Contos de
Fogo de Conselho.
Doninha.
Prólogo: - Tenha
sabedoria para escolher suas batalhas – é essencial aprender definir pelo que
vale a pena lutar e pelo que se deve desistir – por uma vida de mais equilíbrio
e bom senso! Uma história que não foi contada. Uma corte de honra mal
preparada, uma vida acusada de algum que não cometeu. Bem vindos à história.
Não tive dúvidas. Era Doninha sem
tirar nem por. Pois é, as voltas que o mundo dá estavam agora vivas na minha
mente. Era normal. Mais cedo ou mais tarde eu iria sentir o efeito delas.
Pensei em fugir dali. Afinal eu era culpado? Aproximei-me. - Posso sentar ao
seu lado Doninha? Ele me deu um sorriso triste, apagado, sem vida. – Sente-se
Monitor. – Assustei. Ele ainda se lembrava de mim? – Não disse nada, calado me
sentei ao seu lado no banco verde, naquela praça florida local de muitas idas e
vindas na minha jornada da vida. Ficamos ali os dois calados sem nada dizer um
ao outro. Ele envelheceu. Afinal tinha passado mais de 60 anos, mas para mim
era como se fosse ontem.
– Como vai Monitor, ele
repetiu. – Vivendo Doninha disse com a
voz engasgada. – Porque está triste Monitor? – Doninha usava uns óculos escuros
e ao seu lado uma bengala bem trabalhada, tendo desenhado no cabo uma flor de
lis. – Não estou triste Doninha. Faz parte da minha vida. – Pois é Monitor,
quanto tempo se passou e vejo que você nunca esqueceu. Eu peguei minhas tristes
lembranças empacotei e despachei para o Pico da Tristeza. Doninha riu mais
alegre.
Não tinha voz e nem assunto para
responder a ele. Minha mente voltou no tempo, naquele fatídico dia que tudo
aconteceu. Porque aceitei aquele jogo? Aquela fama de durão? Não devia ter sido
amigo de todos e irmãos dos demais? – Monitor, ninguém irá embora da sua vida
sem apagar as memórias até ensinar tudo àquilo que você precisa aprender! Olhei
para ele atônito. Estava lendo meus pensamentos? – Doninha permaneceu calado.
Olhava para longe como se estive no Pico do Redentor naquele inverno que eu e
ele esperávamos ansioso o nascer do sol.
– Para mim Monitor foi o dia mais
bonito em minha vida, ele disse. - A minha também, remendei. – Ainda Escoteiro
Doninha? - Não Monitor, depois daquela suspensão resolvi nunca mais voltar.
Você sabia que eu tinha o escotismo no meu coração. Vibrava com tudo, era o
primeiro a chegar e o último a sair. Hoje tenho saudades dos nossos
acampamentos, excursões e nunca esqueci aquela jornada no Vale da Redenção.
Meus olhos estavam vermelhos e as lagrimas começaram a cair.
Meu Deus! O que eu fiz? Voltei
no tempo. Achava que era um Salomão, e por voto de minerva aprovei sua
suspensão. Cinco meses! Porque tanto? Ele não era um criminoso, não era um
malfeitor. Lembro-me de tudo como se fosse hoje. A patrulha se reuniu e
decidiram que Doninha não podia mais ficar na Touro. Sempre me perguntava se
ele era culpado ou se outro Escoteiro por sentir inveja de suas qualidades não
tentou incriminá-lo.
Porque o Chefe Zafir não investigou
melhor? Afinal nós éramos crianças, tomar tal decisão era demais. Afinal a
Corte de Honra tem essas prerrogativas? E porque os pais de Doninha não
procurou a chefia para saber o que ouve? Eram tantos porquês que eu sempre tive
dúvida de quem estava com a razão. – Condenamos por uma simples traquinagem e
eu depois fiquei sabendo que não foi ele. Trocou o sal pelo açúcar e deixou a
intendência aberta onde perdemos todos os mantimentos trazidos. Duas
ferramentas desapareceram. Porque ele não se defendeu? – Monitor, por que
acusar alguém? Não seria ele mesmo que devia se declarar culpado?
- Monitor, não se sinta
responsável. Vocês eram oito e com os dois chefes dez participantes da corte.
Mesmo com você me acusando os demais não precisavam segui-lo como seguiram.
Poderia dizer sem necessidade de mentir que nossa historia foi mal contada. Não
fui eu! Poderia dar minha palavra escoteira, mas fiz isto e ninguém acreditou
em mim. – Eu estava calado. Ajoelhei-me perante Doninha. Com meus setenta e
oito anos eu chorava a cântaros. Pedi perdão a ele.
Ele me levantou, me abraçou e
disse: Monitor, o tempo não volta mais, eu sei dos seus sentimentos e quer
saber? Sempre tive você em meu coração. Muitas pessoas que passavam pela praça
não entendiam o que se passava. Dois velhos de cabelos brancos se abraçando e
um chorando. – Vamos tomar um café e relembrar os velhos tempos? Era demais
para mim. Doninha me mostrou o verdadeiro caminho do perdão. Saímos abraços e
fomos de bengala em punho a procura de uma nova redenção.