quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

As aparições do Chefe Trovão - Um admirável curso da Insígnia da Madeira


Conversa ao Pé do fogo.
As aparições do Chefe Trovão - Um admirável curso da Insígnia da Madeira

Prólogo
- Solicitaram a segunda história do Chefe Trovão. Porque não?
              
                   Nossa existência faz parte do nosso crescimento interior, e a cada dia vamos aprendendo cada vez mais a viver a enfrentar a realidade, a reconhecer o certo e o errado e ver mesmo com dificuldade o melhor caminho a seguir tendo nosso livre arbítrio para decidir ou interpor. Nunca desisti dos meus sonhos, do que acredito ser o meu caminho. Acho que encontrei a porta da felicidade e nela me adentro com orgulho em saber que ajudei a melhorar um pouquinho o nosso mundo. Tenho 32 anos. Casado, um filho. Sou um Chefe Escoteiro. Acredito no Movimento Escoteiro. Ele já faz parte de mim.  Faz oitos anos. Um bom tempo. Neste período aprendi muito. Principalmente com um chefe que me convidou e me incentivou e sem sombra de duvidas, extraordinariamente me assustou. A figura do chefe Trovão era surpreendente. Possuía um conhecimento profundo do Movimento Escoteiro. Sabia como ninguém arregimentar adultos e mantê-los na ativa por muitos e muitos anos. Sem arrogância e vaidade deu a todos nós que começamos com ele, o caminho, a certeza aonde ir, sem erro, sem deslize no caminho certo do sucesso como diz nosso fundador.

                  O chefe Trovão era uma figura imponente. Não tão alto, mas sua silueta era soberba. Cabelos brancos, meios crespos, um bigode cheio, rosto redondo, olhos profundos, como a querer entrar no nosso pensamento. Palavras suaves, firmes, não titubeavam quando dizia alguma coisa. Seus olhos pareciam captar cada movimento que fazíamos quando estávamos a conversar. Quando me convenceu a participar, não fez um pedido. Seu argumento era simples e direto. Quando me dei conta, lá estava eu, de calças curtas, junto ao cerimonial de bandeira, a dizer a promessa e receber meu distintivo e o lenço do grupo. Naquele acampamento onde nem sei se foi marcante, ou se foi um épico ou mesmo uma lembrança extraordinária, agora sei que tudo ficou para trás. Naquela madrugada fria, quando vimos o chefe Trovão, no seu banho das três e meia da manhã, com o seu sabonete mágico como ele dizia, com as mãos levantadas debaixo da cachoeira, a pairar no ar, com fagulhas vermelhas e brilhantes, e sombras fantasmagóricas em sua volta!  Bem, é melhor esquecer. Assim como eu todos que viram o ocorrido, preferiram silenciar. Como apareceu no Grupo Escoteiro, ele se foi. Não ouvimos falar mais dele por um bom tempo.

                 Sempre fui metódico e organizado. Fiz meu programa de adestramento escoteiro, e sabia sem sombra de duvida iria alcançar minha Insígnia da Madeira. O próprio Chefe Trovão dizia que se nós quiséssemos ser bons escotistas, além dos cursos, teríamos que ter uma boa biblioteca escoteira em casa. Quem assim o faz é digno de ser chamado chefe. Não basta vestir um uniforme, fazer a promessa e saber com maestria sinais para formaturas dos jovens. No meu cronograma, estava marcado conforme o programa regional meu curso da Insígnia da Madeira parte II. Penúltima etapa para atingir meu objetivo. Eram oito dias acampados, sem intervalos no campo escola da região. Sabia que teríamos um frio glacial na época. Julho sempre foi assim. Ao fazer a inscrição já sabia que seria o Chefe Trovão o Diretor. O curso teve seu inicio como todos. No salão do campo escola, conversando, cantando, lembrando-se de outros cursos, pois muito de nós éramos velhos amigos de cursos passados. Ouvimos uma “trombeta” com o toque de reunir, e saímos prontamente para a arena da bandeira. Um assistente de curso já conhecido formou a tropa. Éramos 34, dois a mais que o permitido. Soube depois que havia 85 interessados. A ordem de inscrição prevaleceu. O motivo de tantos? O diretor do Curso, nada mais nada menos que o meu amigo e “tinhoso” Chefe Trovão!

              Queria conhecê-lo melhor e sabia que daria tudo de mim. O que vi antes no acampamento da tropa permanecia em minha memória. Sabia de sua capacidade, seu autodomínio e sua grande competência em temas escoteiros. A fama do Chefe Trovão era reconhecida em quase todos os estados brasileiros. Fomos formados em quatro patrulhas duas com nove adultos. Cada uma recebeu seu material de campo, composto de duas barracas de duas lonas, uma intendência onde se via o material de sapa, vasilhames e alguns apetrechos para limpeza que poderíamos usar logo na montagem do campo. Uma pequena bandeirola onde deveríamos desenhar o totem, com o animal já designado. Eu estava na Lobo. Todos portavam bastão escoteiros. Tivemos duas horas para montar as barracas (quatro escotistas em cada uma), a cozinha, á área de refeições e reuniões de patrulha, alem das necessidades básicas do campo tais como, fogão suspenso, fossas de líquido e detritos entre outros. Separamos-nos em dupla e em pouco tempo montamos o necessário. Os banheiros e latrinas já estavam prontos, num ponto extremo onde estávamos. Nada melhor do que vivenciar o Sistema de Patrulhas, agindo na prática e não na teoria.

            Era uma técnica que deduzi ser excelente para desenvolver o sistema de patrulhas. Ninguém se conhecia e no inicio mantínhamos aquela aceitação escoteira, cada um querendo ajudar o outro, todos demonstrando que o quarto artigo ali tinha seu lugar especial. No entanto, com o passar dos dias, as mudanças, os estilos, a aceitação de liderança vieram à tona. Como era a verdadeira faceta de cada um. Isto foi bom. Tivemos desavenças, desacordos, algumas cizânias que pareciam insolúveis. Isto ate o quarto dia, a partir do sexto dia, quando todos já se conheciam, houve uma grande mudança de rumo. Agora éramos mais unidos, mais irmãos e então chegamos à conclusão que assim deve ser dado a oportunidade aos jovens de se conhecerem. Foi um curso cansativo, extenuante, mas extremamente proveitoso. Levantávamos sempre às 06 da manhã, quinze minutos de educação física feita pelo Monitor, limpeza do campo para inspeção, café, e as oito e trinta, a patrulha estava formada para receber a chefia. As nove, cerimonial de bandeira, avisos, um jogo quebra gelo e sessões intermináveis de técnicas escoteiras, explanações teóricas de sistemas aplicados na Tropa Escoteira, entremeadas aqui e ali por um jogo ou outro passatempo. As doze e trinta, mais duas horas para fazermos o almoço, limpeza, arrumação, inspeção e as catorze e trinta já estávamos de “volta às aulas”. O jantar, preparados por nós era de duas horas a partir das dezoito e trinta. Depois, novas sessões de adestramento técnico e teórico até as vinte e três horas. Só neste horário, tínhamos um pequeno café com alguns biscoitos ou Pães feito pela Patrulha de Serviço. Jovens convidados a colaborar no curso.

           As sessões do Chefe Trovão eram admiráveis. Ele sempre tinha algum escondido na manga. Uma delas, sobre Projetos de Pioneiras foi marcante. Tocou a sua trombeta e lá fomos nós correndo em busca do ponto de reunião. Perdemos mais de cinco minutos para encontrá-lo. Estava em cima de uma árvore, a mais de 10 metros de altura. Mandou que nos reuníssemos a ele e não poderíamos usar a árvore em que estava e sim uma próxima distante a aproximadamente 12 metros. Ora, éramos trinta e dois adultos. Impossível, se conseguíssemos alçar uns quatro seria o muito. Deu-nos três horas e meia para resolver o problema. Neste ínterim um assistente nos deu alguns esboços, não tão bem feitos e nos mostrou uma pilha de material próximo aos chuveiros. Ele impassível, lá ficou a fumar seu intragável cachimbo. Cada patrulha ficou encarregada de uma tarefa. A nossa seria um elevador, outra faria o ninho de águia, outra a ponte de interseção ou ponte pênsil e a última um estrado para 30 pessoas. Três horas e meia não deu. Ele impassível nos deu mais meia hora. Fizemos o possível e aos trancos e barrancos, conseguimos colocar 25 de nós lá, o restante ficou abaixo do ponto de reunião naquela árvore.

          Foi um adestramento e tanto. Divertido, nos tirou da sala, do cochilo, pois alguns membros da equipe nos fazia dormir. A noite outra chamada dele, na pequena mata em volta do Campo Escola. Quando tentávamos nos aproximar, ele desaparecia. Ficamos assim aturdidos, sem saber onde ele estava e logo seu berrante nos chamava novamente. Meia hora depois o encontramos, sentado em uma pequena tora de madeira, a tomar um café quente e fumegante. (onde tinha feito não sei). Convidou-nos para ascender um fogo, que logo crepitou iluminando a área. Estávamos dentro da floresta. O amarelo da chamas dava um aspecto magnífico à pequena clareira. Cantou conosco lindas canções, improvisou danças escocesas (difíceis) canadenses, nos mostrou como os Índios Guaranis dançavam quando do descobrimento do Brasil, e mostrou como era fácil, pular a fogueira de olhos vendados por três vezes, e receber um nome de guerra indígena, escolhido individualmente por cada um. Uma tradição que deve existir em todas as tropas. Todos foram batizados. Eu recebi o nome de Araquém: que em tupi significa o Pássaro que dorme.  Ele não disse, mas achamos que no seu batismo foi chamado de Tupã, o trovão da chuva. Porque não sei. Explicou-nos que o jovem ao receber um cordão ou um distinto maior ali era o local certo para receber. Ele tinha de acender sua fogueira somente com um palito, e depois seu nome de guerra acompanhado do seu padrinho, escolhido na patrulha, após saltar por três vezes a fogueira de olhos vendados.

