domingo, 21 de abril de 2019

Lendas Escoteiras. O céu pode esperar.




Lendas Escoteiras.
O céu pode esperar.

Prólogo: - Tentei segurar sua mão, queria dizer prá ela: - Lara o seu companheirismo e amizade foram os pontos marcantes e dignos de nossa admiração. Muito obrigado por tudo. Recitei para mim mesmo: - “Senhor, uns tem e não podem, outros podem, mas não tem. Nós que temos e podemos agradecemos ao Senhor”. Chorei, copiosamente... Engasgado na minha saudade não tinha mais nada a dizer!  

                              Ela me procurou no final da reunião. Nem bonita nem feia. Nem um belo sorriso tinha. Falava pouco, mas tinha um olhar encantador. Pela maneira de vestir devia ser pessoa simples daquelas que levantam cedo para trabalhar e só vão dormir quando a lua autorizar.  Entrou como se entra em um santuário que merece todo respeito. Não me olhou nos olhos, de cabeça baixa me perguntou: - Quanto? – Não entendi moça... Quanto vocês cobram para entrar? Agora me olhava como se eu fosse um santo ou quem sabe Papai Noel.

                              Expliquei. Não sei se entendeu. - Começo quando? Foi assim que tudo começou. Lara era de uma obediência canina. Sim senhor, sim senhor era assim que me respondia. Perguntei quantos anos e ela me disse que passara dos vinte e cinco, mas não tinha certeza. Era a primeira a chegar e a última a sair. Não se enturmou com nenhum dos chefes. Para sentir até quando ficaria lhe dei o cargo de colaboradora. Não discutiu nem perguntou. Até hoje não sei por que não fiz sua ficha de inscrição. Quem sabe pensei que no dia seguinte e ou nos próximos ela não voltaria mais.

                             Um mês, dois seis meses e ela firme nas suas obrigações. Sabia preencher questionários, fazia atas, montou um arquivo perfeito. Todo fim do mês lá vinha ela com sua mensalidade. Pontual no horário e nos pagamentos. No sétimo mês chorando me disse que não ia mais voltar. Sua hora havia chegado. – Que hora Lara? Não estou entendendo... – Melhor não entender Chefe, como disse o tal de Shakespeare? – “Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia”... Não despediu de ninguém, pois ninguém notou sua participação no Grupo Escoteiro por todo aquele tempo.

                            Um mês que ela se foi. Dois três e comecei a sentir sua falta, ou melhor, saudades... Olhei nos arquivos, não tinha sua inscrição, não sabia onde morava, se trabalhava se era casada ou solteira. De uma coisa eu sei às vezes ela olhava os meninos no pateo com um olhar de amor, de paz, e orgulho em saber que ela era mais um. Um dia pensei em dizer a ela que quanto maior a admiração, maior é o respeito e o amor. Mas ela entenderia? Que falta eu sentia dela. Enorme, brutal, incrivelmente saudosa.

                            Tibúrcio não gostava de ser chamado assim. – Chefe prefiro Tim Tim. Porque não? Procurou-me naquela tarde e displicentemente me perguntou se eu sabia o que aconteceu com Lara. – Olhei para ele espantando, nunca demostrei afeto além da fraternidade e amizade escoteira por ninguém. – Ela faleceu Chefe. Há dois meses. Trabalhava como gari no Bairro Resplendor. Entendi. Longe, nunca passei por lá. Sincronizando minhas palavras perguntei de que? Câncer Chefe. No pâncreas. – E como você sabe? – Chefe eu trabalho no posto de saúde daquele bairro, ela sempre aparecia lá quando sentia fortes dores.

                            Nina a Lobinha Cruzeiro do Sul, Tonico da Pardal e Laerte da Avanhagá esperavam a minha ordem. Já haviam se apresentado: - Chefe! Bandeira pronta! Meus pensamentos estavam longe. Coriolano Diretor Financeiro me cutucou: - Chefe a turma tá esperando há tempos! Acordei das minhas recordações. – Grupo Escoteiro Estrela Cadente, firme! A Bandeira em saudação!

                            Naquele domingo chuvoso fui até o Cemitério da Saudade. Nicanor o coveiro me mostrou onde ela foi enterrada. Não levei flores, levei apenas o sonho de um dia ter conhecido e apertado sua mão. Ajoelhei, antes de rezar fechei os olhos e parecia vê-la ainda triste sem um sorriso a me olhar com satisfação. Baixinho falei... Lara, você se importa se eu te olhar um pouco? Quero me lembrar do seu rosto para os meus sonhos. Ela sorriu. Foi sumindo em uma tênue nevoa branca que atingia aquela parte do campo santo.

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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