Nazareno,
o menino Escoteiro que falava com o céu.
(um
conto baseado na doutrina espírita).
Quanto tempo? Muito. Mais de vinte
e poucos anos. Uma vida. Não sei onde ele anda hoje e se ainda continua nos
caminhos que escolheu. Ele não foi um santo ou um pecador nada disto. Poderia
dizer que nasceu em uma família errada, na cidade errada e quem sabe na hora
errada. Nazareno nunca foi um crédulo, um homem de Deus. Na época ele não teve
escolha. Como Escoteiro sempre foi considerado um menino como os outros sem
muitos conhecimentos religiosos afora os que lhe foram ensinados como coroinha
da Paróquia São Geraldo. Seus pais até sonharam que ele poderia ser um padre,
um bispo um cardeal. Sonhos de muitos pais em cidades do interior. Qualquer um
podia ver que ele não nasceu para isto. Eu pessoalmente na época, com parcos
conhecimentos espíritas achava que ele estava em contradição com as leis da
natureza. Claro que tinha excepcional inteligência para sua idade e em alguns casos
poderia dizer mesmo que ou fazia milagres ou tinha parte com o demônio. – Deus
me livre!
Nazareno procurava sempre
esconder suas facilidades em falar com os mortos. Ninguém sabia. Dizem hoje que
a mediunidade faz parte da natureza. Que todos nós sem perceber somos médiuns,
uns mais outros menos. Não vou entrar no mérito da questão. Não estou aqui para
escrever sobre uma crença, uma Doutrina, uma ideologia ou uma filosofia como
querem alguns definir o espiritismo. Quem sabe Nathalia Wigg explicasse melhor:
– “A maior mediunidade que um homem pode desenvolver é a capacidade de amar”.
Quando era lobinho sempre o achei taciturno, reservado e retraído. Brincava,
cantava, mas não parecia estar ali junto com seus amigos de matilha. Quando
passou para Escoteiro o encontrei uma vez depois da reunião chorando. Seus
olhos cheios de lagrimas. Seu corpo tremia. Sempre assim calado, sem dizer
nada. Perguntei o que havia e ele me respondeu melancólico que eu não iria
entender. Ninguém o entendia. Isto aconteceu várias vezes. Nunca comentei o
caso na Corte de Honra.
Cidade pequena, praticamente
católica como ajudá-lo? Quanta vez ao sair da barraca pela manhã, com o sol já
despontando no horizonte, eu o avistava sentado em um lugar qualquer, olhando
para o céu? Um dia me disse – Monitor sabe de uma coisa? Tem alguém me dizendo
que se o amor se propagasse no mundo com mais força que a violência
desaparecerá, a maneira das trevas quando a luz se lhe sobrepõe. Eu tinha treze
anos, não entendia nada do que dizia. O dia amanhecia e lá estava a Patrulha
nos seus afazeres. Nazareno corria com os outros nas atividades, mas quase não
sorria. Só uma vez o vi sorrindo quando alguém brincou no Fogo de Conselho com
os novatos com a velha brincadeira do Serafim. Você conhece o Serafim? Não?
Aquele que fica assim? Ele ria. Não aquela gargalhada de quem conhece a
brincadeira. Eu mesmo ate hoje dou boas risadas.
Acredito que tudo piorou quando
na missa do domingo, a tropa estava presente e ele sem ninguém perceber foi ate
onde estava o padre e em uma voz que não era a sua disse: – “Somos companheiros
otimistas no campo da fraternidade”. Se Jesus espera no homem, com que direito
deveríamos desesperar? Aguardemos o futuro triunfante, no caminho da luz. A
terra é uma embarcação cósmica de vastas proporções e não podemos olvidar que o
Senhor permanece vigilante no leme! – Todos os presentes na igreja ficaram
estupefatos. Ninguém entendeu nada. Pudera entender o que? Um menino Escoteiro
com chapéu na ombreira, olhando para o céu e de mãos postas dizer aquelas
palavras? Era santo? Ou estava tomado pelo demônio que fingia para todos ali
presentes? O padre ficou possesso.
Na escola sua professora Dona
Neide, uma matrona dos seus quarenta anos sem filhos, magra, parecendo a Olivia
Palito esposa do Popeye o pegou varias vezes de olhos fechados, escrevendo sem
parar no seu único caderno que era para fazer a lição de casa. Levado a Diretor
este não entendia o que estava escrito. Eram vários rabiscos que precisariam
ordenar para entender. E depois? Como explicar aquelas palavras? – Não foi uma
só vez. Foram várias. Ninguém para explicar e ajudar. As brigas homéricas do
padre versus professora versos pais versos chefes eram constantes. Cada um
querendo que o outro resolvesse. Ao fazer quatorze anos já com sua Segunda
Classe, Nazareno desistiu de sua Primeira Classe. Pela primeira vez pensou em
abandonar o Grupo Escoteiro. Ele sabia que era o único lugar que ninguém perguntava
e se preocupava com sua maneira de ser. O aceitavam como era. Mas eu, como
Monitor de sua Patrulha ficava de olhos nele. Tinha medo que ele fechasse os
olhos e desaparece em alguma mata ou bosque e pudesse acontecer o pior. Mal
sabia eu que ele era assistido por milhares de espíritos protetores que iriam
sempre lhe mostrar o caminho do bem.