           O curso foi se desenvolvendo de maneira extraordinária. Olhe meus amigos, tinha feito muitos outros cursos, mas aquele estava me surpreendendo. Uma noite, às três da manhã, o berrante do chefe Trovão se fez ouvir novamente. O ponto de reunião era próximo da lagoa. Ali refletido nas águas calmas vimos um grande e belo espetáculo. Como se fosse um espelho, as estrelas davam um belo visual se refletindo no lago. Inimaginável! Foi a primeira vez que vi aquilo. Foi fácil identificar as Três Marias, o Escorpião, o Cruzeiro do Sul e tantas constelações que nos dão a posição exata onde estamos e onde podemos ir. Foi um verdadeiro adestramento técnico de orientação noturna. No sexto dia, estávamos esgotados. As patrulhas tentavam acompanhar, mas as pernas não ajudavam. Ouvimos de novo a trombeta do Chefe Trovão. Eram duas e meia da tarde. Com dificuldade conseguimos chegar até ele, na encosta do sopé da montanha, a trezentos metros do acampamento. Lá estava ele, deitado em uma esplêndida grama verdinha, e nos convidou para uma soneca. Incrível! Sem pestanejar ali deitamos e dormimos. Sonhamos sonhos lindos, pois soube que não houvera roncos e nem reclamações. Acordamos lá pelas tantas da noite. E o Chefe Trovão? Sumiu. Vimos que era mais de duas da manhã. Estávamos sem café e sem jantar.

            De novo o berrante do Chefe Trovão. Agora mais revigorados corremos e chegamos onde estava. No salão do Campo Escola, onde na mesa uma suculenta sopa de macarrão, com batatas, ovos, lingüiças, e pães fresquinhos nos esperavam. Um jantar fraternal às duas da manhã, 32 adultos, de calças curtas e chapelão de três bicos, a cantar, sorrir como meninos traquinas. Quem por ali passasse acharíamos que éramos um bando de malucos, excêntricos ou lunáticos. Quem sabe éramos mesmos? Tinha esquecido completamente da parte do “coisa-ruim” do o Chefe Trovão. Agora era um novo escotista. Um novo chefe. Diferente daquele que conheci no passado. Seus conhecimentos nos atingia dentro na nossa mente, seus ensinamentos eram impecáveis e sua maneira de mostrar como o escotismo deve ser era soberba. Segunda, sete dias depois, penúltimo dia. À tarde o jantar de confraternização. Cada patrulha escolheu seu cardápio e convidou dois de outras patrulhas. À noite o Fogo de Conselho. O Chefe Trovão orientou os Touros (ele dizia que o chefe nunca faz, só orienta) montaram um fogo diferente. Fez um estrado de um metro de altura, em cima montou um fogo Estrela e embaixo do estrado um fogo acolhedor (tipo quadrilha). Disse que assim não precisaríamos alimentá-lo durante o tempo que ali ficaríamos, ou seja, uma hora e meia. Foi lindo. Queimando suavemente em cima, e após algum tempo, o estrado deixava cair brasas e o fogo acolhedor acendeu com suntuosidade.

            O clarão amarelo do fogo na mata, as fagulhas, nos mostrava que não havia perigo de incêndio na floresta. O final foi uma apoteose. Quando cantávamos a Canção da Despedida, no meio da cadeia da fraternidade, desceram milhares de pequenas estrelas brilhantes, faiscantes, iluminando toda a clareira e quando terminou a canção. Com lagrimas descendo em todos os rostos ali presentes, uma coruja enorme, pousou no ombro do Chefe Trovão e piou seu uivo já conhecido, de uma maneira harmoniosa. Em seguida levantou vôo e foi pairar sobre as cabeças de todos os cursantes. Incrível! Era um espetáculo. Impossível não se comover. Impossível pensar algum ou mesmo como o Chefe Trovão estava fazendo tudo aquilo. Acho que só eu sabia e só eu o via agora, no meio do circulo dos chefes, a levitar acima do chão, com seus cabelos brancos soltos ao vento, braços estendidos, sorrindo, em sua volta aparições sem rosto, vestidos de branco e azul. Ficaram em volta de todos nós, jogando pétalas de rosas brancas como se fossem chuviscos ao amanhecer, cujo perfume era inigualável. Junto ao orvalho que começa a cair naquela clareira linda, todos, sem exceção estavam maravilhados, pois jamais tinham visto nada igual. Era Impossível descrever a beleza, a poesia do momento. Foi um fato que marcou em mim e creio em todos. Uma recordação tão fecunda que ficou gravado para sempre em minha memória.

           Na terça, pela manhã, final de curso, despedidas, abraços, lagrimas aqui e ali, alegria e a certeza de que foi um belo curso da Insígnia da Madeira. Histórico, sem precedentes e acredito que nunca mais haverá outro igual. Após a cerimônia de encerramento o Chefe Trovão desapareceu. Por muitos anos nunca mais ouvi falar nele. Até hoje tenho saudades de sua trombeta de suas aparições, de seus ideais, de seu conhecimento e de sua maneira grandiosa de dar a todos o conhecimento escoteiro que precisavam na labuta do seu dia a dia com a tropa. Cinco meses depois, absorto em uma reunião de tropa, eis que apareceu o Comissário Regional, pedindo se possível uma formatura de todos, pois ele tinha algum a comunicar. Ali, em ferradura ele me chamou e orgulhosamente me entregou o certificado da Insígnia da Madeira e pediu ao Chefe do Grupo que me colocasse o lenço e o colar. Não sabia o que pensar. Estava esperando pelo meu observador da parte III e soube então que o Chefe Trovão tinha avalizado esta parte e me mandou um pequeno bilhete, que dizia: – A um Chefe Escoteiro que por tudo que fez e faz, merece ser um membro da Equipe de Giwell. Volta a Giwell, terra boa, dizia. Um curso assim que eu possa vou tomar com você!


           Dez anos depois, muito tempo passado, estava eu absorto em um Acampamento Internacional de Patrulhas no Peru, conversando com alguns escoteiros da tropa, ouvi uma trombeta soando e aquele som não me era desconhecido. Tinha quer ser ele. Corri até lá e vi... Fica para uma próxima. Ninguém esquece assim o Chefe Trovão. Ele é imprevisível. Que saudades do banho das três e meia da manhã, do sabonete mágico, do curso da Insígnia da Madeira. Que saudades, tempos que já se foram e não voltam mais. Esteja você meu amigo Chefe Trovão onde estiver, lembre-se, sou e serei sempre seu admirador. Nunca vou esquecê-lo. Você entrou no meu coração e lá ficará para sempre.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A incrível paixão de Lourenço Malenkaia.


Lendas escoteiras.
A incrível paixão de Lourenço Malenkaia.

                     Ele era o Escoteiro mais querido no Grupo Escoteiro Mar de Espanha. Era admirado e todos sabiam dos seus feitos nos grandes acampamentos e nas jornadas intermináveis que fazia e deixava saudades por aqueles que tiveram a honra de participar com ele. Estou falando de Lourenço Malenkaia. Não foi da minha Patrulha, era da Leão. Mas ser seu amigo era motivo de orgulho. Alto, magro, cabelos louros encaracolados e sempre com um sorriso nos lábios, Lourenço Malenkaia sabia como  fazer amigos. Com quinze anos pediu ao Chefe se podia ficar até os dezesseis. Queria terminar sua Primeira Classe com chave de ouro. Pediu e o Chefe aceitou que fizesse a jornada sozinho. Queria ficar três dias, só ele, uma faca, um facão, uma manta, sal e óleo e mais nada. Seria seu desafio. Precisava provar a sí mesmo que sobreviveria.  As outras patrulhas assustaram. Como? – Isto é possível? De Lourenço Malenkaia nada era impossível.

                 Partiu sozinho em uma sexta pela manhã, garboso um sorriso enorme, atraindo olhares rumo a Mata do Roncador. Todos o olharam com orgulho. Mochila nas costas, um bastão a tiracolo e cantando “Avançam as Patrulhas” em marcha de estrada lá foi ele rumo à trilha do Cardim para atravessar o Rio Jambreiro na parte alta da fazenda Santa Cecília. Todos escoteiros ficaram ansiosos com sua volta. Era um fato inédito. Uma jornada sozinho? Nunca aconteceu. No domingo a tarde ele apareceu na curva do Urubu Rei, próximo à porteira do seu Nonato. Cantando, sorrindo, chapéu jogado para trás, mechas de cabelos louros caindo na testa uma passada que dava inveja lá foi ele para a sede onde se apresentou ao Chefe Jessé garbosamente – Pronto Chefe! Jornada realizada. Para dizer a verdade e pelo que eu saiba ninguém mais repetiu o feito de Lourenço Malenkaia. Dizem eu não sei bem que até hoje a Patrulha Leão é procurada por muitos para ler no Livro de Ata tudo que Lourenço Malenkaia fez e ali foi escrito.

                 Lourenço Malenkaia era filho do médico Doutor Arthur Malenkaia e de Dona Arminda Malenkaia, que trabalhava no Escritório do Advogado Pedreira. Não era um aluno brilhante, mas no Colégio Dom Pedro era muito querido. Eu e Lourenço Malenkaia não éramos íntimos. Nunca fomos. Até hoje não entendi porque ele me procurou naquela manhã de domingo. Pelo que me constava devia ter ido com sua Patrulha acampar nas margens do Rio Barão Vermelho em um acampamento de cinco dias. Eram férias de julho. Como meu pai adoecera e precisava de mim para abrir sua sapataria, fiquei em casa e não fui acampar. Ele adentrou na sapataria com os olhos tristes e chorosos. Eu estava sozinho engraxando alguns pares de sapato, que me daria uns trocados e o seu Sempre Alerta foi dado sem nenhuma alegria.

