Lendas
Escoteiras.
A pura
verdade do Escoteiro Esquisito.
Não estranhem. Seu nome era mesmo Esquisito.
Alto bem magro parecia uma vara de marmelo, daquelas que muitas mães na minha
época tinham atrás da porta. Perguntei a ele seu nome e respondeu – Esquisito!
– Seu nome verdadeiro Escoteiro! Já disse Esquisito Nobrega. Era verdade. Seus
pais o registraram assim. Como o tabelião aceitou não sei. Até que não era
feio, mas seu jeito de andar era demais. Quando colocava uma mochila nas costas
e saia com a patrulha para acampar todos achavam graça do se modo de andar.
Parecia que ia cair, mas acredite era mais forte que muitos da tropa. Olhava
para você com um olhar esquisito. Falava esquisito. Era até um pouco refinado e
muito educado. Um tipo raro que não se encontra facilmente. No primeiro
acampamento foi um susto quando descobriram que ele conversa com os pássaros e
insetos maiores. Ficou o tempo todo com um Periquito verde no ombro direito e
uma Cigarra azul no esquerdo. Porque a cigarra estava ali era uma incógnita.
Não era época e só em setembro saiam de suas tocas para encasalar.
Fez questão de apresentar os dois para
o Chefe Meteoro. Foi uma farra nas patrulhas. Riram a valer com a cara do Chefe
quando Esquisito lhe disse na bandeira: - Chefe este aqui é o Bonifácio (o
periquito) E esta é a Dondinha (a cigarra). Elas podem participar do cerimonial
da bandeira? Vi o Chefe Meteoro ficar vermelho, verde, amarelo e achei que ele
ia explodir. Não sei se ele gostava de Esquisito. Quando assumiu a tropa ele já
estava lá. Esquisito no fundo era gente boa. Um ar de idiota, mas um sabe tudo
em pioneiras. Para dizer a verdade quando ele não vinha ninguém dava falta. Por
quê? Só porque era esquisito? Mas cá prá nós, no campo fazia a diferença.
Ninguém dizia, mas sentiam muita falta dele. Sabíamos que fora da tropa não se
enturmava. Poucos sabiam onde morava. Ninguém conhecia sua mãe e seu pai. Nunca
convidou para um aniversário e nunca foi em aniversário de ninguém.
Mas era um bom camarada na patrulha. Falava
pouco, mas não tinha preguiça. Nunca aceitou nenhum cargo e dizia baixinho que
ajudaria a todos nos seus cargos. Na jornada feita ao Pico do Papagaio não
reclamou. Até eu mesmo fiquei surpreso, pois os novatos sempre reclamavam. Era
uma subida e tanto. Mais de oito quilômetros. Na chegada ao pico era tão
íngreme que se colocava as mãos no chão para não escorregar. Esquisito era
tudo. Bombeiro, lenhador, aguadeiro, um pouco de cozinheiro e intendente. Para
dizer a verdade não me sentia bem vendo os outros da patrulha aproveitar dele.
Um dia perguntei onde ele estudava. Não respondeu me deu as costas e se foi.
Falei com o Monitor e este com o Chefe Meteoro. Deu de ombros, pois também não
sabia. Resolvi um dia segui-lo para ver onde morava. Tentei ao máximo não me
mostrar, mas na curva da Rua Águia ele me esperava escondido atrás de uma
árvore. – Porque me segues? Fiquei sem graça, não sabia o que falar. Pedi
desculpas e voltei.
Na reunião seguinte ele me
procurou. – Intendente, desculpe de sábado passado. Não gosto de mostrar onde
moro. Fica bem na curva da Gaivota, você sabe onde é quase na Pensão do vai
quem quer. Era a Zona do Meretrício da cidade. – Não conheço minha mãe e meu
pai. Nunca os vi depois que cresci. Moro com Dona Inês, dona da Boate Lua nova.
