terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A incrível paixão de Lourenço Malenkaia.


Lendas escoteiras.
A incrível paixão de Lourenço Malenkaia.

                     Ele era o Escoteiro mais querido no Grupo Escoteiro Mar de Espanha. Era admirado e todos sabiam dos seus feitos nos grandes acampamentos e nas jornadas intermináveis que fazia e deixava saudades por aqueles que tiveram a honra de participar com ele. Estou falando de Lourenço Malenkaia. Não foi da minha Patrulha, era da Leão. Mas ser seu amigo era motivo de orgulho. Alto, magro, cabelos louros encaracolados e sempre com um sorriso nos lábios, Lourenço Malenkaia sabia como  fazer amigos. Com quinze anos pediu ao Chefe se podia ficar até os dezesseis. Queria terminar sua Primeira Classe com chave de ouro. Pediu e o Chefe aceitou que fizesse a jornada sozinho. Queria ficar três dias, só ele, uma faca, um facão, uma manta, sal e óleo e mais nada. Seria seu desafio. Precisava provar a sí mesmo que sobreviveria.  As outras patrulhas assustaram. Como? – Isto é possível? De Lourenço Malenkaia nada era impossível.

                 Partiu sozinho em uma sexta pela manhã, garboso um sorriso enorme, atraindo olhares rumo a Mata do Roncador. Todos o olharam com orgulho. Mochila nas costas, um bastão a tiracolo e cantando “Avançam as Patrulhas” em marcha de estrada lá foi ele rumo à trilha do Cardim para atravessar o Rio Jambreiro na parte alta da fazenda Santa Cecília. Todos escoteiros ficaram ansiosos com sua volta. Era um fato inédito. Uma jornada sozinho? Nunca aconteceu. No domingo a tarde ele apareceu na curva do Urubu Rei, próximo à porteira do seu Nonato. Cantando, sorrindo, chapéu jogado para trás, mechas de cabelos louros caindo na testa uma passada que dava inveja lá foi ele para a sede onde se apresentou ao Chefe Jessé garbosamente – Pronto Chefe! Jornada realizada. Para dizer a verdade e pelo que eu saiba ninguém mais repetiu o feito de Lourenço Malenkaia. Dizem eu não sei bem que até hoje a Patrulha Leão é procurada por muitos para ler no Livro de Ata tudo que Lourenço Malenkaia fez e ali foi escrito.

                 Lourenço Malenkaia era filho do médico Doutor Arthur Malenkaia e de Dona Arminda Malenkaia, que trabalhava no Escritório do Advogado Pedreira. Não era um aluno brilhante, mas no Colégio Dom Pedro era muito querido. Eu e Lourenço Malenkaia não éramos íntimos. Nunca fomos. Até hoje não entendi porque ele me procurou naquela manhã de domingo. Pelo que me constava devia ter ido com sua Patrulha acampar nas margens do Rio Barão Vermelho em um acampamento de cinco dias. Eram férias de julho. Como meu pai adoecera e precisava de mim para abrir sua sapataria, fiquei em casa e não fui acampar. Ele adentrou na sapataria com os olhos tristes e chorosos. Eu estava sozinho engraxando alguns pares de sapato, que me daria uns trocados e o seu Sempre Alerta foi dado sem nenhuma alegria.

                    Preciso falar com você – disse. Fiquei calado. – Você conhece a Dorita Valverde? – Assustei. Claro que sim eu disse. – Estou perdidamente apaixonado por ela, disse de supetão.  Não sei o que fazer de minha vida. – Falar o que? Dorita Valverde não era a moça mais linda da cidade. Muito conhecida, era o dodói da garotada sedenta de amor. Sua fama de namoradeira e outras “cositas más” corria longe. Muitos diziam que era a única que deixava beijar com beijos de “língua”. Eu mesmo nem sabia o que era isto. Famosa na cidade principalmente pelos filhos dos bem aquinhoados. Vi que Lourenço Malenkaia estava de cabeça baixa. Soluçava. – Não sei o que fazer! Não quero conselhos. Acho que estou louco. Nunca pensei em ficar assim. Amor para mim sempre foi uma bobagem que em escoteiros como  nós nunca vai e não pode acontecer. Quer saber? – Se amar pode nos deixar loucos então estou louco. – Deus do céu! O que estava acontecendo com Lourenço Malenkaia?

                  Eu sempre fui bom ouvinte. Ficamos horas debaixo da aroeira frondosa da Praça São Joaquim jogando conversa fora naquela noite. Nada demovia seu intento. Disse que ela o beijou sem ele esperar no muro atrás do Colégio das Irmãs Caritas. – Fui pego de surpresa – Mas que beijo! Senti sua língua na minha boca. Sensação incrível! Nunca imaginei que isto pudesse acontecer. Não sei meu amigo, acredite virei seu escravo na hora! – Porque não procura o Chefe? Falei. – Não, ele não vai me ajudar. Vai ficar falando, falando dando conselhos e acho que ele nem sabe o que é um amor de verdade. – Mas você só tem dezesseis anos! – Ainda nem sabe o que é a vida! – Sei sim disse, sei que agora minha paixão por ela é única. Sei ainda que ela ri de mim, fala de mim como se fosse um bobão, mas eu sei que a amo. Meu amor é a essência de minha alma.  Nunca vou deixar de amar Dorita Valverde.