                    Preciso falar com você – disse. Fiquei calado. – Você conhece a Dorita Valverde? – Assustei. Claro que sim eu disse. – Estou perdidamente apaixonado por ela, disse de supetão.  Não sei o que fazer de minha vida. – Falar o que? Dorita Valverde não era a moça mais linda da cidade. Muito conhecida, era o dodói da garotada sedenta de amor. Sua fama de namoradeira e outras “cositas más” corria longe. Muitos diziam que era a única que deixava beijar com beijos de “língua”. Eu mesmo nem sabia o que era isto. Famosa na cidade principalmente pelos filhos dos bem aquinhoados. Vi que Lourenço Malenkaia estava de cabeça baixa. Soluçava. – Não sei o que fazer! Não quero conselhos. Acho que estou louco. Nunca pensei em ficar assim. Amor para mim sempre foi uma bobagem que em escoteiros como  nós nunca vai e não pode acontecer. Quer saber? – Se amar pode nos deixar loucos então estou louco. – Deus do céu! O que estava acontecendo com Lourenço Malenkaia?

                  Eu sempre fui bom ouvinte. Ficamos horas debaixo da aroeira frondosa da Praça São Joaquim jogando conversa fora naquela noite. Nada demovia seu intento. Disse que ela o beijou sem ele esperar no muro atrás do Colégio das Irmãs Caritas. – Fui pego de surpresa – Mas que beijo! Senti sua língua na minha boca. Sensação incrível! Nunca imaginei que isto pudesse acontecer. Não sei meu amigo, acredite virei seu escravo na hora! – Porque não procura o Chefe? Falei. – Não, ele não vai me ajudar. Vai ficar falando, falando dando conselhos e acho que ele nem sabe o que é um amor de verdade. – Mas você só tem dezesseis anos! – Ainda nem sabe o que é a vida! – Sei sim disse, sei que agora minha paixão por ela é única. Sei ainda que ela ri de mim, fala de mim como se fosse um bobão, mas eu sei que a amo. Meu amor é a essência de minha alma.  Nunca vou deixar de amar Dorita Valverde.

                Verdade que não podia aconselhar Lourenço Malenkaia. Não tinha namorada firme, e acho que era até um pouco inocente destas coisas. Beijo? Nem pensar. De língua então me assustava. Olhe, tudo complicou na vida de Lourenço Malenkaia. Seu pai o deixou preso em casa. Não quis estudar mais. Um desastre na família. O tempo foi passando. Lourenço Malenkaia foi definhando. Cresceu mas era um trapo de homem. Quem viu aquele belo Escoteiro não acreditava no que via agora. Soube que o internaram no famoso Hospício de Barbacena. Hoje considerado um padrão no histórico centro Hospitalar Psiquiátrico um dos melhores do Brasil.                  Tantas coisas aconteceram em minha vida que Lourenço Malenkaia foi como uma página virada que não mais me dizia respeito. Já tinha lido romances sobre grandes amores, mas o de Lourenço Malenkaia e Dorita Valverde não tinha igual. Muitos anos depois estava em Capistrano Ferreira onde tentava vender uma colheitadeira para o fazendeiro Don Antonio Leismael. Á noite, cidade pequena, sem cinema, sem TV fui tomar uma cervejinha gelada no “Vale das Flores”. Eu estava com trinta e dois anos e claro, casado, ali só uma fugidinha e mais nada. Entrei na Boate da Rosinha. Até estranhei o luxo. Sentei em uma mesa do canto e logo uma morena linda me rodeou. “Minina” eu disse, só uma cerveja, não me leve a mal, mas sem companhia.

                  Bebericava calmamente ouvindo o barulho do Xaxado tocando por uma bandinha  e eis que aparece nada mais nada menos que Lourenço Malenkaia! Em pé me olhou e disse: - Vado! O Escoteiro engraxate da Patrulha Lobo? – Sorri. Eu mesmo Lourenço Malenkaia. Nunca pensei em encontrá-lo ainda mais aqui. Ele sentou. Sorrindo me contou em poucas palavras sua vida. – Olhe meu amigo, ando sempre atrás dela, você sabe que sempre amei Dorita Valverde. Não conheço nenhuma outra razão para amar assim. Nunca a deixei. Sou até hoje seu escravo. Dizem meu amigo que o amor é como o vento. Não podemos ver, mas podemos sentir. Internaram-me em Barbacena. Fugi de lá. Vaguei por terras desconhecidas e ao chegar aqui encontrei de novo minha amada.

                   Ela é dona desta boate. Pouco liga para mim. De vez em quando me dá um pouco de seu carinho. Aprendi a aceitar as migalhas que ela me dá. Sou louco mesmo. Louco de amor. Fiz da minha vida um sonho imperfeito. Só vivo a me arrastar por esta mulher. Se amar é um afeto, uma ilusão eu a amo demais. Uma loucura todos dizem, mas sou louco mesmo meu amigo. Ele sorria docemente. Pediu um guaraná. Uma mulher meio gorducha, toda “embonecada”, mas com feições belas se aproximou. Deu para reconhecer. Era Dorita Valverde. Deu um beijo na testa de Lourenço Malenkaia. E lá se foi entre as dezenas de clientes da boate que pediam sua companhia. Nem me olhou. Claro não me conhecia - E o escotismo? Perguntei. - Nunca mais. Era um amor que tinha no peito e foi substituído por esta paixão avassaladora. Não disse mais nada. Tomei o último copo e parti. Nunca mais o vi. Vida é vida, história é história. Destino é destino. Escolhas são escolhas e o livro arbítrio de cada um não pode ser alterado ou ignorado.


                    O sonho de um menino Escoteiro fugiu em uma nuvem que se espalhou no céu. Não dá para segurar a brisa e o orvalho da manhã. O melhor é esperar o vermelho do sol nascente. Ele pode trazer alegrias para uns e tristezas para outros. São recordações que sumiram como o vento forte que pegou de jeito uma Patrulha em uma ravina qualquer. Nem deu tempo de alertar para fincar os chapéus. Afinal escoteiros também amam? Amor é uma palavra que poucos ainda souberam explicar com exatidão. Mas a felicidade não é a minha. A felicidade é a de quem achou um dia ter encontrado uma razão para viver. Lourenço Malenkaia e Dorita Valverde encontraram seu verdadeiro amor. Diferente do que muitos acham que vale a pena. Que eles sejam felizes para sempre! 

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A incrível lenda do Guardião da Floresta da Bocaina.


No mundo de fantasia entre bruxas, fadas, Duendes e Gnomos. O que eu sei que as Bruxas nos fazem apaixonar e cessar no tempo. As fadas nos ensinam a ser criança. Os duendes esconde de nós, o tesouro mais íntimo, assim como os Gnomos ficam rindo da nossa cara. Max Reygson

Lendas escoteiras.
A incrível lenda do Guardião da Floresta da Bocaina.

“Conta uma lenda que toda vez que alguém desaparecia na Floresta da Bocaina as margens do Rio Vermelho, a sudoeste de Palo Verde e ao norte da capital do Pará, uma densa neblina tomava conta para evitar que as buscas tivessem sucesso. Dizem que era uma floresta tão densa que a luz do sol raramente passava entre as copas das árvores e isto criava um cenário ideal para a existência de lobisomens, bruxas e gnomos”.

Prologo:
          Quando me contaram esta história sorri de leve para não deixar Diógenes sem graça. Ele mesmo se jactava que em uma das suas reencarnações tinha o mesmo nome, e que era aquele que andava com um lampião aceso dizendo estar em busca de um homem honesto. Eu conhecia a lenda, ela aconteceu lá pelos idos do ano de 323 antes de cristo. Diógenes era chamado de Cínico e foi um filósofo da Grécia antiga. Se fora anedota ou não ele foi exilado de sua cidade, mudou para Atenas e depois virou um mendigo que perambulava pela rua carregando um lampião, durante o dia dizendo estar procurando um homem honesto. Ele acreditava que a virtude seria mais bem revelada se na ação e não na teoria. Mas o Diógenes de hoje não sei não. Ele não trabalhava e vivia também perambulando pela cidade, sem seu famoso lampião e diferente de muitos mendigos ele tinha uma casinha boa e vestia sempre roupas caras. Bem eu não era amigo dele e para dizer a verdade nem sabia quem eram seus amigos. Naquela tarde estava me preparando para uma difícil prova que iria realizar para ver se conseguia uma vaga de Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda quando ele sentou ao meu lado.

          Eu gostava da Praça do Povo, um lugar simples sem movimento e que me deixava tranquilo para aclarar as ideias. – Eu já te contei esta? Ele falou. Não sabia que ele estava ao meu lado. Qual Diógenes? – A do Guardião da Floresta da Bocaina! Ele disse. Nunca tinha ouvido falar, mas dei corda a ele. Eu sei quanto vale uma história bem contada e quem sabe minha cabeça a mil ouvindo uma boa história até me ajudaria a entender melhor aquela matemática infernal que tentava entender para a prova do dia seguinte. – Olhe – Ele continuou – Não sei o seu nome, mas sei que você é um Escoteiro. Já vi você de calças curtas muitas vezes. Sei que vocês gostam de acampar, explorar novas florestas e montanhas enormes e sei também que adoram um curso de água doce à procura de sua nascente. Antes de morar aqui eu morava em Palo Verde, uma cidade a sudoeste do Rio Vermelho bem longe da Capital do Pará. Lá eu era bem conhecido e tinha até um Cinema que aos sábados e domingos uma fila enorme se fazia para assistir a um bom filme.

Uma história, apenas uma história.

                 Foi lá em Palo Verde que vi vocês a correrem pela cidade, a desfilar, a colocar uma mochila e ir para os campos a procura de aventuras. Eu até um dia pensei em ser um de vocês, mas depois desisti. Porque desisti? Tudo por causa do Jobson dos Santos. Um menino pequeno, magro, raquítico que só vendo. Quase não falava e quando dizia alguma coisa era de uma sabedoria tremenda. Ele era daqueles que nunca deixava nada sem fazer. Não levava desaforos para casa apesar de que bastava um empurrão e ele se esparramava pelo chão. Jobson resolveu ser Escoteiro. Foi aceito porque sua mãe era amiga de uma Chefe de lobinhos e isto porque não existiam vagas. O Grupo Escoteiro estava cheio. Na Patrulha Lagarto ninguém ligava para ele. No primeiro acampamento ele sumiu por horas. Apareceu depois sorrindo e mesmo com a “lavada” do Monitor e do Chefe ele continuou rindo e não disse nada.

