Lendas
Escoteiras.
A
mais linda canção Escoteira de todos os tempos!
Ainda bem que temos lembranças. Saudosas
lembranças. São cicatrizes gostosas que ficam marcadas para sempre. Estou aqui
sozinho, olhando o céu, sem nuvens, cinzento e minha mente volta no tempo
lembrando tudo que tive e vivi como Escoteiro. Fui abençoado por Deus, ele me
proporcionou tudo isto, amigos maravilhosos, jovens esplêndidos, grandes
amizades e uma fraternidade sem par. Tive a honra de conhecer as maravilhas que
o escotismo nos trás. Hora de puro deleite, de meditação, de sorrisos,
alegrias, felicidade. Eu gosto de lembrar-me de pensar como tudo foi bom em
minha vida. Estou aqui ouvindo a canção que sempre ouço as tardes pensando em
meu passado. Na minha vitrola antiga, gira o LP de Guy Lombardo, e fico a ouvir
a suave melodia. É uma musica que toca em todos os corações escoteiros. Auld
Lang Syne. Nada mais nada menos que a Canção da Despedida. Dizem que significa
“velho longo, uma vez que” ou “muito tempo atrás”, ou então “como nos velhos
tempos”. É um poema escocês, escrito por Robert Burns em 1788 e ajustada para
uma tradicional melodia popular, bem conhecida no velho mundo.
Gostaria de saber
quem foi o Escoteiro que adaptou tão maravilhosa letra para nós escoteiros.
Claro, estava ouvindo em inglês, mas quantas saudades, quantas recordações. Ela
toca profundamente. Bate fundo no peito. De vez em quando dói e outras vezes
nos trás a certeza que vamos nos reunir outra vez. A mente corre para uma
clareira na floresta, olhando um fogo crepitante, com o coração firme, ardente
esperando que vá ter bis, vai repetir e vamos juntos, dizer: - Não é mais que
um até logo, não é mais que um breve adeus... Belo! Simplesmente belo. Não há
como dizer outra coisa. Meu nome? Chefe Joel Mistran Moraes, ex-chefe. Oitenta e
seis anos. Você não me conhece. Sou um antigo escoteiro. Hoje aposentado só
vivo de lembranças. Um dos meus passatempos favoritos. Elas ainda me ajudam a
viver. Foi um passado brilhante, saudoso, gostoso e o que mais este
"Velho" tem? Tenho filhos, netos, e apesar das dificuldades do meu
corpo não me obedecer mais, fico aqui imaginando e agradecendo a Deus por ter
me dado tantas alegrias e lembrar-me de tantas e tantas passagens, de um tempo
maravilhoso que já se foi.
Não dá para esquecer
meu primeiro acampamento. Faz tempo. Final da década de trinta, novo na
patrulha, onze anos, lobinho de coração. Estranho no ninho. Medo, receio. Uma
nova etapa. Sem minha Akelá e o Balu para me proteger. Lágrimas brotaram quando
fiz a passagem. Aos poucos fui acostumando. Ângelo o Monitor, grande
companheiro. Até quando casei lá estava ele ao meu lado como meu padrinho.
Algumas excursões, mas nada como este acampamento. Seis dias. Mata fechada.
Selva para mim inóspita, Pânico no primeiro dia. Depois, barracas montadas,
cozinha coberta, fogão suspenso, sala de refeições, fossas, Até WC fizemos! Quando
a noite chegava, estava em pandarecos. Mas orgulhoso. Era mais um na patrulha.
Ajudei, colaborei. Dormia o sono dos justos. Só acordava com alguém me chamando
ou puxando meu pé. E tudo continuava a sorrir com meus amigos, fazendo,
construindo, aprendendo, brincando. Deus! Eram aventuras maravilhosas.
Escaladas (tremia) balsas, pistas de animais, mosquitos, predadores,
escorpiões, cobras (que medo!), colher goiabas, mangas, abacate, nas mais altas
árvores.
Penúltimo dia orgulhoso em
ser um Lobo, irmão das demais. Amigos, fraternos, uma chefia maravilhosa. Então
a surpresa. Um Fogo de Conselho só da tropa. Senhor! Olhe, fico arrepiado só de
lembrar. Ficou marcado para sempre. Ria, cantava, batias palmas, pulava,
corria, e então... E então... Todos deram as mãos em volta do fogo e começaram
a cantar. Eu a principio não conhecia a letra, aos poucos fui entendo. Meu
Deus! Que música maravilhosa! Tocou-me fundo no coração. Impossível agüentar a
emoção. “Não é mais que um até logo”! Onze anos e chorando. Lágrimas descendo
no meu rosto. Mãos entrelaçadas, apertando uma as outras. Parou a canção.
Final, fogueira crepitando, estrelas no céu. Vento frio, brisa no rosto, cheiro
da terra, do capim meloso, grilo saltitando, vagalumes aqui e ali querendo
mostrar seu brilho. Silencio. Lagrimas caindo, uns olhando para os outros,
tentando disfarçar. Trombeta tocando. Reunir! Boa noite, Corte de Honra,
oração.
