Lendas
Escoteiras.
O destino de
Naná que nunca foi Escoteira.
Não vamos crucificar Naná, afinal
com seus catorze anos se sentia como moça feita. Diziam que era namoradeira,
passava em revista todos os jovens de sua idade ou mais do bairro onde morava.
Todos diziam que ela gostava de usar saias curtinhas se pintava demais e outros
tantos, e quando passava pela rua ninguém perdia o seu andar de modelo nota
dez. As moçoilas há invejavam. Tinham um enorme ciúme por ela ser bonita e
vistosa. Ela trazia a cobiça de muitos homens do lugar. Mas Naná não era assim
como diziam, era bem diferente. Namorava sim, pois sempre procurou sua alma
gêmea e nunca encontrou. Nunca deixou que alguém a tocasse. Seus namoros eram
em casa e sempre quando sua mãe estava presente. Vestia-se como gostava e nunca
seria uma Filha de Maria como muitas, que se cobrem da cabeça aos pés, mas que
no escurinho haja lugar para se esconder com seus namorados. Mas a língua do
povo todos sabem como é venenosa! Cruel! Que machuca fundo no coração, pois
ninguém importava se ela ficaria triste se iria chorar ou sorrir. Problema
dela, diziam.
Todo mundo tem seu dia em
que sua vida vai mudar para sempre. É só esperar e ele acontece. Faz parte do
livre arbítrio onde podemos escolher nosso caminho para toda a vida. Naná soube
por uma vizinha que uma Editora na Praça da Liberdade estava aceitando jovens
escritores para um concurso que iria se realizar proximamente. Pegou o ônibus
no terminal da Lapa. Vazio, escolheu o lugar para sentar. Juntou as folhas da
história que tinha escrito poucas folhas não mais de que vinte. Ela poderia ser
escolhida? Não sabia. Seu conto era simples, tipo a Gata Borralheira do século
XXII. Ela gostava, o lia todos os dias. Eis que no ponto da Coriolano subiu
diversas jovens escoteiras. Ela não as conhecia de perto. Já tinha visto seus
uniformes, já tinha lido sobre elas, mas nunca se aprofundou o que era e como
se faz escotismo. Elas sorriam, cantavam baixinho, sempre em grupo, e uma Chefe
dos seus trinta anos que olhava para elas como se fossem suas filhas.
Naná se encantou com elas.
Várias sorriram quando olharam para aquela menina, de sainha curta, muito batom
e cabelos curtos bem penteados. – Você gosta assim? Perguntou uma delas. Naná
não soube responder. Outras conversaram com ela e a aceitaram como ela estava
sem criticas, sem olhares maldosos. Ao descer na Estação da Luz ela ouviu a voz da Chefe – Mocinha quer ir
conhecer os segredos da Estação da Luz conosco? – Porque não pensou Naná. –
Para não se perder vais ficar na Patrulha Cisne Branco. Naná sorriu
internamente. Que seria isto? Melhor aceitar, pois ela estava gostando das
meninas. Nunca tinha feito amizades assim e as que tinha não podia confiar.
Claro que tinha um objetivo, mas que podia ser adiado. Agora estava disposta a
conhecer as Escoteiras e claro os segredos da Estação da Luz.
Foi o dia mais bonito na vida
de Naná. Quando elas partiram deixando o endereço da sede seus olhos se
encheram de lágrimas. A sede não era longe e nem perto. Tinha que tomar uma
condução e a viagem seria de mais ou menos uma hora. Daria tudo para ser uma
delas, pois sempre se considerou só, amigas que não se podia confiar e
encontrou nas Escoteiras uma sinceridade nata, pois sempre diziam que a
Escoteira é amiga de todos e irmãos dos demais Escoteiros. Lindo isto. Nunca
pensou que alguém poderia dizer isto para ela. Os dias foram passando e Naná
adiando conhecer a sede das Escoteiras. Veio o Natal, o ano novo e o carnaval.
Naná nem se lembrava mais das Escoteiras e voltou a sua rotina. Uma tarde de
maio o carteiro entregou uma correspondência. Ficou surpresa. Nunca tinha
recebido uma a não ser os desaforados e-mails que as moçoilas do seu bairro
enviava a ela.
- Naná, nunca esquecemos de você.
Ficamos todas esperançosas de sua visita. Você não veio. Sabemos que isto
acontece em muitos jovens. Nossa Chefe já dizia que nem todos nasceram para
participar da tropa de Baden-Powell. Mas lembre-se nossas portas estão abertas
sempre. Sua presença será para nós uma honra! – E agora? Naná não aguentou e
chorou. Seu coração bateu forte. O que é isto meu Deus! Nunca ninguém disse ou
escreveu para mim assim! Mostrou a carta para sua mãe. Ela a incentivou a
visitar as escoteiras. Ela sabia que iria, sabia que elas com aquela cartinha a
tinham conquistado. Foi a uma lan house perto de sua casa. Não tinham
computador pois o dinheiro era escasso. Ficou horas lá pesquisando sobre
escotismo. Muita coisa incompreensíveis para ela, mas adorou como elas
aprendiam a viver a vida ao ar livre. Já tinha decidido. Seria uma Escoteira. E
olhe seria para sempre. Preparou-se no sábado com um vestido simples mais
comprido e não usou nenhuma maquiagem. Tinha um boné que ganhou de um americano
e o colocou na cabeça. No ponto a espera do ônibus ela só tinha sonhos de como
seria ser mais uma, agora pertencendo a uma grande fraternidade que diziam não
ter fronteiras.
O ônibus não estava cheio.
Sentou perto da porta. Quando ia dar a partida o motorista foi surpreendido por
vários rapazes marginais encapuzados. Jogaram gasolina e botaram fogo. Não
houve tempo para nada, o fogo se alastrou por todo o interior do ônibus. Naná
tentou sair, mas a porta trazeira estava fechada. Na sua frente uma senhora com
um filho pequeno no colo gritava. Tirou seu sapato e quebrou o vidro empurrando
a filha da mulher pela janela e lá fora alguém o segurou. Ela e a mulher não
conseguiram sair. Morreram queimadas em um ônibus, em uma tarde sonolenta de
abril. O mundo continuava a existir. Em muitos lares o sorriso estava firme com
as famílias que viviam um amor fraternal. Alguém a ajudou a sair do ônibus. Viu
seu corpo lá fora e centenas de pessoas olhando o ônibus já com as chamas se
apagando. Sentiu a pessoa que a abraçava e dizia – Vamos minha filha, não há
mais nada a fazer aqui. Olhou bem e viu que esta pessoa estava com um uniforme
de Escoteira. Subiu aos céus com ela. Seus olhos brilhantes não choravam mais,
não sentia mais dores era como se ela estivesse protegida por alguém que sempre
a amava muito. Passaram perto da lua, e escondido entre as estrelas ela chegou
ao seu destino.
Nenhum comentário:
Postar um comentário