                Jobson era inteligente. Menos de cinco meses sabia tudo para fazer as provas Escoteiras. Só não fez porque o Monitor Maguilson lhe disse que precisava ter um tempo. Precisava também de algumas especialidades. Jobson não disse nada, ele não encrencava e nem retrucava. Aceitava tudo de bom grado. Um dia em um acampamento de fim de semana um fazendeiro amigo da tropa fez uma visita e a noitinha em uma Conversa ao Pé do Fogo contou uma história interessante. Claro que ninguém acreditou. – “Escoteiros” - ele disse – Se um dia vocês forem para os lados do Rio Vermelho, bem a sudoeste de Palo Verde nunca entrem na floresta Negra da Bocaina. É uma floresta tão densa que é difícil andar. Mesmo com um bom facão fazer uma trilha é difícil. À tardinha uma bruma cinzenta percorre toda a mata e quase nunca o sol consegue penetrar entre as árvores.

                - Todo mundo prestava a máxima atenção ao senhor Zeferino o fazendeiro. Olhos arregalados, pois se tinham uma coisa que gostavam eram histórias incríveis e quem sabe um dia viver uma delas? – Continuou o Senhor Zeferino – Nesta floresta negra dizem que habitam “lobisomens, bruxas e gnomos”. Contaram-me que tem um enorme leopardo rajado de amarelo e negro que toma conta de tudo. Ninguém ousa entrar lá e o tal Leopardo com suas enormes garras mata quem se arrisca. Um empregado meu, de nome Zózimo riu quando soube da história. Pegou uma espingarda e um facão e alardeou a todos que ia entrar. Sumiu por dois meses. Encontraram-no quase morto as margens do Rio Vermelho e ficou internado na UTI de um hospital por dois anos. Quando saiu pegou o primeiro ônibus e sumiu da cidade. Os que ouviram sua história tremem até hoje em contar.

                    Lourenço muito amigo dele disse que ele encontrou o Leopardo. Horrível, não deu tempo de fugir. Mas o Leopardo o encurralou em uma gruta e ele deu vários tiros e só a fumaça saia pela arma. O Leopardo sumiu e a noite escura e sem luar, apareceu uma linda moça, com um vestido longo e branco e o chamou. Ele sorriu e pensou quem mais alguém habitava aquela floresta. Foi até ela e os dentes enormes e as unhas enormes logo o envolveram. A moça se transformou em um Leopardo e só não o matou porque ele conseguiu correr pulando nas águas escuras do Rio Vermelho. Ele disse que enquanto nadava para a outra margem avistou um enorme lobisomem e várias bruxas que voavam por cima da sua cabeça. Bem eu nunca acreditei na história completou o Senhor Severino, mas querem saber? Nunca fui para aqueles lados. Mais tarde, na barraca Jobson deitado pensava na história. Não saia de sua cabeça. – Vou ver onde fica, se ninguém quiser ir eu vou!

                    Dito e feito. Jobson convidou a todos da patrulha – Vocês não acreditam nesta história acreditam? Acreditando ou não ninguém quis ir. Ele tentou tudo e até o Chefe o proibiu de comentar mais com a tropa. – Jobson ele disse – Ninguém nunca foi lá e voltou vivo, porque esta insistência? Acredite ou não eu o proíbo de comentar novamente com sua patrulha. Jobson olhou o Chefe e não disse nada. Uma tarde Jobson sumiu. Seus pais preocupados o procuraram no grupo e com todos seus amigos. Nada. O delegado chamou diversos homens e correram por toda a vizinhança da cidade. Dona Matilde disse que o viu pela manhã de uniforme Escoteiro e chapéu, Uma mochila e um bornal rumo a nascente do Rio Vermelho. Os Escoteiros quando souberam pensaram logo que ele tinha ido para a Floresta Negra da Bocaina. Danado! Pensaram. No fundo todos o invejavam.

                     Jobson sumiu. Por anos ninguém mais ouviu falar dele. Nonato Castanheira era Sênior e tinha também o sangue aventureiro a correr em suas veias. Quando Jobson sumiu ele era lobinho. Agora como sênior vivia sonhando em ir também conhecer o mistério da Floresta Negra. Tinha um medo enorme e sabia que ninguém iria se arriscar a ir com ele. Sem mais nem menos Nonato Castanheira um sênior da Patrulha Pico da Neblina sumiu. Outro? Parecia uma epidemia, mas até então eram dois. Cinco meses depois Nonato Castanheira apareceu. Tinha um olhar diferente, não falava e nem sorria. Escreveu um bilhete aos seus pais pedindo desculpa por não ter dado notícias. Onde fora era difícil. Ele ia voltar e nunca mais iriam vê-lo novamente. No bilhete ele disse que apaixonou pela Fada Violeta, a mais linda mulher que o mundo conheceu. Ela a noite se transformava em fada e durante o dia era o temido Leopardo Guardião da Floresta.

                      Completou dizendo que a Princesa Violeta tinha muitos homens em sua volta. Formavam um enorme batalhão que a defendia contra tudo e contra todos. Sobre as bruxas e Lobisomens e Gnomos ele não escreveu nada. Parece que os homens que amavam a Princesa se transformavam a noite enquanto ela virava uma linda moça em monstros. A Floresta Negra maldita para uns cheia de amores por outros, cheia de fantasmas por muitos e muitos anos ficou intacta de visita de seres humanos. Eu soube que uma unidade da Marinha com mais de duzentos soldados entraram na floresta. Nunca mais voltaram. Ninguém mais se arrisca a entrar lá. Olhei para Diogenes e sua história mirabolante. Toda história eu sei que tem um fundo de verdade, mas aquela era demais. Quando voltei para casa procurei na internet todo que poderia contar no Google sobre a tal Floresta. Nada encontrei.

                      Pelo sim e pelo não um dia vou a Palo Verde, nem sei onde fica se é longe da Capital do Pará. Mas sou um Escoteiro aventureiro e não deixo nada sem investigar. Eu adoro histórias assim e breve muito em breve vou descobrir a verdadeira história da Floresta Negra da Bocaina. Vou tirar a limpo a história dos guardiões e da Princesa Violeta. Sei que eu não vou me enamorar. Adoro minha esposa e meus filhos e até já disse a eles o que vou fazer. Na próxima primavera irei de avião até Belém. De lá embarco em um navio em busca do Rio Vermelho. Se Palo Verde e a Floresta Negra existem, eu um Escoteiro vou encontrar sem sombra de dúvida. E quando voltar, se voltar vocês saberão toda a verdade! 

Era tudo tão perfeito
um tanto quanto surreal
bruxas e belas princesas
unicórnios no quintal

onde andavam de mão dadas
chapeuzinho e lobo mau
e então agente acorda

tudo volta ao seu normal
bruxas queimam na fogueira
princesas só no carnaval.

domingo, 25 de janeiro de 2015

A lenda dos milagres de Aimée uma escoteira da patrulha Morcego.


Lendas escoteiras.
A lenda dos milagres de Aimée uma escoteira da patrulha Morcego.

       Não conheci a escoteira Aimée. Se não tivesse participado do desfile do Sete de Setembro naquele ano a história dela nunca seria conhecida por grande parte do movimento escoteiro. Sei que muitos sabiam, mas tudo era contado à boca pequena sem chances de até mesmo o Arcebispo Joshua pensar que um dia ela poderia ser canonizada. Ele ficou impressionado com o relato do vigário Honório. - Verdade mesmo Honório? – Eminência, são mais de vinte meninos e meninas que assistiram tudo no acampamento que fizeram Na Lagoa do Adeus. Ela pegava peixes com as mãos, curou doentes, acendeu um fogo sem fósforos ou isqueiro em segundos. E não foram só estes foram vários! – E adultos tinha algum? Perguntou o Arcebispo. – Não eminência, só uma vez Dona Filó e o Chefe Manolo assistiram um milagre dela. Foi o mais simples. - Eles viram-na se elevar no ar e beijar um periquito no ninho de uma árvore há mais de oito metros de altura!

      Sei que o Vigário Honório ficou mais de cinco horas a narrar para sua Eminência o Arcebispo Joshua tudo o que viu e tudo que lhe contaram. Saiu do Palácio Episcopal mais de meia noite. Deixou o Arcebispo com a pulga atrás da orelha. Ele já tinha lido e conversado com muitos sobre o tema mediunidade. Quem sabe esta escoteira não era assim? Mas se elevar no ar? Isto não é mediunidade. Mais parecia que era sensitiva. Ver os mortos, visualizar o futuro e ter visões extraordinárias. Agora se elevar no ar? Isto não saia da mente do Arcebispo. No dia seguinte ligou para o vigário. Pediu a ele se podia trazer a escoteira até o palácio. Ele queria conhecê-la. Dona Fabíola mãe de Aimée não se opôs. Partiram em uma manhã de sábado. Daria prazo para ela participar da reunião escoteira da tarde, pois isto era condição sine qua non para ela ir. O Arcebispo ficou maravilhado e abobalhado. Ela na sua presença conversa como gente grande. Inteligentíssima. Conversou com ela em inglês, francês e italiano e ate abusou do latim. 

      Mas vamos voltar ao início se não vocês não vão conhecer Aimée e sua história. Monossílabo era sênior da Antares, uma patrulha sênior. Cansado de uma manhã do desfile sentei no banco da praça e ele sentou ao meu lado. – Sabe Chefe, se Aimée a escoteira tivesse vindo este desfile seria inesquecível. – Fiquei encucado. – Quem é a escoteira Aimée? – Chefe! O senhor ainda não ouviu falar dela? – Claro que não Monossílabo, se não eu não teria perguntado. – Bem Chefe, ela está conosco há dois anos. Quando chegou à sede ninguém deu nada por ela. Mas no primeiro dia de reunião Loquinho o Monitor da Águia ficou boquiaberto com ela. Em uma base de nós, com os olhos fechados ele fez mais de vinte nós escoteiros e de marinheiro. Ninguém acreditava no que via. Precisava ver no acampamento. Cortava um galho em segundos. Parecia que o facão era mágico.

