quinta-feira, 2 de julho de 2015

O Mistério do Corvo da pena dourada.


Lendas escoteiras.
O Mistério do Corvo da pena dourada.

                   O fogo estava alto, as chamas invadiam entre as árvores da floresta além da clareira que estávamos acampados. Dava para ouvir o trinado intermitente das corredeiras do Rio do Sal que estava bem na curva da Trilha do Besouro; onde pela manhã pegamos belos lambaris que refastelou boa parte da Patrulha do Corvo. O Chefe Lontra sorria junto a todos na patrulha e parecendo tirar suas palavras dentro do seu chapéu de três bicos nos fazia viver suas histórias que tão bem contava. Um Velho Escoteiro aventureiro. Este era o terceiro acampamento de chefes que eu participava. Taxa pequena, local maravilhoso. Os anteriores tiveram nomes e este foi batizado de Kalapalo. Todos nós admirávamos o Chefe Lontra, um contador de histórias famoso. Diziam que era o Chefe que não ri, discreto um olhar profundo e até às vezes achamos que ele estava em outro mundo que não o nosso. Joguei minha manta na grama enxovalhada, olhei para o céu estrelado e logo uma estrela cadente passou voando no céu. Fiz um pedido. Só meu e ninguém nunca vai saber. 

                - Esta aconteceu quando eu morava em Monte Azul. – Ele começou. Uma cidade pequena muito além das fronteiras do Mato Grosso com a Bolívia. Levava uma vida simples e sorria com a meninada solta na rua soltando seus papagaios para enfeitar o céu. Era ainda nos tempos da diligência onde os meninos falavam sim senhor, abaixavam a cabeça para alguém mais Velho. Eu menino gostava de uma bolinha de gude e tremia ao ver passar Dona Marly nossa professora do primário. Lembro que a melhor roupa era para usar na missa do domingo. Uma bela surpresa aconteceu. Um calafrio percorreu a meninada presente. – Senhores e senhoras paroquianos, disse o Padre Toscano, vamos ter agora em nossa cidade um Grupo de Escoteiros. Inscrições abertas no Clube Remanso. Acordei meu pai às três da manhã. Papai, vamos! Onde disse ele – Fazer minha inscrição. Uma fila enorme. Chefe Noel sorrindo cumprimentava a todos. Inscrição feita eu tinha de aguardar chamada.

                  Não fui escolhido entre os oito meninos de ouro do Chefe Noel. Três meses depois um Escoteiro uniformizado bateu em nossa porta: - Senhor Waldívian, seu filho foi selecionado. Dei um pulo de alegria. No sábado perdi a fome querendo chegar logo na sede. Lá fui eu às duas da tarde puxando meu pai pela Rua Das Mercês. Meu primeiro dia patrulha Corvo. Que orgulho. Sete patrulheiros. Leones o Monitor calmo e ponderado. Gostei demais. Primeiro acampamento em Águas Cantantes. Todos sabiam de cor e salteado a vida de um corvo. Eu não. – Na semana vá à biblioteca, aprenda e chegue aqui no sábado para contar o que aprendeu disse o nosso monitor. Seis meses depois já me considerava um veterano. Apesar de não ser a melhor o Corvo não devia nada a ninguém. Bons acampadores, bons de atividade de campo e uma irmandade sem igual. No acampamento no Morro do Cantagalo tinha uma linda cascata, era maravilhoso tomar banho de manhã e a tarde. No segundo dia um campeonato de pesca. Pesquei quase nada, mas me diverti muito.

                  No ultimo dia, fizemos uma excursão de seis quilômetros. Em busca da Mina do Fantasma. Assustados partimos. As instruções eram claras. Eu tomava conta de uma bússola e de uma carta prego. Abrir às nove e meia da manhã. Todos confiavam em mim que não ia ler. Abrimos a carta. Seguir rumo NNE e depois de quinhentos metros virar para WSE até encontrarmos uma seringueira que devia estar florida. Sem erros. Nossa patrulha era boa nisto. Para chegar ao destino final havia uma passagem em um barranco com um enorme despenhadeiro. Tentamos ficar longe dele. Descansamos e lanchamos por uma hora. Agora seria um novo rumo. SSE. Pediram-me a bussola. Procurei em meus bolsos, no bornal e na mochila nada. Deu vontade de chorar. Todos calados me olhando. E agora? O Lavio Monitor me mandou pensar onde poderia estar. Nada. Resolvemos voltar pela mesma trilha. Não sei como uma parte do barranco que caminhávamos cedeu. Toda a patrulha foi arrastada para o fundo do despenhadeiro.

