quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Quando a vida imita a arte.


Lendas Escoteiras.
Quando a vida imita a arte.

                              Boa noite Jonny Boy! – Boa noite papai! Ele sorria e fechava os olhinhos mesmo não estando com sono. Ele gostava quando seu pai lhe dava bom dia e boa noite. Um dia ele lhe contou sobre seu nome – Filho, sua mãe trabalhou em casa de gente rica e várias vezes assistiu um seriado na TV onde havia um jovem chamado Jonny Boy. Ele sempre pedia ao pai para lhe contar de novo esta história. Quem sabe quando seu pai narrava ele podia lembrar-se de sua mãe. Difícil ele tinha três anos quando ela se foi. Não conseguia lembrar. – Quando seu pai falava sobre ela seus olhos brilhavam. – Jonny Boy, sua mãe era linda, todos queriam casar com ela, mas eu fui o escolhido. Sei que Deus escolheu para ela ir primeiro que eu, e não podemos nunca discutir os desígnios de Deus. Um dia viu chegar uns jagunços na tapera que moravam nas margens do Rio Feliz. Não sabia o motivo, mas todos armados de espingardas obrigaram seu pai e ele a subir em um caminhão. Ele adorou a viagem, mas viu nos olhos de seu pai lágrimas que ele não entendia por que.

                              Na viagem seu pai disse a ele que o Coronel Saldanha não queria ninguém nas suas terras. Chegaram a São Paulo a noitinha. Não tinham onde dormir. Arrancharam-se embaixo de um viaduto. Ele agora com seus seis anos aprendeu com seu pai a sorrir sempre. – Filho o sorriso encanta, trás paz, trás felicidade. Não existe dificuldade para quem sabe sorrir! – Ele adorava seu pai. Tudo que ensinava aprendia. Seu pai tinha só um braço. Perdeu o direito quando manuseava uma máquina de moer cana. Não conseguia emprego. Se virava pelas ruas fazendo biscates. Limpando a praça, um jardim, lavando um carro e assim iam vivendo. Montaram uma cabaninha embaixo do Viaduto do Glicério. Quando ficou pronta Jonny Boy sorriu. Agora tinham uma casa para morar. Quando chovia o teto do viaduto deixava cair água suja e muitas vezes eles acordaram com barro no corpo todo. Mesmo assim eram felizes, seu pai o ensinou que quanto mais difícil mais a vida tem valor. – Bom dia Jonny Boy! Era sempre assim. Ele abria os olhos ainda com sono e sorria – Bom dia papai!

                               Naquele sábado perguntou ao seu pai se podia ficar. – Seu pai olhou para ele sorrindo – Claro Jonny Boy. Confio em você principalmente agora que vai fazer sete anos, meu filho você já é um homem feito. Que Deus o tenha! – Jonny Boy amava seu pai. Ele sabia que aos sábados ele gostava de ver os meninos de azuis no pátio do Colégio Sant Clement a brincar de lobinhos. Subia em uma aroeira enorme e lá do alto via tudo. Batia palmas, adorava vê-los gritarem lobo, correrem, cantarem e fazerem tantas coisas que um dia ele pensou se não podia ser um deles – Jonny Boy, agora não dá – disse seu pai. Lá só para quem estuda no Colégio. – Pai! E eu não posso estudar? – Seu pai pela primeira vez ficou triste. Não conseguiu responder principalmente naquele dia que só conseguiu um pão que uma moça lhe deu quando olhava pelo vidro as guloseimas da padaria. Metade dele e a outra metade de Jonny Boy. Seria seu almoço do dia. Sabia que ele não iria reclamar. Nunca reclamou. Quando a fome apertava ele sorria. Fazia parte dos ensinamentos que ele lhe deu.

