Lendas
Escoteiras.
A dor de uma
saudade.
Está fazendo hoje 61 anos que
Nico se foi. Todo início de ano, no primeiro de janeiro meu coração teima em
lembrar-se de um passado que gostaria de esquecer. Porque ele? Porque não
alguém que não merecia continuar neste mundo? Tem tantos por aí, mas o Chefe
Tomázio sempre dizia para todos nós: - Os desígnios de Deus só ele sabe o porquê.
Escoteiro menino de quatorze anos em não entendia bem o que ele queria dizer.
Mas hoje sei que cada trilha percorrida tem sua razão de ser. Josiel o Monitor
da Picapau era como eu. Achava que se Deus o levou não pensou bem o que fazia.
Havia um orgulho de só abrir vaga na patrulha quando alguém de nós fosse para
os seniores ou acontece um imprevisto familiar.
Nico era magrinho, um “pipote”
de gente e quando chegou achamos que ele deveria ir para a alcatéia. – Tenho
doze anos! Tentou falar grosso, mas não conseguiu. Eu era o terceiro Escoteiro
investido como escriba e sinaleiro da Patrulha. Só havia uma vaga de bombeiro
lenhador ou aguadeiro. Ele timidamente me perguntou o que deveria ser. –
Bombeiro Nico. Quanto a aguadeiro não se preocupe, no pega prá capa todos nós
somos. A amizade foi surgindo aos poucos. Dormíamos na mesma barraca, fora do escotismo
íamos juntos para o colégio, à noite sempre nos encontrávamos para um papo. Eu era
o terceiro na fila e com a entrada dele passei para o quarto. Conta errada?
Não, o monitor era o primeiro e o sub o segundo. Claro que Totonho o Sub era o
último da fila. – Ele retoca os demais escoteiros na fila disse para Nico.
Poeta o quinto Escoteiro custou
para fazer amizade com Nico. Achava-se superior com seus versos e seus
escritos, mas no fundo era um grande amigo de todos nós. Petardo o cozinheiro
caladão não gostava muito de falar. Moeda o intendente sempre com aquele olhar
de desconfiança. – Olhou bem o facão? Dizia. Tem dois V. Vai e volta. Batuta
sabia conservar a tralha da patrulha com maestria. Na mão dele nada podia
simplesmente desaparecer. Só Joel Construtor de Pioneirías que não aceitou bem
a Nico, mas quando ele se foi chorou como uma criança por uma semana seguida.
Perdi a conta dos acampamentos,
das excursões das viagens de trem que a patrulha ou a Tropa fazia, das escaladas
no Morro do Adeus, e quando sem contar para ninguém fizemos uma jangada de
piteiras que nos deixou a deriva no Rio Corrente próximo a Santa Fé do Sul.
Quando fiz minha jornada de primeira classe insisti para o Chefe Tomázio deixar
que ele fosse comigo. Foi bom demais só nós dois explorando a mata do Roncador,
saltar o Rio Vermelho para alcançar a trilha do Xavante, dar belas gargalhadas
no campo de patrulha e quando ele resolveu fazer um pórtico foi testar o
pórtico veio abaixo. Foi demais.
Quando Munir O Maestro me convidou para
treinar o Clarim pedi que ele arrumasse uma vaga para Nico na Banda. – So
taroleiro, disse. Dois anos juntos, dois anos mantendo uma amizade sem sequer
uma discussão, uma discordância ou mesmo uma desconfiança. No Sete de Setembro
nos preparávamos para o desfile. Recém-investido no Clarim estava todo
orgulhoso com meu uniforme e portando uma luva branca de pano, sorria para
Nico, com seu pequeno tarol todo orgulhoso. Munir tomou a frente, Chefe da Banda
e dos Corneteiros deu a ordem para iniciar o desfile. Um passo dois e notei
Nico caindo aos poucos no chão em plena Praça da Independência. Corri até ele.
Olhava-me choroso dizendo: Vado, eu não quero morrer!
Uma bala perdida. De onde veio?
Quem deu? Ninguém sabia. No Tiro de Guerra o Sargento disse que usavam bala de
festim. Bandoleiros? Alguém querendo matar o prefeito? Nico foi enterrado no
dia seguinte no Cemitério da Santíssima Trindade. Mais de quinhentas pessoas
presente. A Banda se formou em volta do seu tumulo. Munir fez questão de tocar
o Silêncio com os tarois repicando baixinho. Nunca esqueci Nico, chorei por
muitos meses e hoje homem feito ainda choro. Sempre o imagino como Chefe
Escoteiro que era seu sonho quando crescesse. A vida tem disto, nada é
previsível.
45 anos. Lembranças que
machucam. Lembranças de uma patrulha que mora no meu coração. Joel é Bombeiro,
Moeda carpinteiro, Poeta nunca escreveu poesia e trabalha na Radio Novo Mundo. Josiel casou e se mudou da cidade. Petardo
ainda dá suas escoteiradas. Josiel dizem foi para o estrangeiro. Eu sou
Escoteiro do mundo. Um faz tudo que sabe que nunca fez nada tão bem. E como
disse o poeta, o destino une e separa pessoas, mas mesmo ele sendo tão forte é
incapaz de fazer com que esqueçamos pessoas que por algum momento nos fizeram
felizes!
Patrulha Pica Pau. –
“Arranka, uenka, lellenka! Litta tellita Ravá. Pica Pau? Sempre a lutar”! - Joel
construtor de Pioneirías, Moeda o intendente. Poeta escritor e auxiliar de
cozinheiro – Nico o novato – Vado Escoteiro eu – Josiel o Monitor - Petardo o
cozinheiro – Totonho o sub.
Nota - Uma pequena
historia que nunca foi contada. Nada demais. Triste como sempre o final. Sou
danado para terminar alguns contos assim. Mas tem muitos que dá alegria em
saber que tudo deu certo. Fiquem a vontade para ler e se não gostar comente; Ops!
Se gostar também, risos.
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