     Monossílabo ficou me contando por horas. A princípio não acreditei nele. Havia muito floreio em tudo. Mas me lembrei de um fato ocorrido há alguns anos e só não lembrava se ela havia participado. Ela e sua mãe chegaram correndo a delegacia, mais de duas da manhã dizendo que um acidente grave aconteceu na estrada 45. Na curva da onça um ônibus despencou por sobre a ponte. Mais de vinte mortos. Pinduca o Sargento da guarda não acreditou. Foi preciso chamar o prefeito que relutante em acordar acompanhou todos até a ponte fatídica. Gemidos, gritos de socorro e o trabalho de ajuda começou. Um menino de três anos ensanguentado foi colocado por sobre uma manta e o enfermeiro disse que estava morto. Não estava, pois Aimée deu a mão a ele e ele se levantou. Dizem que lá ela deu vida a mais oito pessoas. As demais não, pois conforme disse era desígnio de Deus. Teria que ser assim.

      Aimée não era linda, nada disto. Tinha o rosto fino, nariz comprido, uma boca pequena e cabelos crespos que ela insistia em não pentear. Ficava diferente e ela gostava. Falava fanhoso no início e não se sabe como um dia falou com uma rainha. Na patrulha era bem quista e ninguém via nela alguém diferente. Nas atividades que o Chefe Manolo e a Chefe Malena faziam na maioria das vezes a patrulha dela não se evidenciava. Só uns meses atrás que tudo mudou. Ela parava durante alguma corrida dizendo estar vendo pessoas mortas. Garantiu ao Chefe Manolo durante uma cerimônia de bandeira que o Chefe Tonon estava presente. Chefe Tonon foi o fundador do grupo a mais de setenta anos. Morrera há quinze anos. Aimée começou a ser procurada por doentes, cadeirantes e a cidade começou a ter turistas de todos os lugares por causa dela. Quando ia para o Grupo Escoteiro a sede ficava superlotada de pessoas querendo falar com ela ou ser abençoadas.

      O vigário Honório correu a falar com o Arcebispo. Esqueceu-se de Don Antonio um Velho morador da cidade e Presidente do Centro Espirita Boa Vontade. Ele ria quieto em seu canto. Sabia que Aimée era um espírito superior e que os terrenos nunca podia imaginar quem ela fora no passado. Ele sabia que ela iria desencarnar aos quinze anos. Morte natural. Falar isto para o padre? Nem pensar. Comentou superficialmente com o Chefe Manolo. Um bom Chefe. Era evangélico e ficou incrédulo com tudo aquilo, mas o que vira em Aimée até que poderia ser verdade. Cinco meses depois chegou à cidade monsenhor Giuseph a mando da cúria papal. Era para averiguar e comprovar os milagres de Aimée. Não ficou dois dias. Quando conheceu Aimée ela disse para ele – Senhor Monsenhor, daqui a dois anos o Papa Lozano III vai falecer e o senhor será eleito o novo papa!

      Ninguém soube do fato e eu mesmo não sabia como Monossílabo sabia. Bem o final da história é que a Cúria Romana até hoje discute se Aimée era possuidora de receber o título de santa. Mesmo após sua morte ocorrida na aventura Sênior distrital que a tropa participou na Serra dos Órgãos eles continuaram investigando. Ainda investigam. Quem sabe teremos a primeira santa escoteira? Vai ser o máximo. O escotismo terá dado um enorme salto para o sucesso de marketing. Procurei saber como foi à morte de Aimée. Sua Patrulha jura de pé junto que ela se despediu de um por um e disse para não se preocuparem. Sua mãe já sabia que era hora dela ir. Ninguém acreditou quando uma forte luz a levou. Seu corpo sumiu e até hoje não foi encontrado. A policia fez de tudo para ver se não havia outra história, mas teve que se contentar com a fantástica explicação dos seniores que estavam com ela. O delegado já saiba de seus poderes sobrenaturais e deu o caso como encerrado.


       Monossílabo me jurou que nas noites de acampamento, quando os seniores se reúnem em volta de um fogo para jogar conversa fora ela aparece e fica com eles por horas contando como são os escoteiros que moram no céu. Don Antonio o espírita tem boas relações com dona Fabiola mãe de Aimée. Conversam muito. A cidade não sabe o que conversam. Se Aimée é mesmo um espírito cheio de luz eu não sei. Se isto é coisa do diabo eu também não sei. Dizem que Deus sabe o que faz e como eu acredito nele a história de Aimée para mim é verdadeira. Afinal temos ou não uma só palavra?

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Takala, o vira latas que só sabia amar.


Lendas escoteiras.
Takala, o vira latas que só sabia amar.

“Recolha um cão de rua, dê-lhe de comer e ele não morderá: eis a diferença fundamental entre o cão e o Homem”.

            Ele tentava entender o porquê, mas era um cão, um mísero cão vira lata que achou que tinha um lar para morar. Cão não fala e dizem que não pensam. Ele nem mesmo raciocinava quando ela o jogou pela porta do carro no meio da rua naquela tarde fria e com uma chuvinha intermitente. Pensou que era uma brincadeira apesar de que ela nunca brincou com ele. Batia sim, chutava seu corpo e um dia lhe deu varias varadas porque ele queria fazer xixi e a porta estava fechada. Tentou correr atrás do carro de sua dona, mas já era Velho demais para isto. Logo ela sumiu em uma esquina e ele perdeu o carro de vista. Ficou parado no meio da rua e vários carros desviando e por pouco não foi atropelado. Alguém lhe deu um chute e ganindo correu para o passeio debaixo de uma marquise. Ele ficou ali por pouco tempo todos que passavam lhe davam um ponta pé ou gritavam com ele. Molhado ele gania de frio. Não sabia o que fazer. Nunca passou por isto, nunca.

           Takala não sabia quando era feliz ou quando estava triste. Era um cão um vira lata com mais de doze anos. Sempre vivera perdido em um sitio pobre e quando o menino da cidade começou a brincar com ele sua vida rejuvenesceu. Ele nem entendeu porque sua mãe o deixou levar para sua casa. Durante meses foi feliz enquanto ele estava junto. Brincavam corriam e Takala se sentia outro. Um dia o menino sumiu. Sua mãe chorando pelos cantos. Ele não sabia o que houve, pois era um cão vira lata e cão vira lata não pensa. Quando ela o pegou pelo rabinho e o jogou no carro ele não entendeu nada muito menos quando ela o jogou porta afora. O que fazer? A chuva apertava cada vez mais. Correu pela calçada até encontrar um viaduto. Ali escondeu em um buraco pequeno, mas que ninguém poderia bater nele. A fome chegou. Comia pouco, pois sua dona não lhe dava quase nada só o menino que sumiu. O dia clareou e a chuva passou. Precisava encontrar comida e água. Ainda havia algumas poças que ele saboreou.

        Começou a passear pelas arvores e flores que havia em baixo do viaduto. Viu do outro lado da rua um menino assoviando para ele. Sorriu. Será que terei um novo dono? O menino o chamou. Estava vestido de azul com um lenço no pescoço. Para Takala a roupa pouco importava ele queria era um dono amigo, que gostasse dele. Correu atrás do menino e eles ficaram brincando de pega, pega e o menino de azul sorria a mais não poder. Chegaram a um portão. Takala sabia que não o deixariam entrar. Sempre foi assim, cão vira lata ninguém gosta e ele nunca teve pedigree. O menino de azul entrou e o portão fechou. Takala ficou ali, pois pensava que alguém poderia lhe dar alguma coisa para comer. Algum tempo depois o portão se abriu e apareceu o menino de azul sorrindo o chamando para entrar. O rabinho de Takala nunca balançou tanto. Ao entrar viu muitos meninos de azul, outros de chapéu todos gritando e sorrindo. O menino de azul o levou até uma cobertura. Fez sinal para ele ficar ali.

       Outros meninos e muitas meninas de azul se aproximaram de Takala. Ele sorria nunca pensou em ter tantos amigos. Latiu, um latido fraco quase mudo. Vários meninos correram e trouxeram comida para ele. Era muita comida ele nunca viu tantas assim. Comeu e quando comia levantava a cabeça com medo de um chute de um tapa, pois sua dona sempre fazia isto. Já escurecia e os meninos estavam indo embora. O menino de azul veio com uma moça e Takala viu que conversavam muito. O levaram até um galpão coberto e aberto na laterais. O menino de azul mostrou para ele um pequeno capacho, uma vasilha d’água e muita comida encostada a parede. O pegou no colo e o beijou. Takala viu que seu coração batia. Nunca ninguém o beijara. Ele ficou ali naquele galpão, pois agora era seu novo lar. Sempre a esperar que o menino de azul chegasse.

     Um dia eles chegaram cedo. O sol mal tinha nascido. Takala sorriu, pois ele agora amava aqueles meninos e meninas de azuis. O seu amigo o pegou no colo e entrou com ele em um ônibus. Takala tremeu, de novo não! Pensou em latir, em morder e só o medo de ser jogado pela porta de novo o fez calar. Fechou os olhos embaixo da poltrona. Ele não sabia rezar, mas seu instinto o alertava para tudo. Durante horas ele ficou no ônibus tremendo de medo. Quando chegaram foi uma algazarra, todos correndo e Takala correndo atrás deles. Nunca Takala o vira latas foi tão mimado, tão cercado de amigos e a noite ele uivava para a lua como a dizer – Agora eu sou feliz, pois posso amar... No terceiro dia ele correu atrás do seu amigo de azul que se embrenhou em um bosque. Takala adorava aquela brincadeira. Sentia seu coração batendo, seu corpo tremendo, mas ele sabia que não podia parar. Correram tanto que uma hora ele deitou. Uma dor incrível no seu coração. Coração velho de vira latas que só sabem amar.

