terça-feira, 14 de maio de 2019

“Bugre”! Uma cruz a beira do caminho. (considerado um dos melhores contos escoteiros).




“Bugre”!
Uma cruz a beira do caminho.
(considerado um dos melhores contos escoteiros).

Prólogo: - “Bugre” foi Escoteiro da patrulha Touro. Nunca o esqueci. Sua história não foi contada. Não foi herói. Apenas um tipo qualquer quem sabe nascido de um índio pobre em uma Oca nas margens do Rio Amarelo. Baixo atarracado nos olhava como se estivesse vendo através de nós. Lembrei-me dele e hoje conto parte do que aconteceu naquela estrada onde tinha uma cruz... Uma cruz a beira do caminho...

(Conta-se uma lenda que as famílias que moravam próximo ao Lago Grande Urso tinham nas peles de castores o seu sustento. Os maridos por meses ficavam distantes nos Grandes Lagos a caçar castores e tirar suas peles. A lenda contava que a aldeia ficava tristonha quando ouvia o som de tambores feito de pele dos animais, no retorno dos caçadores de peles cantando uma canção triste, batendo no coração e seguindo o bater dos remos a marcar o passo em um ritmo choroso e triste. A aldeia se reunia a beira do lago chorando e sabendo que iriam viver por várias luas grandes dificuldades para se manter. Esta canção ficou conhecida como Terra do Belo Olmeiro). 

“Terra do Velho Olmeiro”... Lar do Castor...
Lá onde o Alce airoso é o Senhor...
                     Eu caminhava sozinho na Trilha do Riacho Grande. Sabia que não podia contar sempre com meus velhos e amados patrulheiros da Sol Poente. Eles tinham de viver suas vidas e cada um foi para um lado depois de anos e anos juntos na Castor e depois na Sol Poente. Tínhamos feito uma promessa e a cada ano mais difícil ficava de cumpri-la. Quando Bugre morreu na curva da estrada dos Aflitos fizemos um juramento de voltar lá todos os anos. Holandês deu sua palavra. Dom Patu prometeu. Azulão não sorriu e levantou a mão fazendo o sinal Escoteiro. Jim Taques prometeu trocar a cruz de madeira por uma nova a cada ano. Holandês fazia questão de todos os anos plantar belas flores silvestres. Sempre trazia consigo mudas de Chapéu de Couro, Begônias, Flor de Laranjeira, Crista de Galo e tantas outras. Jim Taques sempre pensou em ser um religioso. Contaram-me que hoje é padre em Sacramento. Era ele quando o sol se punha fazia lindas orações para o Bugre.

Em um lago azul formoso,
eu voltarei de novo...
                  Havia anos que estávamos juntos. Quis o destino que a amizade começasse quando na patrulha Castor. O destino de novo nos reuniu ali e nada iria nos separar nos anos que iriam seguir. Bugre era diferente. Pele curtida, rosto redondo, lábios grossos olhos e cabelos negros, lisos que ele fazia questão de pentear a cada hora. Marcado no relógio. Quem não tem manias? Ninguém se incomodava. Bugre nunca dizia mais que uma ou duas palavras. Costumava ficar meses sem falar. Na aventura Sênior na Pedra do Sino, mesmo com uma vista maravilhosa, ele sentou a moda índia, olhar para frente, olhos abertos e sem sorrir ficou lá por horas. Era filho de Iraputã, um índio que até morrer vivia sozinho nas margens do Rio Corrente. Vez ou outra ele ia visitar seu pai. Um dia me convidou. Chegou, abaixou a cabeça para o pai e ele fez o mesmo. Sentaram em uma pedra próximo as corredeiras do rio e ali passaram uma noite sentados a moda índia sem nada falar.

Bum tiriati, Bum tiriati bummm...
Bum tiriati, Bum tiriati bummm...
                  Bugre era um profissional em pioneirías. Cada uma mais linda que a outra. Uma vez acampado na Vertente da Onça, ele construiu um pórtico móvel que eu nunca vi igual. Dom Patu olhava para ele com orgulho. Azulão e Jim Taques sorriam quando ele chegava à sede naquele seu jeitão de índio matuto, que não sorria e não falava nada. Tirou sua segunda classe por que o Chefe Candinho achou que ele devia receber. Se ficou alegre ou triste quando lhe entregaram a insígnia ninguém percebeu. Nunca esqueci sua morte. Nada mostrava que isto iria acontecer. Seguíamos calados pela estrada do Riacho Grande. Na curva do Destino, nome que demos a curva ele parou. Ficou de frente para o oeste onde o sol se punha no horizonte. Levantou os braços como a dizer que iria partir. Não tirou sua mochila, não tirou seu chapéu. Olhou para nós e disse na sua voz calma: - É hora de morrer! E caiu ao chão sem fazer barulho. Não entendemos nada, ficamos assustados porque não dizer estupefatos! Holandês colocou um dedo em sua garganta. Chorando disse: - Ele morreu!

Tenho saudades daqui... Destas campinas...
Ao norte eu voltarei... Para as colinas, 
                Ninguém estava preparado para isto. Foi demais. Alguém morrer na nossa frente sem mostrar cansaço, doença ou mesmo sentir uma pontada no coração era de assustar. Ficamos horas sem saber o que fazer. Tentamos reanimá-lo, mas nada. Fizemos com nossos bastões uma maca. Minha camisa escoteira e a de Dom Patu serviram de base. Dona Yara sua Avó quando o viu não disse nada. O deitou em sua cama ascendeu várias velas, um incenso em volta e assim passou todo o dia com ele. Nós estávamos lá junto. À tarde no enterro no Cemitério da Saudade a tristeza reinava na patrulha sênior. Azulão subiu em uma lápide e tocou o toque do silencio triste e choroso. Eu juro que vi seu pai em cima do muro do cemitério. Eu nunca esqueci Iraputã. Na reunião seguinte fizemos o trato. Voltar lá todos os anos enquanto vivêssemos. Isto aconteceu por anos a fio. Os caminhantes que lá passavam ficavam admirados com aquele jardim florido quer seja no verão no inverno ou no outono as flores desabrochavam como se estivessem na primavera.

Ao lago azul rochoso
eu voltarei de novo...
                     O sol seguia o seu destino. Como o vento calmo ele caminhava para o oeste. Iria quem sabe iluminar os dias de outros milhares de escoteiros que estavam a acampar do outro lado do mundo. As flores silvestres lindas lá estavam a Cruz parecia nova. Desta vez Jim Taques escreveu um epitáfio: - “Manteve a dignidade até na hora da morte”. Sentei na grama a moda índia como a lembrar dele. Sempre fora assim por anos e anos quando visita aquela cruz a beira do caminho. Não sei por que comecei a cantar “Terra do Belo Olmeiro” uma canção que achava triste e poucas vezes cantei. Senti um vento frio vindo a sotavento. Percorreu meu corpo e como se uma dança esquisita acontece no ar, os tambores se ouviram batendo e vozes centenas delas a dizer: Bum tiriati, bum, tiriati bummm. Como por milagre a figura de Iraputã apareceu no ar trazido pelo vento húmido: - Vado Escoteiro, Bugre partiu para a terra dos seus ancestrais! Nada mais disse e despareceu. Eu emocionado chorei. Não tinha mais nada a fazer a não ser manter a chama do amigo que partiu dentro do meu coração. Sabia que seria para sempre!

Bum tiriati, Bum tiriati bummm...
Bum tiriati, Bum tiriati bummm...

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