                Verdade que não podia aconselhar Lourenço Malenkaia. Não tinha namorada firme, e acho que era até um pouco inocente destas coisas. Beijo? Nem pensar. De língua então me assustava. Olhe, tudo complicou na vida de Lourenço Malenkaia. Seu pai o deixou preso em casa. Não quis estudar mais. Um desastre na família. O tempo foi passando. Lourenço Malenkaia foi definhando. Cresceu mas era um trapo de homem. Quem viu aquele belo Escoteiro não acreditava no que via agora. Soube que o internaram no famoso Hospício de Barbacena. Hoje considerado um padrão no histórico centro Hospitalar Psiquiátrico um dos melhores do Brasil.                  Tantas coisas aconteceram em minha vida que Lourenço Malenkaia foi como uma página virada que não mais me dizia respeito. Já tinha lido romances sobre grandes amores, mas o de Lourenço Malenkaia e Dorita Valverde não tinha igual. Muitos anos depois estava em Capistrano Ferreira onde tentava vender uma colheitadeira para o fazendeiro Don Antonio Leismael. Á noite, cidade pequena, sem cinema, sem TV fui tomar uma cervejinha gelada no “Vale das Flores”. Eu estava com trinta e dois anos e claro, casado, ali só uma fugidinha e mais nada. Entrei na Boate da Rosinha. Até estranhei o luxo. Sentei em uma mesa do canto e logo uma morena linda me rodeou. “Minina” eu disse, só uma cerveja, não me leve a mal, mas sem companhia.

                  Bebericava calmamente ouvindo o barulho do Xaxado tocando por uma bandinha  e eis que aparece nada mais nada menos que Lourenço Malenkaia! Em pé me olhou e disse: - Vado! O Escoteiro engraxate da Patrulha Lobo? – Sorri. Eu mesmo Lourenço Malenkaia. Nunca pensei em encontrá-lo ainda mais aqui. Ele sentou. Sorrindo me contou em poucas palavras sua vida. – Olhe meu amigo, ando sempre atrás dela, você sabe que sempre amei Dorita Valverde. Não conheço nenhuma outra razão para amar assim. Nunca a deixei. Sou até hoje seu escravo. Dizem meu amigo que o amor é como o vento. Não podemos ver, mas podemos sentir. Internaram-me em Barbacena. Fugi de lá. Vaguei por terras desconhecidas e ao chegar aqui encontrei de novo minha amada.

                   Ela é dona desta boate. Pouco liga para mim. De vez em quando me dá um pouco de seu carinho. Aprendi a aceitar as migalhas que ela me dá. Sou louco mesmo. Louco de amor. Fiz da minha vida um sonho imperfeito. Só vivo a me arrastar por esta mulher. Se amar é um afeto, uma ilusão eu a amo demais. Uma loucura todos dizem, mas sou louco mesmo meu amigo. Ele sorria docemente. Pediu um guaraná. Uma mulher meio gorducha, toda “embonecada”, mas com feições belas se aproximou. Deu para reconhecer. Era Dorita Valverde. Deu um beijo na testa de Lourenço Malenkaia. E lá se foi entre as dezenas de clientes da boate que pediam sua companhia. Nem me olhou. Claro não me conhecia - E o escotismo? Perguntei. - Nunca mais. Era um amor que tinha no peito e foi substituído por esta paixão avassaladora. Não disse mais nada. Tomei o último copo e parti. Nunca mais o vi. Vida é vida, história é história. Destino é destino. Escolhas são escolhas e o livro arbítrio de cada um não pode ser alterado ou ignorado.


                    O sonho de um menino Escoteiro fugiu em uma nuvem que se espalhou no céu. Não dá para segurar a brisa e o orvalho da manhã. O melhor é esperar o vermelho do sol nascente. Ele pode trazer alegrias para uns e tristezas para outros. São recordações que sumiram como o vento forte que pegou de jeito uma Patrulha em uma ravina qualquer. Nem deu tempo de alertar para fincar os chapéus. Afinal escoteiros também amam? Amor é uma palavra que poucos ainda souberam explicar com exatidão. Mas a felicidade não é a minha. A felicidade é a de quem achou um dia ter encontrado uma razão para viver. Lourenço Malenkaia e Dorita Valverde encontraram seu verdadeiro amor. Diferente do que muitos acham que vale a pena. Que eles sejam felizes para sempre! 

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