Vale
a pena ler de novo.
E
o céu foi testemunha.
Um sábado gostoso, o frio
arrefeceu um pouco e o sol voltou a brilhar. Meus dias de sábados eram um só,
ou excursionar, ou acampar, ou uma atividade aventureira qualquer ou uma
modorrenta reunião de sede. Porque modorrenta? Ora, a gente era menino e menino
queria aventuras. Queria colocar o pé na estrada e descobrir novos caminhos e
novas trilhas. Ver a barraca armada, fazer sua “caminha” em um canto dela;
correr em volta procurando bambus e construir ali o que sua casa possuía eram
questão de honra. Mas hoje não. Hoje era dia de reunião. Passei na casa de João
Grilo, ele já estava na porta a me esperar. Nada como um sempre alerta, um
aperto de mão e com os braços nos ombros um do outro descemos a Rua Dr. Quinhão
até a sede. Era perto, e pela travessa do Tolentino vi a Nenê e a Lucy de mãos
dadas também seguindo rumo à sede. Perguntava-me sempre porque todos iam
garbosos com seus uniformes com um sorriso nos lábios. Coisa do oitavo artigo
ou coisa de gostar demais do que fazíamos?
Eu amava aquela Tropa, aquele
grupo, sentia-me feliz com meu Chefe Tambor. Tambor? Quem colocou nele este
apelido? Será pelo tom de voz? Não tinha nada parecido, mas o nosso Chefe era
demais. Em todas as horas em todos os momentos era um amigo, um irmão mais
Velho. Ele sempre aprontava uma quando chegávamos à sede. Uma vez o procuramos
e nada. Esperamos cinco dez minutos e nada. Ele sempre foi pontual. Fazia
questão. Dizia para nós que a pontualidade era uma questão de honra. Eis que
ele surgiu segurando uma roldana descendo a toda por uma corda do alto da
Magnólia. Chefe Tambor, sempre aprontando uma. Fomos para os cantos de
patrulha. Nenê e Lucy eram da patrulha Garça. Só de meninas, eu e o João Grilo
da Onça Parda. Pintassilgo da Touro chegou perguntando se viram ou tiveram
notícia do Chefe Tambor. Nada. Ele foi de patrulha em patrulha tentando alguma
notícia. A hora do cerimonial chegou. Nada do Chefe Tambor. Naldo Orelhudo
chamou os monitores. Naldo era o mais antigo e ele sabia que se um dia o Chefe
não aparecesse ele devia assumir com todos os demais monitores.
O chifre do Kudu tocou alto.
Naldo era bom nisto. Treinou meses. Corremos a formar. Chefe Isabel perguntou
pelo Chefe Tambor. Explicamos. Ela assumiu o cerimonial. Bandeiras subiram aos
céus. Bolota o gordinho da Pica Pau fez uma bela oração. Naldo chamou os
monitores para a inspeção. – E o jogo? Perguntamos. – Ideias, quero ideias e
sugestões ele disse. Várias. Jogos de corridas sempre. Ninguem gostava de jogos
parados. A patrulha Múmia? Todos sorriram. Cem metros correndo todos amarrados
entre si, fazendo uma tocha humana era bom demais. Tombos e mais tombos,
sorrisos e mais sorrisos. Sentados em baixo da Magnólia com aquela sombra
enorme pensamos o que seria depois. Começamos a cantar “Adeus montes e Vales
Queridos”. Paramos uma figura e tanto apareceu na porta do pátio. Parecia
enorme. Uma barba branca que ia até o pescoço. Um chapéu Escoteiro diferente,
mais para grená do que marrom. Bem uniformizado e sua calça curta impecável.
Usava jarreteiras e o chapéu continha um penacho azul. Segurava uma forquilha
linda.
Entrou no círculo, sorriu e ninguém
deixou de admirar o seu lindo sorriso. Fez uma saudação nos trinques. Não disse
o nome, só perguntou: - Posso me assentar com vocês? Todos disseram sim. Como
se fosse um índio experiente assentou com as pernas cruzadas. – Posso lhes
contar uma historia? Ele disse. Todos disseram sim. Naldo educadamente
perguntou: Qual o seu nome Chefe? – Ele riu. Meu nome? Podem me chamar de São
Patrício. Ninguem entendeu. Era um religioso? - Calma continuou moro muito
longe daqui. Visito tropas Escoteiras escolhidas, aquelas que sinto o cheiro da
felicidade, aquela que vejo nos olhos a sede de aventura, aquela que acredita
que nossa lei vale mais que a própria honra e daria a vida por ela. – Ninguem
dizia nada. Um silêncio enorme. Chefe São Patrício nos olhou e chamou um por um
pelo nome. Disse que estava orgulhoso em nos conhecer. – Em seguida ficou de pé
e começou a contar sua historia:
- Meus
amigos escoteiros quando um problema se mostrar difícil, lembrem-se dessa
historia que estou a contar. Havia dois náufragos no mar revolto. Um se debateu
lutou continuamente contra as ondas ate esgotar sua energia e afundou. O outro,
ao invés de dar braçadas contra o mar, apenas boiou, não gastou energias e pode
assim, se salvar! Uma emoção sublime tomava a todos. O silencio era total. O
tempo era ali uma eternidade maravilhosa. Incrível mesmo descrever a emoção que
todos estavam tomados. Ela continuou: Quando invadirem em vocês os impulsos da
altivez, do orgulho e superioridade, pare e olhe para o mar, a terra e as
estrelas que existem há bilhões de anos e entendam – Suas importâncias, seus
brilhos, suas superioridades aqui são diminutos se comparados com tudo o que
vêem. São poeira perante as estrelas e um piscar de olhos. Mas se ao contrário
se sentirem pequenos demais, percebam que a vocês foi dado algo que as estrelas
não têm. Elas são inanimadas e executam rumos fixos predeterminados pelo Senhor
do Universo. Vocês, porém tem vida, podem rir cantar e amar...
-
Finalizou dizendo: - Vocês não podem mudar certas circunstâncias ou situações,
mas podem adaptar-se a elas sempre, escolhendo a forma do mal menor. Pode não
ser o ideal, mas será o melhor. Aproveitem as oportunidades que lhes derem,
mesmos que sejam aparentemente pequenas. As grandes árvores vêm de pequeninas
sementes. Quem está disposto a subir grandes montanhas de felicidade deve estar
preparado também para descer enormes ladeiras de decepções. No entanto, a
chance de chegar ao topo e sentir algo que o acompanhará para o resto da vida
pode valer o risco.
Ele se calou. Vimos
nos seus olhos um brilho estranho. Não sabíamos se ele chorava ou se ria. Pediu
licença e foi apertar a mão de cada um dos escoteiros ali presente. Disse um
adeus, deu um até logo e completou: Sempre estarei no coração de cada um de
vocês. Se quiserem falar comigo é só chamar e partiu. A Tropa não sabia o que
fazer. Estava estática e assim ficou. Alguns minutos se passaram em silêncio
profundo. Um som nosso conhecido ouvimos entrando na sede. O Chefe Tambor
chegava pedindo desculpas pelo atraso. Entreolhamo-nos. Seria mais uma dele?
Ele nada disse e nós não perguntamos. A reunião terminou no horário. Eu e Joao
Grilo íamos calados pela Rua do Sacramento. Eu parei e olhei para ele? – Seria
São Patrício o Chefe Tambor? Ele mexeu com a cabeça como a dizer não. – E mais
alto e tem os cabelos e barbas grisalhos. Agora era esperar o próximo
acampamento. Despedi de João Grilo e fui para minha casa jantar...
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