      Ao seu lado o menino de azul ria e rolava no capim verde chamando Takala. Ele não aguentava mais. A dor era muito forte. Viu uma serpente enorme se enroscar para dar o bote no menino de azul. Ele sabia o que era uma serpente, pois quando jovem seus donos corriam delas no sitio em que morou. Takala fez um esforço enorme. Levantou gemendo, pulou em cima da serpente latindo fraco, respiração ofegante. A serpente o mordeu na sua jugular. O menino de azul saiu correndo chamando a moça que tomava conta. Vieram vários. Não encontram a serpente e nem Takala. Os meninos e as meninas de azuis choravam. Ao voltar para a fazenda viram ao longe uma serpente e um cão lutando. Correram até lá. Tarde demais. Takala estava morto, mas conseguiu matar a serpente. Aquela noite nunca se viu tantos meninos e meninas de azul a chorarem. Custaram para dormir.

      De manhã uma surpresa. O sol brilhava nunca se viu tantos pássaros no céu. Uma revoada sempre acontecia em cima deles. A moça amiga do menino de azul fez um lindo esquife verde. Ela reconheceu que Takala foi um herói e precisava ser homenageado. Onde seria a cerimonia fúnebre fizeram um grande círculo. Para um simples vira lata Takala teve honras de estilo. Quando o cobriram cantaram uma linda canção. Para os Escoteiros era conhecida - A Canção da Despedida. Takala não sabia o que era esta canção, sentado perto dali estranhava que ninguém o via. Só o menino de azul que sorria para ele. Viu em uma nuvem branca uma grande Vira Latas branca, sorrindo para ele, focinhos com focinhos ela e ele deixavam as lágrimas de alegria cair. Ela deu um latido leve e correu pela nuvem, Takala correu atrás dela e sumiu no horizonte azul. O menino de azul também chorava e ao chamado da moça todos ficam firmes e fizeram uma saudação que Takala já conhecia. Era o Grande Uivo. Feito em homenagem a Takala, um vira latas que só sabia amar e foi para o céu.


- “O Homem tem feito na Terra um inferno para os animais”.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Rosas brancas e perfumadas para Dona Noêmia.


Lendas escoteiras.
Rosas brancas e perfumadas para Dona Noêmia.

                      Ela morava bem no final da minha rua. Sua casa tinha fundos para o Rio Mimoso. Lembro que no final da cerca havia um belo pesqueiro. Mas ninguém tinha coragem para pescar ali. No quintal havia pés de manga, goiaba e muitos pés de cana Caiana. Na frente de sua casa centenas de rosas brancas. Só rosas brancas. Porque não outras cores ninguém sabia. Enfrentar o olhar de Dona Noêmia? Nunca. Um medo danado. Não era só eu e sim a cidade inteira. Morava sozinha, acho que tinha uns cinquenta ou sessenta anos, não sei. Diziam que era viúva, mas ninguém conheceu seu marido. No Grupo Escolar Mascarenhas de Moraes ela era a diretora. Alí ninguém dava um pio. Respeito é bom e eu gosto ela dizia. Todos entravam em silêncio e saiam calados. Onde ela passava ninguém falava, um silencio sepulcral. Alguns adultos diziam – Boa tarde Dona Noêmia. Ela olhava e seus olhos pareciam sair chamas de fogo.

                    A escoteirada passava longe. Os lobos endiabrados ouviam sempre da Akelá Maísa – Querem que chame Dona Noêmia? Quem fala muito paga pecado, assim dizia minha mãe. Chefe Onofre naquele sábado disse que infelizmente ia mudar de cidade. Estava tentando achar alguém para ficar no seu lugar. A tropa ficou chorosa. Todos gostavam dele. A semana inteira o comentário correu em todas as patrulhas. Fazia-se reunião na Touro, nos Morcegos, na Águia e durante o dia na loja do Martinho. Seu filho da Raposa trabalhava com ele. – Quem seria o novo Chefe? Será o Nonato pipoqueiro? O Sacristão Isaias? Ou o Professor Clementino? Ninguém sequer imaginava. O jeito era esperar o sábado.

                   Interessante, uma hora antes todos estavam na sede. Nem nos cantos de Patrulha foram. Estavam a espreita na porta da sede, no portão e vi dois apinhados em um abacateiro enorme olhando a rua da sede. Chefe Onofre chegou sozinho dez minutos antes do horário. Chamou para a bandeira.  Ninguém com ele. Um frenesi corria de um para o outro. Depois do cerimonial fizemos um jogo estupendo. E assim a rotina da reunião continuou. Até esquecemo-nos do Chefe novo. Quem sabe ele desistiu e vai ficar conosco? A surpresa veio no arreamento. – Chefe Onofre assumiu uma pose de “pobre coitado” e apresentou o novo chefe. Ou melhor, a nova Chefe. Dona Noêmia! Incrível! Ninguém estava acreditando, um fato impossível para muitos. Ela chegou séria com seu cabelo branco amarrado em um coque, um chalé em cima de uma blusa de manga comprida marrom, uma saia azul simples abaixo do joelho e um sapato aberto em cima de uma meia fina que parecia tirada do fundo do baú. Nunca em minha vida olhei para Dona Noêmia. Aquele foi à primeira vez. Um medo danado. Era magra. Magra mesmo. Um palito em pé. Alta pelo seu porte. Nariz afilado pontiagudo, uma boca pequena e entre o nariz e a boca um bigode ralo.

                   A cidade em peso não acreditou. Ninguém acreditava. Ela só disse oi e que nos veríamos na próxima reunião. Bragg! Que medo. Achei que ninguém ia aparecer. Até “sapo de fora” estava lá para ver. Ela chegou. Deus do céu! De uniforme caqui calça curta abaixo das canelas secas, sem o lenço e um chapéu que parecia ser maior que sua cabeça. Dirigiu o cerimonial com perfeição. Depois foi até o meio da ferradura, fez a saudação, disse a Promessa ela mesma colocou o lenço e virou para tropa dizendo – Confiem em mim como eu irei confiar em vocês. Foi o início. Chamou os Monitores. Falou com eles por cinco minutos. Vou dizer uma verdade foi a melhor reunião de tropa Escoteira que já participei. Onde ela aprendeu? Era Escoteira? Onde? As mulheres não só eram autorizadas na Alcatéia? Um mistério.

                   Dois anos com a Chefe Dona Noêmia. Ninguém tirava o dona. Um medo danado. Mas aos poucos fomos aprendendo a admirá-la, a gostar dela. Uma noite em um Fogo de Conselho ela nos contou uma bela história. De uma menina perdida cuja mãe morrera e ela não tinha ninguém. Sua luta, sua vontade em acertar, sozinha no mundo criou para si uma figura carismática com uma aureola de rigidez, para que ninguém pudesse aproveitar. Uma história linda e triste. Só mais tarde é que a história se explicou para mim, era a história dela. A tropa passou a amar a Chefe Dona Noêmia. Todos tinham a maior admiração. Antes poucos sorrisos agora em profusão. A cidade não entendeu nada. Ainda no Grupo Escolar e entre seus alunos hoje crescidos o medo existia. Na tropa adorada pelos escoteiros.

                Dois anos e quatros meses de felicidade na tropa Escoteira. Cheguei a tirar minha Primeira Classe. Pensava triste quando fosse passar para os seniores. Não queria. Sem saber eu amava nossa nova Chefe. Mas sabia que não podia continuar com quinze anos. Um sábado a Chefe Dona Noêmia não apareceu. Preocupação geral. Nunca faltou. Toda a tropa resolveu ir saber o que ouve. Fomos juntos a sua casa. Medo de bater na porta. Mas eu fui. A porta estava encostada. Tremendo abri e vi a Chefe Dona Noêmia caída no chão. Ainda respirava. Pedimos ajuda. Levada ao hospital foi constatado que ela sofria do coração. Ficou entre a vida e a morte vinte dias. Na tropa não sabíamos o que fazer. A Corte de Honra se declarou em sessão permanente todos os sábados. Numa quinta Chefe Dona Noêmia se foi.

               O escotismo para mim nunca mais foi o mesmo. Mesmo nos seniores uma saudade “danada” da Chefe Dona Noêmia. Ainda lembro até hoje o mutirão que fizemos a procura de rosas brancas para suas exéquias. Nunca vi tantas em seu tumulo. Todos os escoteiros acharam que eram suas preferidas. Quando ela subiu aos céus um perfume delicioso cobriu todos os Escoteiros que estavam presentes. Dizem que até hoje ele permanece naquela lousa. Ate hoje uma vez por mês ainda vou lá. Em frente ao seu tumulo coloco um buquê de rosas brancas. Dou um sorriso. Na minha mente faço sempre a mesma oração. A única que aprendi e que me disseram ser a mais linda dos escoteiros: - "Senhor meu grande monitor, Dá-me a Bravura dos Bandeirantes, a Coragem dos Guerreiros, a Humildade dos monges. Dai-me a Lealdade dos Cavaleiros, a Honradez dos justos, a Força dos Animais, a Limpidez das Águas, e um Coração que saiba ouvir, entender, e amar aqueles que me cercam” E que a Dona Noêmia descanse em paz!
Assim Seja!


Boa noite meus amigos, um belo sonho, uma noite feliz e um amanhecer glorioso!

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

E o sonho de Pato Manco se realizou.


Lendas Escoteiras.
E o sonho de Pato Manco se realizou.