                              Quando desceu da árvore sentiu alguém lhe chamando. Viu uma menina dos lobinhos fazendo sinais para ele. Pensou bem antes de aproximar. Sabia que sempre lhe batiam quando chegava perto de meninos e meninas ricas. – Venha! Quero lhe dar um abraço, ela disse! Ele correu para o viaduto. Sabia que se vissem ela o abraçando apanharia na certa. No outro sábado ela ficou no pé da árvore, deixou encostado uma sacola que ele descobriu ser muitas guloseimas, frutas, bolos e uma nota de vinte reais. Sorriu para ela quando passou no carro com seu motorista. Aos poucos eles foram ficando amigos. Contava para seu pai que lhe dizia para tomar cuidado. – Você sabe Jonny Boy, os ricos ainda não aprenderam a sorrir!

                                Ela se chamava Carmela. Carmela Sarita Gomes. Família rica e tradicional. Perguntou seu nome e quando disse Jonny Boy ela riu. Ele riu com ela. Contou como sua mãe tinha escolhido. Sem perceber recebeu um tapa na nuca. Caiu ao chão e quebrou um dente. Uma dor incrível. Olhou e viu que era o motorista de Carmela. – Pivete! Se ver você de novo junto dela vai acordar no rio Tietê! – Ela gritou com ele – Não adiantou. Pegou na sua mão e a levou para o carro. Ele pensou se isto era bom, afinal ser rico e não poder ver a lua e a chuva caindo no rosto será que valia a pena? Quantas coisas lindas seu pai lhe ensinou a amar. No sábado seguinte ele estava ao pé da árvore. Sabia que iria apanhar se fosse lá. Ele estava com fome e ele sempre lhe dava alguma coisa para comer. Gostava dos escoteiros, eles eram bons e fraternos, mas seus pais e motoristas não. Voltou para sua casa embaixo do viaduto e naquela noite seu pai não apareceu.

                              Isto nunca aconteceu. Queria chorar, mas seu pai sempre dizia para sorrir principalmente nas horas mais difíceis. Custou para dormir. Durante cinco dias ele procurou por toda cidade o seu pai. Não encontrou. Na Praça da Sé viu Carmela saindo da igreja. Sorriu. Ela o viu. Sorriu também. Sua Alcatéia fora fazer uma visita na Catedral. Ela correu em sua direção. Ele correu também. Um chute nas costas o jogou ao chão. Caiu desmaiado. Carmela gritava chamado o motorista de assassino. Ele de cara fechada a pegou pela mão e a levou arrastando até o carro. Ele ficou ali estirado por horas. Ouviu alguém dizer que estava morto. Ouviu vozes, diziam que era só um menino drogado. Tentou assaltar uma menininha linda, disseram. Outros diziam que era um pivete que vivia assaltando ali na praça. Começou a chover, ele sentiu a chuva em seu corpo. Tentou sorrir, estava difícil. A dor era muita. Dormiu!

                        Acordou com o sol a pino. Era lindo o sol. Ele amava quando seu pai o chamava para ver o nascer e o por do sol do alto do viaduto. Era bonito demais. Sentiu o corpo leve, não doía mais. – Jonny Boy! Bom dia! Jonny Boy olhou e viu seu pai. Ao lado uma senhora linda. – Jonny é sua mãe! Jonny sentiu a garganta seca. Queria rir não conseguiu. Queria chorar de alegria e não conseguia. Seu pai o abraçou. Sua mãe também. Você agora está em casa meu filho. Sabe o que vou lhe contar? Aqui tem lindas alcateias de lobinhos, você vai adorar! Jonny Boy estava encantado. Era bom demais. Subiu em nuvens brancas até o infinito. Papai! Aqui é o céu? - É sim meu filho, aqui seu sorriso vale o dobro da terra. Tudo é lindo, Deus está conosco e Jesus sempre aparece para dizer Boa noite!

                          Papai! Aqui tem pão com manteiga? – Tem sim filho. – Tem café com leite? – Tem sim filho. – Tem bife gostoso? Tem sim filho. Aqui tem muito mais. Ele viu uma meninada de azul correndo em sua direção – Bem vindo Jonny Boy, agora você vai ser um Lobinho da matilha Amarela do céu!


Apenas uma historia. Será mesmo uma historia? Quantos Jonny Boy estão por aí? – A rua, concreta, discreta nos mostra a frieza da sociedade e a tristeza de um povo esquecido...

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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