Lendas Escoteiras.
O destino de Lomanto Zarilson
Mendes.
Desci da barcaça em Pedra Azul no porto da esperança e o vi na beira do Rio
Amarelo. A principio tive dúvidas, mas depois a certeza era única. Era sim,
tinha agora certeza absoluta. Ali estava o meu amigo Lomanto Zarilson Mendes. O
homem mais procurado do mundo! Mudou muito nestes últimos vinte anos. Mais
curtido e com aquele chapéu de palha e sua barba branca ninguém diria que era
ele. Enchia a caçamba de uma carroça com as famosas areias brancas do Rio
Amarelo. – Ei Lomanto! Gritei. Ele me olhou, pensou e depois viu que era eu –
Chefe Vado! Que prazer! Fui até lá. Abraçamo-nos. Quanto tempo eim amigo? – É
Chefe, faz tempo. – Mas olhe meu amigo Lomanto, não estou entendendo você aqui
neste serviço braçal! – Quer tomar um café comigo? Ele disse. Com a carroça
cheia e um descanso, então posso explicar. Lá fomos nós até a Praça de Pedra
Azul em um barzinho onde ele tinha amigos e fomos muito bem atendidos.
Sentamos em uma mesinha embaixo de um Jacarandá enorme, com uma sombra linda e
agradável. Uma sombra para ninguém botar defeito naquele dia ensolarado com
calor acima dos trinta graus. Olhamos um para o outro. Ele sorria. Um sorriso
de alguém que encontrou a felicidade. Mas ele também não era feliz antes? –
Minha mente voltou em segundos ao passado em Figueira do Rio Mimoso. Cidade
onde nasci e cresci. Lomanto, quem não conheceu Lomanto? A cidade inteira sabia
dos seus passos. Aos quatro anos diziam que tinha lido todos os livros da
biblioteca. Uma mente privilegiada. No maternal as professoras não sabiam o que
fazer com uma inteligência de um adulto doutor. Aos seis o colocaram no Grupo
Escolar na oitava série. Não deu certo. Ele estava acima disto. O doutor
Pilatos emprestou a ele seus livros de medicina. Era comum vê-los discutindo
temas médicos na praça da cidade. O mesmo aconteceu com o Doutor Leimon um
grande advogado e o Engenheiro Lamartine.
Seus pais nos procuraram no Grupo Escoteiro. Ninguém sabia o que fazer, mas
recusar nunca. Os chefes de alcateia quebravam a cuca para moderar seus
conhecimentos assim como quando passou para a tropa com oito anos. Errado? Não
conheciam Lomanto para dizer isto. Se aos nove o vissem em um acampamento
ficariam embasbacados. Lomanto era um mestre em tudo. Suas pioneiras tinham o
acabamento dos melhores marceneiros do mundo. Fogões fechados a vácuo, fornos
de barro, escadas giratórias, amarras impossíveis de fazer assim como costuras
de arremate que ele inventou com cipós. Aos onze insistiu em ir para os
seniores. Com menos de seis meses tudo perdeu a graça para ele. Fez uma grande
pesquisa sobre o escotismo. Estudou tudo que era publicado pela direção
nacional e internacional. Aos quinze foi ao seu primeiro Congresso Nacional.
Deixou todos embasbacados. Todos o procuravam para tirar dúvidas. Sabia de cor
todas as publicações escoteiras no Brasil e no mundo. Sugeriram fazer dele aos
quinze anos o novo Diretor Nacional de Formação de Adultos.
Foi uma discussão e tanto quando deram a ele aos dezesseis anos o certificado
de DCIM. Foi convidado para palestras no mundo inteiro. No Grupo Escoteiro
Manto Sagrado onde eu era o Chefe, passei o cargo para ele. Foi bom, eu viajava
muito. Convidado para cargos políticos recusou todos. Na cidade romarias de
cientistas de todo o mundo era comum. Lomanto nunca cobrou nada de ninguém.