               Quanto Pato Manco nasceu sua mãe virou as costas e disse – Não é meu filho! Todos ficaram embasbacados com esta exclamação. Uma mãe dizer isto? Quem sabe por que nasceu sorrindo e não chorou? Diziam na época que quando isto acontece o bebê é filho do Coisa Ruim. Bem os médicos não acreditavam nisto. No hospital de Ponte do Rio Verde ele foi bem tratado. Com cinco dias mandaram chamar Dona Neném e ela relutantemente foi buscar seu filho. Notou que uma perna era mais curta que a outra, um aleijado como filho? Batizou como Mitico da Anunciação Carneiro. – Dona Neném, não existe este nome. Mitico eu nunca vi! Ela foi irredutível. Onde teria achado este nome? Zózimo seu marido que morreu foi quem lhe contou de um tal Mitíco que morreu de doença matada quando ele era menino. Aos trancos e barrancos ela o criou. Mitico custou para aprender a andar. Sua perna doía horrivelmente quando dava um passo. Ela lhe dava umas palmadas na bunda gritando – Anda vagabundo! Não vou carregar você à vida toda!

              Logo que entrou para a escola todos os chamavam de Pato Manco. Que seja ele pensava, melhor que Mitico que foi apedrejado em sua cidade. Mas o que ele fez para isto? Ele pensava. Sua mãe nunca lhe contou. O pior era que ele sempre foi o melhor da classe e mesmo com seu esforço sua professora dona Naildes o olhava com um místico de desprezo. Pato Manco nunca perguntou por quê. Acostumou com a cidade quase em peso lhe virando as costas, jogando pedras e o chamando de coisas impublicáveis. Quase não saia de casa a não ser para ir à escola. Sua mãe nunca lhe deu amor, carinho nada. Ele nunca cobrou, pois não sabia o que era isto. Achava que sua vida seria assim e não tinha motivos para reclamar. Nunca pensou o que seria quando crescesse. Não tinha amigos na cidade e só Vitória o olhava com um misto de piedade que ele não gostava. Vitória era da sua classe. Um dia ela sorriu para ele. Seguiu seu caminho, pois nunca poderia falar com ela. Sabia que por onde passasse todos iriam gritar alto e o chamar de Pato Manco. Que chamem pensou. Até o Padre Nestor não o olhava com bons olhos. Ele sabia o que aconteceu com Mitico em Arroio Seco e quando olhava para Pato Manco pensava estar vendo tudo de novo como se fosse um filme.

             Pato Manco naquela manhã estava sentado no degrau de sua casa. Estavam em férias e não havia escola. Ruim, pois mesmo sendo maltratado ele gostava da escola. Ouviu o som de uma fanfarra. Impossível pensou. Só no aniversário da cidade ou no Sete de Setembro. No começo da sua rua ele avistou a fanfarra. Estranhou. Não era de sua cidade. Quando passaram em frente sua casa ele ficou embasbacado. Dezenas de meninos de calças curtas, Chapelão, um lenço no pescoço e uma mochila nas costas. Cada um tinha um pedaço de pau nas mãos. – Que coisa maravilhosa era aquela? Pensou Pato Manco. Não deu outra, como centenas de meninos da cidade ele foi atrás deles. Marchavam tal e qual o Tiro de Guerra. Ele sorria e mesmo sentindo uma dor terrível nas pernas não desistiu. Quando subiram o morro para o Bairro das Palmeiras ele custou a subir também. Ficou para trás, mas eles viraram para o Colégio Dom Bosco. No bosque estava um caminhão cheio de tralhas.

                Em poucas horas eles armaram as barracas e muitos já faziam comida em seus fogões de barro. Pato Manco não pensava, agora ele só via, cheirava a comida, e sua audição pescava tudo que a meninada dizia. Falaram Sempre Alerta, falaram Monitor, cozinheiro e Pato Manco cada vez mais se apaixonava por eles. Alguém bateu em suas costas – Virou e viu uma menina da idade dele. – Quer almoçar conosco? Pato Manco ficou apalermado. Nunca ninguém dirigiu a palavra assim para ele e nunca o convidaram para nada. Aceitou e foi com a menina. Ela lhe deu um prato de esmalte, uma colher e um canequinho de esmalte. Sorriu para ele. Deus meu! Isto é a felicidade que tanto falam? – Ele pensou. Entrou na fila, comeu com todo mundo. Achou bonito todos rezarem. Ele não entendia nada, mas rezou também. Já estava escurecendo quando Seu Mateus o chamou. Sua mãe me mandou buscar você! Ele não queria sair dali, mas tinha um medo danado dela. Foi embora e todos os meninos e meninas apertaram sua mão e o convidaram para voltar lá no dia seguinte.

                  Pato Manco levantou cedo. Chegou lá quando eles faziam ginástica. Ele sabia que não conseguiria fazer. Mas quando terminou muitos dos meninos da Gaivota vieram lhe abraçar. Foram dias maravilhosos. Ele não brincou com tudo que fizeram, mas até esqueceu um pouco sua dor na perna que sempre o fazia sofrer. Quando a noite chegou o convidaram para um fogo. Nunca tinha visto nada vida. Foi o dia que chorou. Pato Manco aprendeu a não chorar. Ele sofria com sua perna, sofria com falta de amor de sua mãe, e com a meninada a jogar pedra nele na rua. Agora era diferente. Nunca pensou que podia existir uma fogueira assim, onde todos cantavam, riam, brincavam e faziam cinema em volta do fogo. De novo Seu Mateus a chamá-lo. No dia seguinte correu de novo para os Escoteiros. Quando chegou lá já eram onze da manhã. O bosque que estavam estava vazio. Sem perceber correu até a estação de trem. Eles estavam lá esperando para embarcar. Muitos dos moleques da cidade estavam lá vendo os Escoteiros partirem. Sempre a gritar Pato Manco! Pato Manco! Eles não sabiam que onde estava só sentia felicidade.

                  Seu Mateus foi à estação procurá-lo. Não encontrou. Pato Manco sumiu. O delegado mandou um investigador atrás dele na capital. Foi na cidade onde o Grupo Escoteiro que foi acampar existia. Ninguém sabia dele. Deram adeus sim, quando o trem partiu e viram chorando e correndo junto ao vagão, mas ele caiu em uma moita de capim e não o viram mais. Dona Neném não chorou. Que ele suma para sempre!  Só meu deu transtornos e infelicidade. Passaram-se trinta e cinco anos. Dona Neném estava com quase setenta anos. Entrevada em uma cadeira de rodas ela vivia as custas de esmolas pelas ruas da cidade. Na esquina da Avenida dos Perdizes com a Marechal Deodoro viu quando um enorme carro negro entrou na cidade. Todos vieram ver. O carro parou ao seu lado. Uma senhora distinta de cabelos brancos com um chalé nos ombros desceu e foi até ela. Um homem de cabelos brancos, com um terno muito elegante e com uma bengala de prata desceu do carro e foi até ela. Ela o olhou e não sabia o que dizer. Reconheceu logo o seu filho. Seus olhos ficaram marejados de lágrima.


               - Mamãe, ele disse baixinho quase sussurrando. Mamãe está na hora de ir para casa. Eu vim te buscar. Dois homens fortes de terno e óculos escuros a pegaram e colocaram na limusine. Dona Neném não sabia o que dizer, só sabia chorar. Ali entre aquela senhora distinta e seu filho ela não tinha palavras. Só as lagrimas a machucar seu coração pelo que fez ao seu filho quando menino. Toda a multidão viram os três abraçados soluçando profundamente. O carro partiu. A cidade em peso lá – Alguém perguntou: Seria o Pato Manco? Um zum, zum percorreu a multidão. E a senhora distinta? Não seria a Vitória?

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Como era verde o meu vale!


Lendas Escoteiras.
Como era verde o meu vale!

Nunca conheci meu vale, Nos meus sonhos era verde na primavera lilás no inverno e dourado no outono, mas era meu vale, lindo, e ali podia viver meus sonhos. Que nunca mais esqueci!

                     Ninguém acreditou quando viu. Nem eu mesmo. Inacreditável! Impossível! Médicos, psicólogos todos aqueles que deram sua contribuição para a recuperação de Aninha se estivessem alí, estariam tão perplexos como eu. Tudo fora tentando no passado. Longas viagens, passeios, terapia, enfim, seria por assim dizer uma interminável lista, com todos os tipos de tratamento e sujestões. Eu desconhecia esse fato. Nem mesmo me dei por achado quando me falaram de Aninha. Aninha! Olhos negros, pequenos, nariz afilado, cabelos encaracolados negros e cortados curtos. Nos seus sete anos não chamava atenção, quieta no seu canto, sem sorrir, sem olhar para ninguem. Sempre voltada para o nada, como se estivesse em outro mundo, em outra dimensão.

                   Só fui conhecer a historia de Aninha, muitos anos depois quando tentaram enturmá-la em uma matilha na alcateia do grupo que participava. O que me disseram foi uma historia fragmentada, onde nada se ligava, a não ser sua profunda tristeza, fechada em sí propria. Quando nasceu seus pais não observavam nada de anormal em Aninha. Claro, quase nunca chorava. Rir? Nunca viram. Aos dois anos desconfiaram que ela tivesse algum problema. Não sabiam o que era. Não tinham a menor idéia. Entretanto, verificaram que ela tinha toda caracteristica de uma criança autista. Afastava-se do mundo, das meninas de sua idade. Inclusive dos seus próprios pais.

                 Ela vivia sozinha. Fechada em seu mundo. Não fazia amigos. Quando chamada muitas vezes nem respondia. Seus olhos não tinham uma direção fixa. Aqui e ali e nunca olhava ninguem diretamente. Parecia procurar algum no infinito. Brincadeiras com outras crianças? Nunca. Bem Aninha falava corretamente. Pelo menos a fala era perfeita. Mas o que mais entristecia aos seus pais, era o sorriso. Nunca viram Aninha sorrir. Nem chorar. Na escola seus professores sentiam enorme dificuldade em acompanhá-la. Aconselharam aos seus pais que procurassem ajuda especializada. Alí na companhia daquelas crianças ela não se enturmava, não se desenvolvia e tudo que eles fizessem não era do seu agrado.

