Lendas
Escoteiras.
Rudá, o cão
sarnento do Vale do Eco.
- Hoje não o tenho visto mais.
Nem mesmo Uiara que acredito lhe deu os momentos mais belos em sua vida. –
Olhei de novo para Montezuma. Não havia como duvidar. Seu porte, seu olhar ainda
era de um índio orgulhoso como todos aqueles que nasceram na nação Xavante. Tinha
orgulho e mantinha seus hábitos, costumes e tradições. Ficamos calados por
instantes. O único som era da cachoeira do macaco, onde sentados observávamos a
secura do rio que outrora fora um gigante de águas caudalosas. Ficamos amigos
há tempos.
Ele me respeitava como Chefe
Escoteiro e eu tinha por ele um orgulho em saber que era um autêntico Xavante
orgulhoso de sua tribo. – Minutos depois ele me olhou piscou seus olhos negros
e disse: - Chefe dos meninos do bem, eu digo e repito se você fala com os
animais eles falaram com você e se reconhecerão uns aos outros. Se não falar
com eles você não os conhecerá e o que você não conhece você temerá. E terminou
dizendo – E aquilo que tememos nós destruímos!
- Eu o vi um dia na Beira do
Lago Salgado, em uma tarde modorrenta com mais dois chefes escoteiros que me
acompanhavam. Não vi Uiara sua companheira. Era um cão feio, sarnento com um
dos olhos furados talvez por uma lança ou por um tiro de espingarda. Queria
saber sua história, queria saber onde dormia onde morava. Montezuma não se fez
de rogado quando o visitei naquele verão cujas chuvas não estavam mais caindo
do céu.
– Pensei em ver lágrimas em
seus olhos, mas um bravo não chora. Prefere a morte a mostrar que um índio
possa ser igual as suas mulheres. – Chefe dos Meninos do bem, Rudá era um cão
do Pagé Kopenak e não era amigo dele. Nunca o alimentou e quando Uiara apareceu
e ele a seguiu Kopenak não se importou. Os viu desaparecendo na curva do Touro
das Águas Mornas. Nunca mais voltou...
Foi no inverno das cinco
luas que ele apareceu. O pelo amarelo cresceu, havia outro porte, outra maneira
de andar e olhar. Suas orelhas ficaram pontiagudas e seu rosnado era feroz e
assustava. O Pagé Kopenak quando o viu tentou se aproximar. Desistiu, pois viu
que os olhos de Rudá agora estavam vermelhos como brasas do sol poente. Uiara
de longe só observava. Rudá ficou em pé no centro da taba do Cacique e latiu.
Um latido forte que parecia um ganido de um cão raivoso e que assustou toda a
tribo.
O dia virou noite, não
havia estrelas no céu. O ribombar dos trovões pipocavam, mas não havia raios
nem chuva. Uiara deitou a sua frente em pose submissa e não latiu. De longe a
tribo assustada olhava aquele cão que quando sarnento ninguém deu nada por ele.
Agora parecia um animal enorme, mais que uma onça pintada daquelas que só
encontramos nas margens do Rio Piquiri longe de Cuiabá bem perto do maior lago
do Pantanal Brasileiro.
- Chefe dos meninos do bem,
ninguém sabia o que dizer ou fazer. Aquele cão sarnento agora tinha o espírito
do Deus dos animais, parecia vivo vindo dos altos Solimões onde habitavam os
Mavutsinim, o primeiro índio criador dos povos do mundo, da serpente, do fogo e
da água. Um clarão fez aparecer junto a Rudá à bela filha de Marangatu, Kerana,
como se seu espirito fosse revivo quando morreu nas águas turvas do Rio Corumbá.
Ela levantou as mãos e pediu silêncio. A tribo ajoelhou assustada com aquela
volta de alguém que já tinha partido para a “Aldeia Divina” e sob as benções do
Pagé.
Todos tinham visto que
seu caminho foi o mesmo de muitos que também se juntaram aos grandes espíritos que
hoje moram nos céus. Kerana de mãos
levantadas começou a cantar uma canção que Montezuma conhecia. - Nesta mata
distante sob a luz do luar, ouço uma canção linda que não pode parar,
pescadores de sonhos são defensores da vida, eles dançam em roda para
comemorar. Os pés descalços há muito tempo vivem aqui. São os Índios valentes,
Tupi Guarani.
- Ela orou ao Deus Anhangá
emocionando toda a tribo que chorava copiosamente. - Ó Grande Espírito, cuja voz ouço nos ventos, cujo sopro anima o mundo,
ouça-me. Sou pequeno e fraco, preciso de sua força e sabedoria. Permita que eu
caminhe na Beleza, e faça que meus olhos contemplem para sempre o vermelho e a
púrpura do sol poente. Faça com que minhas mãos respeitem todas as coisas que o
Senhor criou. Faça meus ouvidos aguçados para que eu ouça a sua voz. Faça-me
sábio para que eu possa entender tudo aquilo que o Senhor ensinou ao seu povo.
Permita que eu apreenda os ensinamentos que o Senhor escondeu em cada folha, em
cada pedra. Busco força, não para ser maior do que meu amigo, mas para lutar
contra meu maior inimigo – eu mesmo. Permita que eu esteja sempre pronto para
ir até o Senhor de mãos limpas e olhar firme. Assim, quando a minha vida
estiver no ocaso, como o sol poente, que meu Espírito possa ir à sua presença,
sem nenhuma vergonha.
Um enorme clarão e Kerana
desapareceu. Rudá e Uiara partiram devagar sem olhar para trás. Foi um dia que
marcou a tribo e que aprendemos a respeitar os animais, pois no fundo eles são
melhores que nós. – Fiquei ali olhando para Montezuma. Pensei em perguntar onde
poderia encontrar Rudá e Uiara. Ele me olhou com aqueles olhos negros profundos
sem nada dizer. Passei quase um ano sem voltar à tribo dos Xavantes e quando
estive lá pela última vez não encontrei mais Montezuma. – Só me disseram que
ele partiu rumo a Grande Aldeia do Universo. Confesso que me deu enorme
tristeza, pois Montezuma era um dos poucos amigos índios que ainda preservava.
No passado tive outros que também se foram com os grandes espíritos em busca
dos seus ancestrais na eternidade.
Naquela noite ao
retornar me lembrei do poema de Tecumseh – Viva sua vida de forma que o medo da
morte nunca possa entrar em seu coração. Nunca incomode ninguém por causa de
suas escolhas. Respeite os outros em seus pontos de vista, e exija que eles
respeitem os seus. Ame sua vida, aperfeiçoe e embeleze todas as coisas em sua
vida. Quando morrer que cantem uma canção fúnebre para atravessar a grande
passagem. Comprimente um estranho quando encontrar. Demonstre respeito a todas
as pessoas, mas não se rebaixe a ninguém. Quando se levantar pela manhã
agradeça pela luz, pela sua vida pela sua força. E Quando chegar sua hora de morrer, não seja como
aqueles cujos corações estão preenchidos de medo da morte. Cante sua canção de
morte, e morra como um herói indo
para casa.
Nota -
Ela orou ao Deus Anhangá
emocionando toda a tribo que chorava copiosamente. – “Ó Grande Espírito, cuja voz ouço nos ventos, cujo sopro anima o mundo,
ouça-me. Sou pequeno e fraco, preciso de sua força e sabedoria. Permita que eu
caminhe na Beleza, e faça que meus olhos contemplem para sempre o vermelho e a
púrpura do sol poente... Histórias... Belas histórias das lendas indígenas do Brasil.
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