                     No fundo da ravina caímos em vários arbustos cheios de espinhos. Uma dor horrível. Eu gritava de dor e meus companheiros também. Ficamos em pé. Difícil de mexer. Todos sentindo dores enormes. Tínhamos de sair dos espinheiros. Para onde ir? Até o Leones Monitor não sabia o que fazer. Ouvimos ao longe um grasnado de um Corvo. “Croc, Croc, Croc.” O avistei a uns cem metros em uma árvore. Ele voou em cima de nossas cabeças. Sempre indo a uma direção. Deu-me uma ideia de seguir o corvo. Falei para o Leones. Ele riu, a patrulha riu. Com dificuldade fomos em frente o corvo sempre a mostrar o caminho. Começou a escurecer. Perdemos a noção de tudo. Mesmo no escuro o corvo grasnava e o seguíamos só pelo som. Resolvemos parar e pernoitar. E o Chefe Noel? Sua preocupação da nossa chegada o que estaria fazendo. A noite foi difícil aguentar. Um frio de doer. Uma bruma cinza tomou conta do vale onde estávamos. Alguém tem fósforos? Perguntou o Monitor. Lembrei que papai colocou um isqueiro na mochila. Fizemos um fogo, aliviou o frio, nos revezamos na noite escura. Dois sempre de guarda. O dia amanheceu o corvo estava lá.

                     Como num passe de mágica o corvo pousou em meu ombro. Ninguém viu. Vi que ele tinha uma pena dourada e todas as outras pretas. Ele me fixava como se me conhecesse. Leones chamou a todo para cantar os Cavalos a trotar. Esquentamos um pouco. O corvo voava em nossa volta mostrando onde devíamos ir. Duas horas depois avistamos o acampamento. Eu agradeci a Deus e quase chorando todos nós nos abraçamos. Não houve acesso de gritos do Chefe a não ser a gozação das demais patrulhas. O corvo ficou conosco até a partida e sempre grasnando. Na partida no ônibus vi pela janela ele nos acompanhado, bicava o vidro querendo quem sabe dizer adeus até sumir de vez. Cansado por uma noite mal dormida desmaiei de sono e só acordei quando chegávamos à sede. Disse para o Chefe e o Monitor que iria pagar a bussola. Eles não aceitaram. – São coisas que acontecem disseram, mas que sirva de lição.

                No sábado seguinte a Tropa formada para o Cerimonial de Bandeira. Ao final do hasteamento fui convidado para dirigir a oração. Fiquei no meio da Ferradura. Quando ia começar senti no ombro o pousar do Corvo da pena dourada. Levantou voo e sumiu entre casas da vila. Voltou em seguida voando em círculos tendo a bussola perdida no bico grosso que possuía. Quando peguei a bussola uma pena dourada caiu de seu corpo. Ele mesmo pousou no chão, pegou a pena com o bico e colocou no meu chapéu, voando em seguida grasnando rumo sul. Sumiu no céu azul daquela linda tarde de primavera. Um silêncio sepulcral. Ninguém dizia nada. Até o Chefe estava extático e deslumbrado com o fato. Ele sabia da história do Corvo. Não acreditou em nós quando contamos. Tirei meu chapéu. Coloquei a pena dourada do meu querido corvo entre a correias. Não ficou ali para sempre. Só colocava o troféu do meu amigo corvo nas atividades e solenidades que participávamos.


              A pena dourada fez história. Tornou-se um mito. Está lá em letras de forma a história no livro de Ata da Patrulha. Contam até hoje sua saga em todas as Patrulhas e no Grupo Escoteiro. – Olhei para o Chefe Lávio. Todos olhavam para ele com um ar de incredulidade. Ele se levantou e foi até sua barraca voltando em seguida. No topo do seu chapéu de três bicos lá estava a pena dourada. Linda, nunca tinha visto igual. Ah! Histórias são historias. Algumas marcam outras lembramos de tempos em tempos. E como diz um Velho Chefe Escoteiro: Histórias são feitas para sonhar...

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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