trouxas de roupa que lavava para algumas famílias da cidade. Depois para completar o dinheiro que precisava para sobreviver ele trabalhava. Sempre fora bom aluno e estudava a noite. Dona Noêmia das Lojas do mesmo nome lhe dera um emprego. Salário pequeno.

                  Passava sempre em frente ao Grupo Escoteiro e sonhava que um dia seria um. Mas onde estava o seu tempo? Não tinha. Sabia que eles iam acampar excursionar, entravam em matas fechadas, atravessavam rios e ele sonhava. Quantas vezes olhava no espelho e se via com aquele uniforme caqui, aquele lenço verde e amarelo e aquele chapelão.  Foi crescendo com seu sonho. Um dia Conseguiu o emprego de vigia noturno. Agora tinha as tardes de sábado, mas seu sonho foi destruído pelo Chefe Wantuil.

                  Não ficou com raiva. Ele era uma alma boa. Não tinha e nunca teve raiva de ninguém. Achava que cada um tinha suas razões. Narville tinha um segredo. Só dele, de sua mãe e dona Noêmia. Ela o vira uma vez estudando após o horário e sentiu que ele precisava de sua ajuda. – Narville, eu vou pagar a faculdade para você. Se um dia se formar vais trabalhar para mim aqui? – Falar o que para dona Noêmia?

                  Um ano, dois cinco anos. Formou-se em direito. Uma luta para passar no exame da ordem, mas conseguiu. Ninguém sabia do seu intento. Sua mãe e dona Noêmia estavam presente na sua colação de grau. Logo foi transferido para o departamento Jurídico. Colocou seu único terno cinza e entrou na sala humildemente. Foi bem recebido. Em trinta dias conquistou amigos. Já era outro homem.

                O nome do Chefe Wantuil surgiu em destaque nos jornais. Foi acusado de roubo na firma que trabalhava. O juiz decretou prisão preventiva sem data para sair. Seu arroubo de arrogância afugentou os dois únicos advogados da cidade. Não tinha ninguém para defendê-lo. Narville achou que era hora de retribuir. Foi à prisão. Viu os olhos de Chefe Wantuil em lagrimas. Quem poderia imaginar aquela cena?

                Narville era bom advogado. Com a ajuda de um amigo detetive logo descobriu quem era o culpado. Chefe Wantuil no julgamento foi declarado inocente. Entretanto seu nome ficou marcado no grupo. Não o queriam mais. Nem deixaram entrar na sede para se explicar. Sempre tem aqueles que aproveitam dos que um dia estiveram no poder e humilharam todos. Não é assim que dizem que quem aqui faz aqui se paga?

              Chefe Wantuil foi esquecido e abandonado. Narville não pode fazer nada. Seu sonho de ser Escoteiro foi adiado, mas dois anos depois organizou um novo grupo. Pequeno, sem grandiosidade. Trabalhar com poucos. Convidou o Chefe Wantuil. Este com lágrimas nos olhos aceitou. Tornaram-se amigos, foi seu padrinho de casamento. Mudou muito. Aquela arrogância ficou no passado. Ele aprendeu que nunca mais iria cair na tentação do discurso banal, da explicação simplória. Agora era outro, sua fala era como se estivesse dizendo – Calma! Agora eu tenho calma para dizer, calma para ouvir! 

nota de rodapé: -     Uma história de ficção. Não acredito que possa haver comparação com outras que contam por aí. Mas precisamos aprender a respeitar, a dar valor à oferta simples sem pretensão de ser o melhor. Em cada Grupo Escoteiro a união à fraternidade e o respeito fazem do grupo o verdadeiro objetivo do Método Escoteiro que é ter uma lei e uma promessa para seguir e respeitar! 
  

                

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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