Um dia sua mãe procurou o
grupo e disse para o Chefe umas verdades. Este me chamou e ela sem papas na
língua disse em alto e bom som que nós não nos preocupávamos. Que o deixávamos
fazer suas ilusões mentirosas e até mesmo falar com Deus. Alguém soprou no
ouvido dela e do padre que era mediunidade. A resposta dela já pronta dizia que
não era mediunidade coisa nenhuma, era coisa do demônio ou dos escoteiros que o
levavam a acreditar em tudo. Mal sabíamos nós que o fenômeno mediúnico já estava
fazendo parte dele. Mesmo sendo uma criança a partir do momento que se deixa
dominar a influência espiritual está presente. Ainda bem que ele tinha amigos
que o protegiam na espiritualidade. Sabemos que quando isto acontece pode um
espírito qualquer aproveitar a circunstância e querendo fazer coisas erradas, e
claro por satisfação do obsessor que nada mais é alguém de um passado seu.
Nunca vi em Nazareno ações destemperadas. Se fosse hoje poderia dizer que ele
estava tendo comunicações mediúnicas na acepção da palavra. Mesmo que todos
queriam interromper esse fenômeno não iriam conseguir. E tudo seria tão simples
com a oração, a pacificação, o desligamento do mal e seria fácil fazê-lo
desligar daquela ação.
O pior aconteceu. A família de
Nazareno começou a ser estigmatizada. Todos passaram a evitá-los. Um dia ele me
procurou chorando – Monitor tenho de sair. Meus pais vão mudar daqui. Nem sei
qual cidade vamos e eles me pediram e até ajoelharam em meus pés para
procurasse ser normal lá. Não entendi, pois me acho normal. Nunca disse para
você, mas vejo tanta gente quando ando, quando durmo, e ate aqui no grupo eles
estão. Não fazem mal a ninguém, pois me disseram que onde houver um ambiente
saudável, cristão, onde Deus está presente eles não faram nenhum mal. Sabe
Monitor, aqui encontrei uma paz que não encontrava na escola e nem em minha
casa. A Lei Escoteira e minha promessa nunca serão esquecidas.
Eles partiram duas semanas
depois. O tempo passou. Esqueci-me por completo de Nazareno. Há vinte anos sem
perceber alguém me chamou quando descia a pé a Avenida Angélica. Olhei para trás
e reconheci Nazareno. Vestia simples, uma camisa verde desbotada e uma calça
jeans velha. Calçava um sandália de couro. Convidou-me para um café. Contou-me
sua vida depois da mudança. Seus pais morreram logo. Disseram que foi de
desgosto. Eu vim para São Paulo aqui me casei e aqui criei meus filhos. São
três. Um deles é formado em engenharia. Os demais seguiram outro rumo, mas são
pessoas honestas. Eu e Linda minha mulher descobrimos um Centro Espírita
próximo a minha casa lá no Bairro Santa Amélia. Gostei quando me aproximei
deles. Gente simples. Não são um órgão centralizador. Apenas alguns princípios
básicos que sustentam a Doutrina. Participo ativamente quando não estou
trabalhando. Sou pedreiro e isto me dá o suficiente para minha família. Há
algum tempo estou escrevendo. Ou melhor, psicografando. Ainda não tenho nenhum
livro. A maioria do que escrevo são mensagens para pais saudosos, e graças a
Deus eu tenho ajuda de amigos espirituais que fiz nesta jornada desde que estou
lá.
Fiquei ali com Nazareno por horas.
Para dizer a verdade ele tinha uma voz que me encantava. Falava pausadamente
sem ostentação. Seus olhos brilhavam quando contava sua nova vida. Insistiu
para que um dia fosse a sua casa. Sua esposa já sabia de mim, pois ele sempre
contou sobre seus tempos de escotismo. Hoje não participa. Ainda se sente um
Escoteiro. Mas suas horas de folga, seu tempo livre é dedicado a ajudar os que
procuram no centro. Sabe Monitor, eu sou muito feliz em poder ajudar no
tratamento, orientação dos problemas materiais e espirituais dos que procuram minha
ajuda no Centro Espírita. – Monitor, ele disse, eu gosto de recepcionar os que
nos procuram. Eu sei que o primeiro contato é a primeira impressão que
cativarei para ajudá-lo em tudo que for possível.
Não fui a casa dele. Talvez pela falta
de tempo. Devia ter ido. Afinal sou um Kardecista de mão cheia. Não nos
encontramos mais. Ainda tenho seu telefone. Todos os dias penso e ligar e não
ligo. Quem sabe já escreveu um livro? Sinceramente? Gostaria de ler. Vou
terminar por aqui. Desculpem os que ainda não professam a Doutrina Espírita.
Não escrevi um conto com a intenção de catequizar ninguém. Respeitar a escolha
individual faz parte da minha maneira de ser. Escrevi mais por recordar alguém
que um dia me deu a luz para o espiritismo que conheço hoje. Como diz o nosso
querido Chico Xavier: - “Acreditamos que o Criador nos fez
rico a todos, sem exceção, porque a riqueza autêntica, a nosso ver, procede do trabalho e todos nós de uma
forma ou de outra, podemos trabalhar e servir”.
Obs. Muitos dos escritos aqui foram anotados por Chico Xavier em suas
centenas de livros.
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