                Seus pais levaram Aninha a diversos medicos, terapeutas, psicólogos e nenhum deles foram capazes de diagnosticar o que se passava com Aninha. Descartaram a possibilidade de ser ela autista. Todos os testes indicavam o contrário. Os pais de Aninha faziam de tudo. Nos fins de semana a levavam em cinemas, shopings, parques, tudo onde diziam que as crianças sorriam e brincavam. Aninha não. Levavam uma vida modesta. Seu pai trabalhava em um Banco na cidade, e seu salário era acanhado. Mas o suficiente para que desse todo conforto a sua familia e principalmente a Aninha.

                Um dia, eu estava em casa, revendo um filme e que tinha visto diversas vezes. Um dos meus preferidos. “Como Era Verde o Meu Vale". É um daqueles filmes que ficam na lembrança para sempre.  Acho que, mesmo para quem já o assistiu revê-lo é reviver as mesmas emoções movidas pela história do jovem Huw e de sua família.  Há quem diga que ele era o preferido do diretor John Ford.  Talvez uma das grandes causas do sucesso desse filme seja o fato dele criar, de alguma forma, um forte sentimento de família que persiste mesmo enfrentando a obrobpobreza, greves, acidentes etc. Deu-me um estalo! Eureka! Quem sabe o escotismo pode ajudar?

                 Liguei para a Akelá Silvia na mesma hora, passava da meia noite, e falei sobre Aninha. Ela já conhecia a historia. Perguntei se tentaram convidá-la a ingressar na alcatéia. Ela me disse que a familia esteve lá em duas reuniões. Entretanto Aninha não mostrou nenhum entusiasmo. Nem mesmo ficou prestando atenção a movimentação das lobinhas. Não me dei por vencido. Eu acreditava que devia existir uma maneira de Aninha se interessar por alguma coisa que poderia ser a solução para ela. O escotismo poderia ser a fórmula para a felicidade de Aninha. Felicidade = P + (5xE) + (3xA). Não conhecem? Nem eu. Inventei agora. E isso me fez acreditar mais e mais no que pretendia fazer. Eu sabia que esta fórmula é a chave mestra da força do movimento escoteiro.

                Estudei meu plano nos minimos detalhes. Falei com os pais de Aninha, com a Akela, com o Diretor Técnico sobre o plano. Riram de mim. Com que base diz isso? Se tantos especialistas tentaram e não conseguiram, voce agora achou a fórmula certa? Falavam. Mas eu acreditava. Queria o aval de todos. Os pais de Aninha não se animaram, mas tampouco foram contra. Tinham tentado tudo e sempre nutriam a esperança de ver Aninha sorrir. Só uma vez bastaria diziam. Não sabiam como era seu sorriso. Ela nunca sorriu. O dia chegou. Eu não tinha medo ou receio. Se desse certo, teria feito meu papel escoteiro da boa ação. Se desse errado, paciencia. Sempre devemos tentar. Se um dia formos nos criticar, que seja por ter feito e não por ter deixado de fazer. O dia foi de sol, a tarde uma linda tarde prenunciava o sucesso no meu empreendimento. Eu acreditava piamente que daria certo. Fui à casa de Aninha. Tudo estava preparado. Esperamos dar umas oito horas da noite. Ela dormia profundamente. Sua mãe a carregou até o carro.

                A viagem foi curta. Chegamos logo ao sitio onde a Alcateia Waingunga acantonava. Eu sabia que o Fogo de Conselho seria por volta das nove da noite. Teriamos que transportar Aninha sem ela acordar, até o local, e ali sentada em uma cadeira de praia e no escuro, Aninha seria acordada com a chegada das lobinhas, que caladas iriam ficar em volta da fogueira e dando as mãos cantariam bem alto a Canção do Fogo do Conselho. Aninha acordaria e vendo as chamas altas e tantas meninas alegres e cantando poderia levar um choque de felicidade. Seria possivel?  Quando contei para os coadjuvantes todo o plano eles riram a valer. Incrédulos! Em acreditava que ia dar certo. Todos os chefes presentes e os pais olhavam para Aninha. A espera fora infindável. A canção terminou, o fogo crepitou as chamas subiram ao alto, os passaros norturnos piavam, até uma coruja voou de seu ninho em busca de sossego. Aninha acordou espantada, surpresa e assustada. Ficou em pé, e vendo tantas lobinhas dançando em volta do fogo, eis que o inusitado aconteceu. Aninha passou a seguir os passos das outras. Cantava baixinho: ¶ Na Roca do Conselho, o uivo do Aquelá. E na Jângal distante, respondem os Lobinhos - Au au u u. Au Au u u. ¶¶.

                   Aninha agora sorria, brincava e cantava com as outras meninas. Seus pais pularam de contentes, o sorriso deles era contagiante. Os incrédulos de olhos arregalados, não acreditavam no que viam. Durante todo o Fogo de Conselho Aninha participou ativamente. Esqueceu os seus pais. Suas amigas agora eram as meninas da matilha Marron. Fora adotada e muito bem recebida por elas. Em pouco tempo ela conhecia tudo da Jangal. No monte Seone, onde habitava a alcatéia sua mente vivia agora. Conhecia o Rio Waigunga, que corre dos montes Seone e forma os pântanos nas baixadas, não esquecia nenhuma parte quando contava a historia de Oodeypore, a cidade onde nasceu Mowgly e onde Bagheera a pantera negra esteve presa.

               Aninha mudou. Muito mesmo. Ninguem explicava como podia ter acontecido assim. Seus pais comentavam com amigos que o escotismo é a formula do sucesso para os jovens. Todos os sábios doutores tentaram e nada conseguiram. Agora em um simples Fogo de Conselho aconteceu à cura de sua filha. Eles se transformaram. Suas tristezas acabaram. Encontraram a fórmula da felicidade junto com ela. Aninha fez a promessa, um dia sem sol, mas parecia que o vento sul trazia toda a força dos Campos de Bhurtpore. Foi um dia que marcou muito. Eu estava lá. Não podia perder. Era como se Hathi e seus filhos também estivessem presentes. Aninhados em um degrau da escada Baghera e Baloo se deliciavam com a promessa de Aninha. Enroscada no mastro da bandeira, Kaa ria e dizia, “Somos do mesmo sangue, tu e eu!” O lobo Gris e seus irmãos davam um grande uivo de felicidade. Até mesmo os Bandar-log, o povo macaco, agora tambem estava feliz ali, vendo Aninha dizendo com todo amor: “Prometo, fazer o melhor possivel para...”

               Muito tempo depois, fiquei sabendo que Aninha em sua casa chamava seus pais, e alí com o fogo da lareira acesa, contava historias da Jangal e soube tambem que alguns parentes, vizinhos e amigos se reunião para sentir a força da felicidade de Aninha, quando ela contava ou narrava com sua voz linda, em pé, olhando nos olhos de todos em sua volta e apontando um por um dizia, - Voces precisam conhecer a Lei da Jangal, Baloo, o urso pardo sempre dizia que essa lei vigora na selva e é antiga como o céu. Dizia ainda que assim como o cipo que envolve a árvore, a Lei do Lobinho envolve todos nós.

              Aninha ficava horas narrando. Ninguem arredava o pé. Pareciam encantados como se Kaa a serpente ali tivesse passado. Conheceram todas as personagens, e até tinham medo de Shere Khan.  – Porque voce matou? Perguntou Hathi, pelo prazer de matar? Shere Khan respondeu isso mesmo. Era meu direito. A noite é minha voce sabe. Que direito é esse de que fala Shere Khan? Perguntou Mowgly. É uma historia antiga, tão velha quanto à propria selva. Então Hathi narrou cabisbaixo, descrevendo como o medo se apoderou dos habitantes do outro lado do rio. Mas essa é uma outra história...

              Foi maravilhosa a recuperação de Aninha. A Alcateia Waingunga passou a ser outra. Agora Aninha dava o toque da alegria e da felicidade. Ninguem ria mais que ela, quando brincava ou jogava era como se fosse à primeira vez. Entregava-se de corpo e alma. A matilha marron nunca mais foi à mesma. Corria, saltitava, gritavam e Aninha mostrava a todos sua mais suprema alegria e felicidade do mundo. É como Aninha mudou. Como o escotismo faz milagres. Lembro-me que um dia lí, não me lembro onde, que cada pessoa que passa na nossa vida, passa sozinha, porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra. Ela não nos deixa só, porque deixa um pouco de sí e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que as pessoas não se encontram por acaso.

              Não sei por que, me lembrei de outro filme, famoso, uma ficção cientifica cujo título era Blade Runner. Em um momento triunfal, onde a justiça e a coragem se fazem presentes, o androide antes de morrer disse – “Eu vi coisas que voces nunca acreditariam. Naves de ataque em chamas perto da Borda de Orion. Vi uma luz do farol cintiliar no escuro, na Comporta Tannhauser. Esses momentos todos se perderam no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer”. Nada há ver. Não irei morrer. Mas ví muito mais. Ví Aninha sorrir. Valeu uma vida e esses momentos nunca se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. Para mim, o sol brilha de uma maneira firme. Quem viu Aninha sorrir pela primeira vez, nunca mais vai esquecer.

             O tempo passou. Mudei de cidade, nunca mais ouvi falar na Aninha. Agora deve estar uma moça feita com seus 18 anos. Tenho certeza que ainda está sorrindo. Sua vida agora é outra. Todo o passado se foi e ela aprendeu a sorrir, descobriu a felicidade. O porquê de antes e o porquê de agora, não sei explicar. Não sou psicólogo. Nem um doutor entendido no assunto. Mas sou um escoteiro, e sei por natureza que o escoteiro vive sorrindo, a vida para ele é bela e é formada de doces e grandes momentos de alegria e felicidade.


            Sei também que as dificuldades ele o escoteiro deixa em um canto do armário, um dia vai lá e dá um jeito nela. Ajudando o próximo, amando seus irmãos e sendo amigos de todos, não importa quem. Ele, o escoteiro faz a sua felicidade. Eu acho que sou feliz, muito. Contribui para que Aninha descobrisse a fórmula. Qual? Felicidade = P + (5xE) + (3xA) resultado- ESCOTISMO! Uma linda maneira de viver e ser feliz! Amo e adoro ser escoteiro!

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....