Conseguiu um emprego nos Correios e lá recebia seus minguados salários.
Jornais, revistas, TVs estavam sempre lá em busca de noticias. Lomanto ficou
famoso. A WOSM insistiu para ele ser o seu Diretor Geral. Não aceitou. Fazia
palestras em vários países a convite e com passagens pagas. Todos sabiam que ele
falava e escrevia mais de trinta idiomas. Foi agraciado com medalhas de
diversas organizações escoteiras mundiais. Mas não ficava só nisto.
Laboratórios farmacêuticos, grandes empresas de engenharia, outras de advocacia
os procuravam sempre para pedir sugestões ou tirar dúvidas.
Todos nós que ficamos amigos dele estávamos preocupados. Isto não podia
continuar. Seus cabelos aos dezoito anos estava quase todo branco. Seus olhos
vermelhos pareciam não dormir nas últimas semanas. Um dia um helicóptero desceu
sem nenhum aviso em Figueira do Rio Mimoso. Era a Policia Federal. O levaram
para Brasília. Ministros queriam falar com ele. Os presidentes do Congresso
Nacional o intimaram para uma homenagem. O presidente do Banco Central exigiu
sua presença. Queria opinião se subiam ou baixavam os juros. O Presidente da
República o homenageou no Palácio da Alvorada. O novo Papa mandou um recado
para ele ir a Roma. O pentágono ficou cismado. Nações do mundo inteiro mandavam
espiões. Figueira do Rio Mimoso começou a ficar insuportável. Surgiram centenas
de hotéis pousadas e campings. Restaurantes internacionais, livrarias e até uma
TV se instalou ali. Um dia Lomanto sumiu. Desapareceu no ar! Ninguém conseguiu
achá-lo. A Policia Federal e a Interpol fizeram tudo para encontrá-lo. Seus
pais riam quando perguntavam. - Ele agora resolveu ir morar em um templo
budista no Tibet. Quer ser um monge e descansar.
Aos poucos foram esquecendo-se de Lomanto. A cidade tomou enorme prejuízo com a
estrutura hoteleira que foi construída para os visitantes. Muitas lojas
seguiram o mesmo caminho. Quinze anos depois acharam que ele tinha morrido. –
Pois é Chefe Vado, dizia ele – Achei melhor assim e olhe hoje sou feliz.
Conheci Noêmia, minha companheira com quem tivemos três filhos. Ela coitada nem
ler sabe. Mas eu a amo demais. Não a trocaria por nada neste mundo. Fingi para
ela ser um iletrado. Precisa ver como ela tenta me explicar às noticias que
ouvimos no radio. Mudei de nome. Aqui sou conhecido como Arlindo Landiscap. Ela
nunca poderia saber o que eu era. Não esqueci nada e minha mente é a mesma.
Aprendi a não pensar mais nisto. Aqui comprei esta carroça e faço carretos o
que me dá o sustento que preciso. Levantei e me despedi de Lomanto. O trem da
Central do Brasil que me levaria a Santos Dumont partiria dali à uma hora. Se
não fosse só no outro dia.
Lomanto me pediu que não contasse a ninguém. Segredo de escoteiros. Dei minha
palavra escoteira. Ele me conhecia e sabia que podia acreditar. Fui embora
pensando o que é a vida. As escolhas que fizemos. Cada um sabe onde o sapato
aperta. Lomanto poderia ter tido uma vida de rei. Seria mesmo um vida de rei?
Entender suas escolhas só se estivéssemos em seu lugar. Escolheu ser um
carroceiro, profissão digna, mas humilde. A maior inteligência de todos os
tempos estava ali, apagada em um lar de quatro pessoas. Uma mulher e três
filhos. Um lar de privilegiados. Mas quem disse que eu escolho a minha
felicidade? Nunca. Você, só você sabe o que fazer para ser feliz. Que Lomanto
com seu destino alcance o que quer. Que ele seja feliz para sempre!
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