Lendas Escoteiras.
Margarida, um jagunço do Sertão.
(Uma história quase real).
Prologo: - Minhas
histórias têm verdades, tem sonhos, tem simplicidade e tem imaginação. Muitos
me perguntam se foi verdade. Respondo que a verdade está na mente de cada um.
Sherazade, da antiga pérsia com sua beleza e inteligência fascinou o rei ao
narrar histórias fantásticas das mil noites. Dizem que ela teve a vida poupada
e ganhou o eterno amor do Rei Shariar! Acreditem se quiserem!
- Conheço o caminho disse Boca Larga.
Quando Escoteiro eu e minha patrulha entramos na trilha do Lobo e em menos de cinco
horas saímos próximo a Malacacheta. Pela estrada do Rei iremos demorar mais de
doze horas. Cento e cinquenta quilômetros só de subida. – Cabeçudo o sub
Monitor concordou. Ele também já tinha percorrido a trilha do lobo. Unha Grande
o intendente ficou em duvida. – Tem quanto tempo que vocês passaram por lá?
Dois três quatro anos? Será que a trilha ainda existe? - Nariz Longo o Monitor
pensava no que todos diziam. Cabeludo o cozinheiro nunca dizia nada, sempre
calado. - Se formos iremos em cinco. Dedo Duro não vai, seu pai vai viajar e
resolveu levá-lo consigo. Esta jornada não estava no programa. Foi o Chefe Sansão
quem nos disse que soubera de um novo Grupo Escoteiro em Malacacheta. – Porque
não vão lá e confirmem se realmente tem um Grupo Escoteiro? Afinal fazer novos
amigo escoteiros não vale a jornada?
Ninguém nunca tinha
ido a Malacacheta. Seu Tonico motorista do ônibus foi quem nos contou como era
o caminho. – Olhe são quase cento e cinquenta quilômetros. O ruim é que é
subida e descida. Tem a Serra do Quati que têm bem uns quatro quilômetros só de
subida. Nariz Longo pôs em votação. Vamos pela estrada ou pela trilha do lobo?
Todos votaram pela trilha. Se fosse verdade o que Boca Larga disse iriam fazer
o trecho todo em menos de cinco horas. Tudo combinado, ração B para três dias,
duas barracas de duas lonas, um caldeirão e uma caçarola, facão e machadinha.
Às oito da noite de sexta feira partimos. A trilha margeava o Rio Doce um velho
amigo conhecido. As duas da madrugada fizeram uma parada. Noite estrelada e uma
lua cheia no céu. Não montamos barraca. Iriamos dormir sob as estrelas.
Uma sopinha fumegante
logo apareceu. Uma fome danada. A madrugada ia brava e foi então que fomos
surpreendidos. Apareceu de surpresa sem se anunciar. Estava ali a nossa frente
em pé. Um homem magro, barbudo, uma fileira de dente cariados. Usava perneiras,
pois era uma região espinhosa. Chapéu de couro. No ombro seu fuzil inseparável
que ele chamava de Loló. Amarrado na barriga um enorme colt 45. Depois fiquei
sabendo que em cada perna tinha um punhal escondido. Quem seria? Todos nós
ficamos preocupados.
Posso me adentrá? Falou baixinho. Olhamos espantados. Ele sério. – Me chamo
Margarida, dá para comer com vocês? – Claro eu disse. Ficamos de olho e atento
no que ele ia fazer. Coragem? Nada disto, mas dizem que ficar alerta faz bem em
toda e qualquer ocasião. Sentou tirou um prato sujo do seu bornal e Boca Larga
encheu. Comeu feito um danado. Não pediu mais. Só água. Tínhamos café no bule
esquentando no canto do fogão tropeiro. Bebeu com gosto. – Falou pouco. Meu
nome é Margarida, meu pai me deu. Nunca mudei. Por causa dele matei muita
gente. Se me chamam sem rir, tudo bem se derem um risinho esquento o bucho
dele. – Olhei para Unha Grande e ele piscou. Queria rir. Meu Deus! Não deixa rir!
- Não precisam ficar com medo. Me trataram bem. Vou embora lá pelas cinco da
manhã. Podem dormir tranquilos. Enrosquei em minha capa preta em volta do fogo.
– Você nasceu onde? Perguntei. – Em Barra Dourada. Próximo a nascente do
Paraopeba. Lembrei-me do rio. Cascalho imundo. Pobre do rio. Estragaram ele
tentando achar um ouro que não tinha. Até hoje as máquinas estão lá sujando o
rio. Cabeludo perguntou: - Matou quantos Senhor Margarida? – Não me chame de
Senhor! Disse. - Putz grila! Pensei. Mas se quer saber matei mais de dez.
Muitos porque riram do meu nome. Meu pai me batizou assim. Queriam uma menina e
nasci macho. Agora não tenho onde ficar. A policia de captura sempre está atrás
de mim.
Fiquei calado. Nariz Longo me olhava e piscava os olhos. Margarida desconfiou.
- Porque esta piscação? Nada Seu Margarida. Nariz Longo tem um defeito na
pálpebra. – E que merda é esta de pálpebra? Danou-se! Custei para explicar. Comecei
a tremer. Margarida passou boa parte da noite sentado. Eu não consegui dormir.
Fingia que dormia. Às cinco da manhã juntou suas coisas, um bornal que devia
levar suas balas, seu fuzil e já ia partir quando dei ele um farnel de biscoito
de polvilho. Agradeceu, ficou em posição de sentido, gritou Sempre Alerta e
partiu sem sorrir. Consegui cochilar até as seis. Ouvi um tropel de cavalos.
Cinco soldados e um Capitão. Deviam ser da tal policia de captura.
Ninguém apeou. O Capitão perguntou gritando: – Viram um jagunço magro, barbudo,
armado até os dentes por estas bandas? E agora? O Escoteiro tem uma só palavra
falar o que? – Não Senhor. Chegamos aqui às duas da manhã. Só deu para fazer
uma sopinha um café e já íamos partir. – Vão para onde? Malacacheta Senhor
Capitão. Fazer o que lá? Visitar um novo Grupo Escoteiro! Nos olhou como quem
não acredita. – E tem Grupo Escoteiro lá? – Nosso Chefe disse que sim! Nos
olhou ressabiado deu até logo e partiu. Pegamos as bicicletas, arrumamos tudo e
quando íamos partir um barulho no mato e surgiu Margarida. – Ainda bem que não
disseram nada, falou. Estava com a Loló (fuzil) armada e se dissesse que me
viram iam levar uns tiros no rabo!
Foi embora cantando. “Sordado marvado, sai da carçada que lá vai porva!”.
Resolvemos voltar para nossa cidade. O Chefe Sansão que nos desculpasse. Para
dizer a verdade eu estava com as calças toda molhada e outros com elas
borradas. Não dava mais para prosseguir. Nunca mais ouvimos falar de Margarida.
Do capitão não. Era famoso. Quando a cadeia enchia, pegava uns ladrõezinhos de
fancaria colocava em fila e saiam pelas ruas da cidade e fazendo-os gritarem –
Roubei galinha! Roubei o porquinho da dona Noêmia. Depois soltava. Pois é. Seis
meses depois recebemos a visita dos Escoteiros de Malacacheta. Não acreditaram
em nossa história, mas conheciam Margarida. Ficamos amigos e fomos varias vezes
na cidade deles a convite. Bons tempos, tempos que uma bicicleta ou um
Vulcabrás nos pés nos levava a aventuras inimagináveis. E Margarida? Sumiu no
mundo.
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