Lendas
escoteiras.
E a vida
continua...
- Você a conheceu? Olhei para
Liz, fechei os olhos e voltei no tempo. – Foi minha melhor amiga. Sempre me
lembrarei dela e de seu sorriso quando naquele sábado chegou à sede escoteira,
com sua mãe quase obrigando, pois ela chorava sem parar. – Não quero! Não
quero! – Ela usava um vestidinho comprido rosa, cabelos presos em um rabo de
cavalo e pensei comigo: - Outra chorona? Apresentaram-me despretensiosamente.
Esta é Ruth, vai ser Lobinha, será da sua matilha. – Olhei para ela, tinha
parado de chorar. Olhava-me espantada e sem perceber me deu a mão e um sorriso.
Sorri também. Ali nasceu uma grande e bela amizade. – Liz perguntou novamente:
- E você ainda se lembra de tudo que aconteceu? – Não respondi de imediato. Lembrar
me doía muito. Foi um golpe do destino. Olhei para Liz e meus pensamentos foram
viajar no passado.
- Ruth confiava em mim.
Na matilha sempre ao meu lado. Nos jogos nos acantonamentos aonde ia ela ia
também. Tinha dúvidas se a Akelá via com bons olhos. Pelo menos nunca me disse
nada. Ruth cresceu. Eu também. Muitos interpretavam mal aquela amizade. Eu amava
Ruth como uma grande amiga e irmã. Nunca a vi como uma namorada. Fiz a passagem
para a Tropa primeiro que ela. Como chorou. – Gritava e dizia: - Não vá! Não
sei viver sem você! Se for não serei mais Lobinha. Após o Grito da Patrulha
Onça Parda quando me receberam voltei para ela. Tentei consolá-la e não
adiantou. O tempo faz esquecer, o tempo muitas vezes é cruel. Um ano depois ela
chegou até a mim sorrindo. – Vou fazer a trilha, breve estaremos juntos outra
vez. Sorri, tinha aprendido a ficar longe, mas sentia uma falta enorme da minha
amiga Ruth.
Muitos me criticaram
pela proteção que dei a ela na Patrulha Lobo. Não era a minha. Tentei falar com
o Chefe, mas ele não me deu ouvidos. Hoje acho que foi até bom. Ruth cresceu
internamente e externamente. Ficou uma moça bonita e chamava atenção dos demais.
Eu sentia ciúmes, mas não de um namorado. Para mim sempre foi e sempre seria
uma irmã, uma amiga que morava no meu coração. Brincamos, acampamos, éramos
amigos escoteiros na sede e fora dela. Ia com ela ao cinema ao Shopping, fomos
passear de trem e como era linda quando sorria olhando pela janela voando como
se tivesse asas. Fui para os Seniores e não sei como ele deu um jeitinho e
antes de fazer quinze fez sua Rota Sênior – Olhei para Liz. As lagrimas
derramavam em meu rosto. Era cruel lembrar-se de tudo que aconteceu e que do
destino ninguém consegue fugir.
Assustei quando ela me
procurou depois da reunião. – Meu irmão - ela disse, vou-me embora. – Embora?
Para onde? Sua família vai mudar? – Os olhos vermelhos se encheram de lágrimas.
– Conheci alguém. Apaixonei-me perdidamente. Os pais dele não aceitam minha mãe
acha que sou muito nova. Você sabe que sou bastante madura com meus quinze
anos. Considero-me madura o suficiente para dar o passo que vou tomar. Encontrei
um grande amor e não vou deixá-lo para trás. – Não perguntei quem era. Não era
meu modo de agir. Pensei que ia me dizer. Não disse. – Me abraçou me deu um
beijo na face, segurou minha mão esquerda com a dela, apertou e disse: - Adeus!
Partiu naquela tarde de setembro sem dar adeus aos que dela gostavam.
- Olhe Liz, foi
demais. Parecia que o amor abandonado era eu. Nunca disse que a amava para mim
eu era seu melhor amigo um irmão que ela nunca teve. Um ano depois fiquei
sabendo quem foi que conquistou seu coração. Rodney Sacramento. – Impossível
pensei. Ele tinha vinte três anos e ela quinze. Sua mãe foi quem me contou. Saiu
com a roupa do corpo. Só me disse que ia embora e nunca mais iria voltar.
Quando lhe perguntei ela disse: - Mãe eu amo Rodney, ninguém acredita, pode
dizer que ele é mais velho e eu nem conheço a vida que vou viver. Mas como
mandar no meu coração? Eu o amo demais. E partiu. – Olhei para a mãe dela chorando
e suas lágrimas não paravam de cair. O Sênior que era não mais existia. Sei que
nunca mais a esqueci.
- Foi na semana
passada Liz que soube que ela tinha voltado. Pense bem, nunca deixei de ser
Escoteiro, você sabe que é a mulher da minha vida. Nossos filhos são tudo que
um homem como eu pode desejar. Mas você soube da história, nunca me perguntou e
eu achei que não deveria contar. Eu a procurei sim, vi que ela precisava de
ajuda. Sua mãe a internou no Sanatório Santa Maria. Quando a vi estava acabada.
Magérrima, os olhos escamoteados, o rosto cortado e cheio de rugas. Poxa Liz!
Eu sabia que ela não tinha nem vinte e três anos. Quem a maltratou deste jeito?
O médico me disse que ela estava tuberculosa. Era tarde demais para a cura.
Deixou-me vê-la em seu quarto que repartia com mais seis outras mulheres.
Estava com os olhos fechados. Tentou sorrir, não era mais o sorriso de outrora.
Só falou baixinho – Eu sei que é você!
- Eu não disse nada e
ela também. Não era hora de recriminações e dizer que tudo foi um erro que não
devia ter acontecido. Mas quem era eu para recriminar? Você sabe Liz eu sempre
te amei e tentei esquecer e nem sei se consegui. Você me deu tudo que eu tenho
e sou reconhecido por isto. Hoje soube que ela morreu. Não deixou testamento.
Não contou a ninguém sua história. Fui à sua campa. Não havia ninguém.
Tornou-se uma desconhecida, sem amigos, sem pais sem ninguém. Eu não poderia
abandoná-la nestas horas. Sentei na grama de sua sepultura e chorei. Precisava
chorar. Rezei sim, pedi ao Pai que desse a ela a alegria de novo, daquela
Lobinha que conheci e que sorriu para mim pela primeira vez na matilha cinza.
Tempos que se foram destino traçado, ruídos da noite que marcaram uma vida.
As coisas tem que
passar, os dias têm que mudar, novos ventos irão chegar. A vida continua isto
não há como mudar. Todos sonham em ser feliz, uns sim outros não. Alcançar a
felicidade é fugir das dificuldades que encontramos sempre em nossa frente.
Como disse o poeta: - E assim a vida continua, ganhando, perdendo, sorrindo e
chorando... Procuramos desculpas no passado para alimentar melhoras futuras e
nos esquecemos de que o momento de se viver é agora, no presente, com todas as
emoções e situações possíveis... Viva!
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