Crônica de
uma ficção anunciada.
Purgatório...
O Escoteiro... O SUS.
O escoteiro.
Onze horas da noite. Na
porta estava escrito: - Sala três observação - Um quarto de quase 110 metros
quadrados. Cinco camas, quatro cadeiras com movimento e atendimento de
urgência. A dor percorria o corpo. Uma simpática enfermeira me aplicou
medicamentos. Foi o início da minha saga em um hospital do SUS. Ao meu lado,
Paulão, motorista de taxi com uma enorme erisipela. Conversamos. Sou escoteiro
eu disse. Gostaria de ter sido repetiu. Duas senhoras idosas estavam prostradas
parecendo não estar neste mundo. Um senhor gemendo e chorando. Um sentou no
chão querendo tapar os olhos para não morrer. Meia noite, o quarto encheu.
Gente gemendo, gritando, pedindo socorro.
Purgatório.
Há apenas uma estrada
que não passa pela cidade. A meia noite uma diligência para em frente a um
enorme portão de bronze. Um homem mal encarado espera. Descem quatro
passageiros. Você e você! Acompanhem-me. Ele abre o portão. Ao longe dá para
ver um despenhadeiro pegando fogo. Você e você direto para Purgatório. São as
ordens. O outro homem gritou que não queria ficar. – Aqui é o Portão do
Inferno! A diligência parte vazia e não leva ninguém. A cidade fervilha.
Marginais, bandidos, mocinhos, famílias olhando espantadas. No dia seguinte
cheguei na Diligencia. Mandaram todos descer. Três seguiram o mal encarado até
o fogo do inferno. Sem ninguém mandar fui claudicando para Purgatório.
O SUS.
UPA, referencia para
tratamento de saúde. Osasco tem um. Bonito bela aparência. Na periferia ninguém
mais acredita nos postos de saúde. Uma injeção uma inalação e vá para casa. Os
doentes chegam aos montes. Lá pelo menos tem melhor tratamento. Pelo menos há
esperança. O hospital faz a triagem na UPA. Dia e noite, centenas de pessoas
entrando, gemendo, gritando em cadeira de rodas, carregado por parentes esperam
sua vez. O que é o SUS? Todos sabem. Enquanto políticos roubam do povo, a saúde
fica em quinto lugar. Pelo menos tem a UPA e foi lá que fui parar.
O escoteiro.
Duas semanas de dor, o
peito arde, a voz desaparece. Andar é um sacrifício. Encho-me de medicamentos.
Não resolve. As noites eram mal dormidas, dores, vontade de deixar de ser
escoteiro e praguejar. Aos dias andava dentro de casa. Um verdadeiro espectro
ambulante. Nada é simples na dor. Você esquece as normas e o que você é. Ainda
bem que sabe rezar. E reza, e reza, e reza. Mas as dores não param. Você chora
você não sabe o que fazer. Célia incansável. Dia e noite me ajudando. – Marido,
vamos para a UPA! – Vamos sim. E lá fomos nós. Um médico Anjo apareceu na minha
vida. Raios-X e tomografia computadorizada. – Seu Escoteiro, o senhor é
diabético tem uma pneumonia, pressão alta e tem água no pulmão.
Purgatório.
Meia noite. A
diligencia chega gritos de “não quero ir para o inferno”. O homem mal encarado
não sorri, com um bastão vai empurrando os escolhidos. Estou em uma espécie de enfermaria.
Ainda recebo medicamentos. A enfermaria enche. Loucos gritam. Um não para de
falar palavrão. Uma senhora pede socorro. Seus filhos a deixaram ao léu. Lá fora
um inferno acontecia. Tiros no ar. Alguém gritou: Você me matou desgraçado! Na
taberna uma canção embalava minhas dores. Tiros gritos pedidos de socorro. Dois
enfermeiros fortes entram. Trazem mais cinco que gritam por socorro. Depois
retiram dois. – Para onde vão? – Não é da sua conta!
O SUS.
Fico pensando os
presidentes os deputados, os senadores, os donos de empreiteiras ali comigo
naquela sala de 110 metros quadrados. Porque Sírio Libanês? Quem sabe se
sofrerem o que os pobres sofrem não irão pensar melhor do que roubar? Sei que
eles vão pagar por isto. Mesmo sabendo a revolta chega. Eles têm dinheiro. Ficam
em um quarto enorme tem mesa, tem telefone, tem enfermeira de plantão.
Diariamente um assessor vem avisar como está o paciente. Maldito que eu sou.
Daria tudo para ouvir que o politico desgraçado morreu. Quem sabe foi para Purgatório?
Acho que vou dar risadas.
O escoteiro.
Fizeram o dreno. Andava
para um lado e outro. Ainda sentindo a dor no peito e no resto do corpo. – É a
pneumonia, disseram. E toma medicamentos. Meus braços ficaram roxos. Não achavam
mais veia. Ensinaram-me que onde o dreno fora depositado era meu cachorrinho.
Devia levá-lo para onde eu for. O buraco no peito onde entrava a mangueira
parecia o Espinho do Bode que existe nas matas do Tenente. O pior era o ar condicionado.
17 ou 18 graus. De doer. O cirurgião passava por volta das oito da noite. Gente
fina educado. Sempre animando, mas ainda tem água e tem pneumonia. Porque não
colocar aquela água no meu cantil francês?
Purgatório.
Lá era sempre noite.
Não havia sol. Dava para ver o fogaréu queimar com vontade. Duas três quatro
cinco oito noites. Meia noite e chegava à diligência. Sempre dois ou três sendo
levados pelo mal encarado. Berravam. Diziam ser cristão. Ele não tinha piedade.
A festa na cidade avançava pela madrugada. Sempre um dizendo: - Porque me
matou? Tiros, berros canções de ninar por uma bela bailarina que não vi. O
xerife sempre parado em frente sua prisão. Parecia de cera. Vez ou outra
apostavam corridas a cavalo. Sempre cinco ou mais morrendo. Purgatório era
assim. Sua vez escoteiro. Hora de sair. Fui mancando e respirando mal.
Deixaram-me no portão de Bronze. Era minha hora? A diligencia chegou. Desceram
seis. Quatro para o homem mal encarado. Fiquei sozinho parado a beira da
estrada. O portão se fechou. Graças a Deus! O cocheiro gritou: Suba que não
estou por sua conta escoteiro! Para onde vou? Ele deu uma gargalhada demoníaca
e os cavalos negros relinchando partiram a galope voando para o céu azul.
O Escoteiro.
Já
estou em casa. Uma experiência que valeu. Só se aprende fazendo. Tentar
explicar não adianta. Não estou novo. Falta de ar e dores que irão passar. Meus
familiares me ajudam. O tempo passa e eu sei que tudo isto irá passar também.
Sempre tem a hora de recomeçar. Chico dizia que com a lamentação é possível
deprimir os que mais nos ajudam. Acredito. Espero não voltar novamente a
Purgatório, mas se acontecer eu estarei preparado.
Chefe
Osvaldo
Deixa passar o vento, Sem lhe perguntar nada. Seu
sentido é apenas ser o vento que passa… Consegui que nesta hora a vida vai
voltando ao normal e escrevi esta história pra que os deuses voltassem com a
brisa solta no ar.
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