Conversa ao
pé do fogo.
Pedras
brancas de gelo na Mata do Quati.
Atemporal do tempo.
Vale a pena recordar.
12 de janeiro de
2015.
Dois dias que temporais
enormes caem sobre meu bairro. Ontem choveu granizo. Estava na minha varanda
observando e ouvindo o som das pedras de gelo sobre as telhas da varanda e na
minha rua. Música sublime para mim. Gosto disto, amo isto eu adoro a chuva. Não
sei por que ela se prendeu a mim e ficou presa no meu coração para sempre. Os
ventos batiam nas grades do portão e respingos me molhavam, não arredei o pé.
Precisava ficar ali, pois as recordações eram muitas. Voltei no tempo atemporal.
Seria como se eu tivesse a mágica de transitar no tempo sem necessariamente
pertencer ao passado o presente ou ao futuro. Sem querer me lembrei de um conto
que li – Sempre me lembro dele. Aqui coloco as suas últimas estrofes: - Ontem
chorei. Apronto agora
os meus pés na estrada. “Ponho-me a caminhar sob sol e vento”. Vou ali ser
feliz e já volto”. Um dia quem sabe
vou postar todo ele. Atemporal,
voltar no tempo sem medo de perder o presente e o futuro. Com toda aquela
borrasca que caia na minha rua, minha mente se foi. Plantou-se em um passado
que nunca esqueci.
20 de janeiro de 1958.
Seis Escoteiros Seniores. Olhos vivos a perscrutar com a vista todos os
lugares naquela noite escura, sem luar sem medo da chuva ou vento. Acampamentos
vividos que alguns não esqueciam jamais. Em volta do fogo, eles comiam banana
assada. Pareciam mais pioneiros que sêniores. A moda índia sentaram a vontade
naquele foguito e se esquentavam de uma
noite fria. Um “foguito” pequeno. Chamas baixas, muitas brasas para não
adormecer o café no bule, já perdendo seu esmalte de anos e anos de uso. – Parece
que vai chover. – Taozinho custava para falar. Era um sênior miúdo e de olhos
vivos. Minutos se passaram. – Gosto da chuva, adoro uma boa dificuldade debaixo
de tempestades. – Helinho ria para ele mesmo. Que o visse naquela hora achava
que estava louco. – Israel olhou de soslaio. Não disse nada. Ele nunca esqueceria
o acontecido. Darcy não perdia a pose de dar uma boa gargalhada. – Valeu! O melhor
acampamento que fizermos. – Chico o menorzinho dos seniores queria dizer alguma
coisa. Não sabia o que dizer. Eu estava com os olhos fechados. Queria reviver o
momento. Voltar no tempo. Sentir as tremuras, o medo e a força que fizemos em
reviver, em refazer um acampamento destruído.
04 de janeiro de 1954.
Cantantes, sorridentes, cada um já sabia o que fazer. O esqueleto da
barraca suspensa entre quatro árvores estava quase terminado. Faltava ainda
boas amarras nos tripés. Chico e Israel adentraram mais fundo na mata.
Precisavam de bons cipós que não quebravam. Sisal? Nem pensar. Nem existia
ainda. Aboletado lá no alto Israel e Taozinho elevavam no ar uma bela tora que
serviria de escada até o alto da árvore. Eu e Helinho terminávamos nossa
cozinha. Planos futuros para ela também ficar suspensa. Belos planos. O céu
escureceu. Tãozinho gritou! – Nuvens baixas cor de cobre? Todos juntos
responderam – É temporal que se descobre. Melhor armar duas barracas de duas
lonas para nos abrigar. O toldo foi jogado em cima da cozinha. Darcy correu a
cobrir o lenheiro. Uma patrulha que sabia o que fazer. Não eram amadores. Ploc!
Ploc! Uma pedra, duas um punhado. Pedras de gelo enormes!
20 de janeiro de 1958.
Em volta do “foguito” que dormitava
e queria apagar, cada um pensava na vida que tinham levado em belos
acampamentos no passado quando Escoteiros da Patrulha Leão. – Foi duro, não foi
fácil. Disse Helinho. Lembra Darcy das barracas? – Tãozinho riu. Ele não gostava
de rir. Viraram peneiras. Enterramos antes de voltarmos. Perdemos quase tudo. –
E o raio? Disse Darcy. Caiu como um chumaço na base do estrado que fazíamos para
as barracas. Não sobrou nada. – Silêncio profundo. Cada um voltava no tempo. Chico
levantou e pegou alguns biscoitos – Alguém aceita? Foi você Vado que correu na
frente de todo mundo para ficar embaixo da enorme aroeira? – Israel gargalhou
forte. – Ele parecia um corisco com medo da chuva! – Medo das pedras enormes
que caiam, eu disse. – Bons tempos, disse Israel. Dormimos presos uns aos
outros molhados sem poder ou sem onde abrigar. – Todos concordaram com um leve
levantar de sobrancelhas. Seniores, quando se encontram em volta de um “foguito”
tem histórias para contar. Um vento forte levantou fagulhas no ar. – Vai chover?
Disse Tãozinho. Se tem vento e depois água? – todos responderam: Deixe andar
que não faz mágoa. – Vou dormir eu
disse. Uns foram outros ficaram. Coisas gostosas para lembrar. Passado que se
foi.
12 de janeiro de
2015.
Meus olhos ficaram húmidos. Lembranças
sempre me tocam o coração. Tempos bons, tempos alegres, cheio de aventuras... Tempos
que não voltam mais. Olhei a chuva fininha que caia. Acalento para minha alma.
Outro dia recebi um telefonema. Era Israel. A mesma voz. O mesmo estilo mineiro
que adoro. Onde anda o Darcy? O Tãozinho? O Helinho? O Chico deve estar
zanzando por aí. Era o mais novo. Gente fina. Escoteiros e seniores que tiravam
o chapéu quando uma dama bonita passava por eles. Lembranças... Dizem que quem não
tem lembranças não viveu. Passou pelo tempo como se não tivesse passado. Hã
quanto não daria para entrar em uma máquina do tempo. Mas ela ao me levar teria
que fazer menino de novo. Dizem que foi Clarice quem disse: -
O tempo passa depressa demais e a
vida é tão curta. Então — para que eu não seja engolido pela voracidade das
horas e pelas novidades que fazem o tempo passar depressa — eu cultivo
um certo tédio. Degusto assim cada detestável minuto. E cultivo também o
vazio silêncio da eternidade da espécie. Quero viver muitos minutos num
só minuto.
E as pedras brancas embranqueceram
minha rua que tanto amo molhadas pela chuva que caia copiosamente!
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