Lendas Escoteiras.
O céu que nos protege.
Lorraine tinha duvidas se era feliz. Um dia num passado muito distante fora
sim, muito feliz. Agora o presente e o passado se alternavam em sua mente e
hora sim hora não ela sorria ou chorava. Ela estava com os olhos semicerrados
no ônibus que retornava para a sede após mais um acantonamento com os lobinhos.
Todos dormiam. Fora uma atividade cansativa e muito divertida. Não tanto para
Lorraine. Como sempre duas mães da equipe de apoio só foram para ficar ao lado
dos seus filhos. Lorraine não gostava disto. Mas não eram só elas. Muitos
chefes no Grupo Escoteiro faziam o mesmo. A própria Akelá não era exceção. Uma
proteção que ela achava errado. Mas falar o que? Ela também entrara por causa
do Tony seu filho de sete anos. Tentava sempre manter uma distancia quando em
atividade. Seja na sede ou no campo. Explicou a ele. Tony era muito adulto e
isto a fazia se orgulhar. Mas o mesmo não acontecia com os outros.
Agora uma lágrima descia dos olhos de Lorraine. Uma tristeza infinita invadiu
sua mente e seu coração machucado batia descompassadamente. Ela sabia que Alfeu
seu esposo tinha outra. Não tinha mais dúvida. Eles de uns tempos para cá não
tinham mais aquela sintonia de almas gêmeas do passado. Os beijos, os abraços e
o “eu te amo” não existiam mais. Ela acreditava que este fora um dos motivos
por ter entrado no escotismo. No começo nem pensou em ajudar. Achava que seu
filho ali devia ter vida própria. Devia crescer interna e externamente, pois
isto era uma das finalidades do escotismo que tinha lido. A vida com Alfeu
agora lhe trazia inúmeras tristezas. Lembrou de que por duas vezes alcançou a
felicidade plena. A primeira quando casou, quando entrou na igreja num belo
vestido de noiva. Era uma tarde esplêndida na primavera e a igreja lotada.
Sorria de plena felicidade. Felicidade que em pouco tempo estava acabando. A
segunda foi quando Tony voltou da sua primeira reunião com a Alcatéia. Seu
sorriso não tinha preço. Ela sorria também com sua enorme felicidade.
Dois grandes problemas martelavam em sua mente
como se fossem insolúveis e a machucavam muito. Ela não sabia o que fazer. O
primeiro sua vida conjugal e o segundo a permanência nas fileiras do escotismo.
Ela sabia que Alfeu tinha outra. Chegava tarde, não a procurava mais no leito,
deixou de ser carinhoso e mesmo sendo uma mulher calma e ponderada ficou
completamente sem ação. Devia ter tomado à iniciativa, mas isto não fazia parte
de suas ações que sempre eram bem calculadas e pensadas. Mais dia menos dia ela
e Alfeu iriam se separar. Não era o fim do mundo, não era. Muitos casais se
separam, mas ela nunca imaginou que isto pudesse acontecer entre eles. E Tony?
Como reagiria? Alfeu sempre foi um bom pai. Apesar de não ter sido Escoteiro
não a proibia e até alimentava ilusões que um dia ele também pudesse
participar. Era um companheirão de Tony. Quando não havia atividades escoteiras
saiam para passear, ir a jogos de seu time preferido, e ver algum filme próprio
para a idade dele. Nestas horas sentia que ela não fazia parte da família. Ele
não a convidava mais.
No Grupo Escoteiro ainda se sentia uma intrusa. Dois anos lá. Alguns cursos de
formação. O Diretor Técnico se autonomeou como seu assessor pessoal. Nunca foi
seu amigo. Sentia que havia um distanciamento entre ele e a diretoria com os
demais chefes. Eram muito formais. Diziam para ela que o Grupo Escoteiro era
uma grande família, mas o exemplo que sentia na pele não demonstrava isto. O
grupo para ela era como se fosse sua antiga empresa quando ainda trabalhava
onde tudo era feito de maneira harmoniosa, mas formal. Muito formal. Eu aqui e
você aí, faça sua parte que eu faço a minha. A própria Akelá não era diferente
e mantinha um distanciamento com seus assistentes. Ela se sentia uma intrusa na
Alcatéia. Ela resistiu e continuou por causa de Tony. Ele sentia orgulho em ver
sua mãe de uniforme e isto era para ela um bálsamo pelos dissabores que estavam
acontecendo em sua vida.
Ao chegar em casa cansada da atividade e colocar Tony para dormir após o banho
e um lanche, ela sentou na sala e ficou pensando em sua vida. Ainda não era
onze da noite e Alfeu chegou. Bêbado. Ela sabia que ele estivera na farra.
Como sempre não disse nada. Nunca dizia. Ele foi quem puxou o assunto. -
Lorraine, eu vou me separar de você! – Lorraine ficou estática. Sua voz sumiu.
Não sabia o que dizer. Seu pensamento não dizia qual palavra deveria pronunciar
naquele momento... Alfeu subiu ao seu quarto, pegou algumas roupas e saiu pela
porta sem dizer adeus. Lorraine ficou ali, olhos marejados de lágrimas. Era
difícil pensar, não sabia o que fazer. Dormiu ali na poltrona e acordou com um
brilho na janela. Assustou. Foi até lá. Seu pai no jardim sorria. Ela queria
falar e não conseguia. Ele nada dizia e só sorria para ela como sempre fez
quando ainda vivo. A luz desapareceu. Seu pai se fora. Foi para seu quarto,
lembranças de Alfeu ainda estava viva em sua mente. Dormiu de novo.
Como sempre levantou cedo, preparou o café de Tony, viu quando ele
entrou na perua escolar. Era hora de ela partir para seu trabalho. Sabia que
eles a aceitariam de volta. Sempre fora boa funcionária. Passou um dia
horrível, o pior de toda sua vida. Ao voltar para casa viu Alfeu e sua nova namorada
na esquina, andando abraçados e rindo. Triste vida a minha pensou. Chegou em
casa, encontrou Tony alegre a brincar com Thiago um lobo seu vizinho. Olhou
para as duas crianças, como era bom ser assim, sem problemas, sem tristezas e o
futuro? O dela já estava marcado. Lembrou de seu pai sorrindo, olhou para os
dois jovens que sorriam, seu coração doía, mas ela não podia continuar assim. A
vida continua tudo passa, se fazermos a junção das duas podemos dizer – Tudo
passa e a vida continua. Quem foi que disse que se um dia a felicidade acabar, então a tristeza um dia
também deixará de existir? Melhor é continuar. Esperou a noite para conversar
com Tony. Ele silencioso ouviu sem retrucar. Alfeu nunca mais apareceu em sua
vida.
Hoje Lorraine continua no Grupo
Escoteiro. Resolveu fazer ela mesma sua vida ali. Sorria para todos, nunca
disse a ninguém o que aconteceu com ela. Passou a receber elogios em seu
trabalho. Não digo que esqueceu Alfeu. Não havia como, mas agora ele não
participava mais de sua vida. A noite em suas orações pedia por ele. Que ele
fosse feliz. Tony perguntava às vezes pelo seu pai. Ela sabia que ele não tinha
ódios e nem rancores. Se um dia ele aparecer, será bem vindo, mas nunca em vida
de família. Neste ele não teria seu lugar.
Lorraine aprendeu que a felicidade não está no fim da jornada,
e sim em cada curva do caminho que percorremos para encontrá-la. Ela não iria
procurar a verdade fora dela mesma. Ela sabia quer a verdade estava com
ela. Ela sabia que ela estava em sua fé interior. Em seu coração para todo o sempre!
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