Posso pedir um favor? Balancei a cabeça concordando. – Não conte para ninguém.
Tenho muita vergonha, mas amo Dona Inês foi ela quem me criou. Jurei guardar
segredo e guardei por toda a vida. Sei que não passou para os seniores. Sumiu
da cidade. Chamei Moreno o Monitor para irmos até a casa dele. Moreno se
assustou. Você sabe? Sei. Mas não quero ir sozinho. Dona Inês disse que não
sabia dele. Juntou suas roupas e partiu.
Para dizer a verdade toda à
patrulha sentiu muita falta de Esquisito. Para onde foi? Não tinha estudo nem
profissão, sumiu assim no ar? Devia ter uns treze anos e não mais o que poderia
fazer? O tempo passou eu cresci e esqueci completamente de Esquisito. Anos depois
ajudava na Tropa Escoteira como assistente quando vi aparecer na porta da sede
uma bela limusine preta. Limusine? Aqui na cidade? Ninguém nunca tinha visto
uma. O Motorista todo uniformizado com um boné diferente desceu e abriu a porta
de trás. Dois meninos saíram correndo entrando na sede. Impossível! Eles eram a
cara de Esquisito quando novo. Mas não foi só. Um homem engravatado, de chapéu
coco também desceu. Educadamente esperou uma mulher sair. Deu a ela as mãos cavalheirescamente.
Claro que era um cavalheiro para agir assim. Ela num vestido simples amarelo
com um chapéu também amarelo entraram na sede. Deus do céu! Era o Esquisito! Sem
sombra de dúvida era ele mesmo! Todos boquiabertos. E a mulher? A mesma feição
dele!
De mãos dadas foram até o
Chefe Meteoro. Ele educadamente apertou a mão esquerda do Chefe e me olhou
sorrindo. Olá Intendente, quanto tempo em? Balancei a cabeça. Estava
estupefato. Não acreditava no que meus olhos viam. Ele educadamente como sempre
falou para o Chefe Meteoro: - Estão assustados? Calma cada um de nós tem um
destino. Peguei a estrada há muitos anos e durante meses vivi mendigando nas
casas próximas uma sobra de comida. Fazia limpeza, plantava e ajudava no que me
pediam. Não queria mais voltar aqui. Saudades só dos meus amigos Escoteiros e
Dona Inês. Mesmo sendo uma segunda mãe Dona Inês queira ou não eu não me
envergonhava dela. Quase dois anos na estrada e em um posto de gasolina vi um
homem com a minha feição. Seria meu pai? Não era. Ela se assustou quando me
viu. Era o Conde Francesco Lavorate de passagem pelo Brasil. Era um diplomata
italiano em viagem ao interior.
Conversou comigo por um
bom tempo. Fiquei sabendo que perdeu um filho da minha idade. Convidou-me a
morar com ele e sua esposa a Condensa Andressa Lavorate em um castelo próximo a
Milão na Itália. Conheci sua sobrinha, todos da família tinham a mesma feição
minha. Senti-me em casa. A Condessa Aléssia hoje minha esposa se apaixonou por
mim e eu por ela. Recebi um título de Nobreza e passei a me chamar Esquisito
Lavorate. Hoje administro os bens do
conde que quase não pode caminhar mais. Está com 93 anos. Convidei Aléssia e
meus filhos a vir aqui no Brasil e resolvi voltar a esta cidade. Queira ou não
senti saudades, principalmente de você Intendente. Olhei para ele e para ela,
não sabia o que dizer. Na sede todo mundo parado olhando assustados com o que
viam. Uma condensa e um conde na sede?
Quando ele foi embora,
quando a limusine desapareceu no final da Rua dos Tamoios, pensei comigo como é
difícil imaginar as voltas do mundo. Lembrei-me do que diziam os poetas: - Cuidado com as voltas que o mundo dá. Hoje
você lança as palavras, amanhã sente o efeito delas.
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