Fui para a barraca com um
sorriso enorme! Deitei, coloquei as mãos debaixo da cabeça, olhava para o teto
da barraca, ele desaparecia. Agora via estrelas piscando no céu. Chorei. De
alegria, de saber que tinha encontrado amigos, irmãos e que agora pertencia a uma
grande Fraternidade Escoteira. Agora eu era um deles, um escoteiro, um privilégio
de poucos! Foi a primeira grande emoção. A Canção da despedida marca. Chorei
depois muitas vezes quando novamente cantei em volta do fogo. Nunca deu para
esconder está minha fraqueza. Até hoje não consigo explicar. Se ela dói se
machuca se uma saudade gritante fala par nós. É uma situação inusitada. Se contarmos
para um amigo ou amiga, eles vão rir. Vão achar que somos bobos, tolos. Não
entendem. Não sabem o que é isto. Nunca vão saber... Centenas, talvez milhares
de vezes lá eu estava participando com orgulho. Dizia a mim mesmo que não mais
iria chorar. Engano. Bebê chorão! Sempre ali, lagrimas e lágrimas escorrendo no
rosto, caindo e molhando a terra, nosso chão abençoado.
Cresci. Tornei-me adulto. Agora
era chefe, Cursos, Acampamentos Nacionais, regionais, internacionais viagens,
indabas, fóruns, congressos nacionais e internacionais, Jamborees. Conhecendo centenas
e milhares de irmãos escoteiros. E em todos eles lá estavam os chorões. Choravam
quando se despediam alguns querendo ser durões, mas sempre uma pequena lágrima
caindo, descendo devagar pelo rosto... Como não perder as esperanças? Seria
isto um breve adeus? A primeira vez, que chorei quando cantava, quando
despertei para o escotismo, nunca esqueci e jamais esquecerei. Dizem que a
primeira vez a gente nunca esquece. Mas teve uma vez que me marcou
profundamente. No México, 1963. Convite para participar de uma solenidade
especial de grupo amigo, um irmão escotista de coração que conheci em encontros
internacionais e Jamborees. Uma amizade sólida. Juarez Benito Santos. Da cidade
de Hermosillo, capital do estado de Sonora. 30 anos de fundação do Grupo
Escoteiro. Vários outros grupos irmãos. Achei que dava para enrolar no idioma.
Nada. Um paspalho era eu para entender o que diziam. Mas quem disse que em
acampamentos escoteiros precisamos disto? Parece que falamos um só idioma.
Claro, somos iguais em todas as nações.
Nossa! Marcou
mesmo. Incrível os escoteiros mexicanos. Gente simples, leal, sem altivez.
Tocaram meu coração. Mas quando chegou à hora da despedida! Ah! Não, não queria
sair dali. Chorei copiosamente. Um marmanjo. Trinta e quatro anos! Abrindo a
boca, lágrimas e lágrimas descendo pelo rosto. E quando terminou a canção? Vieram
todos me abraçar, chorando também, dizendo, - “No te vayas, te queremos,
quédade nosotros”... Quem agüenta? Diga-me meu amigo, quem? E no dia seguinte,
a tomar o trem para a cidade do México, lá estavam eles na estação, barulhentos,
amigos, abraçando, cantando canções típicas, e quando o trem foi se afastando,
cantaram de novo a Canção da Despedida. Rapaz foi incrível suportar! Impossível!
E repetiam, repetiam – “No te vayas, te queremos, quédade nosotros”! Marcou meu
amigo. Marcou. Passageiros ao meu lado não entendiam. Um deles se aproximou. Be
Prepared! Americano, boy Scouts. Incrível! Que movimento é este? Deus do céu!
O tempo passa. Tudo
passa, só não passam as lembranças. Dizem que quem não as tem não viveu. Hoje, como
sempre acontece às tardes, estou aqui sentado nesta cadeira de balanço, na
varanda da minha casa, uma garoa miúda molhando o asfalto, um pequeno cobertor
nas minhas pernas, que hoje não mais me obedecem. Levou-me a lugares incríveis.
Minha respiração ofegante, o ar faltando, corpo sem graça, relutante, mas a
mente! Ah a minha mente! Busca incessante! Errante! De tudo aquilo que já vivi.
Que me desculpem os amigos, mas estou ouvindo Auld Lang Syne (A Canção da
Despedida) e chorando. Minhas lágrimas não molham a terra, não há mais
florestas onde posso ir cantar e viver. Mas olhem, sinto um enorme orgulho, fui
Escoteiro! E serei escoteiro até morrer. Eu sou mesmo um abençoado por Deus! Deu-me
mais do que eu merecia! Sinto que meu corpo não obedece. Minha mente vai
apagando. Meus olhos piscam querendo fechar. Sinto no peito uma dor aguda e uma
pontada no coração. Não sei se e de saudades ou...
E quem estivesse
ali naquela varanda, veria a alegria estampada no rosto daquele "Velho",
vestido com sua camisa caqui, seu lenço de Giwell, preso pelo anel trançado, o
chapéu de três bicos no seu colo. Suas barbas brancas, cabelos brancos soltos
na testa, olhos semicerrados, um sorriso nos lábios, e seu coração parando
devagar. Uma pequena lágrima tentava correr pelo seu rosto, uma luz faiscante,
brilhante saindo de dentro dele, dois lindos anjos ao seu lado, levando-o para
grandes nuvens brancas no céu, e meu Deus! Uma grande Orquestra Sinfônica,
regida pelo Santo Gabriel, tocando maravilhosamente “Auld Lang Syne”, e
acompanhada pelo maravilhoso coro dos querubins, com todos os uniformes
escoteiros do mundo, mãos entrelaçadas, num grande círculo de amor, vozes
maravilhosas entoando em uníssemos...
Porque perder a esperança, de nos
tornar a ver...
Porque perder a esperança, se há
tanto querer.
Não é mais que um até logo, não é
mais que um breve adeus,
Bem cedo, junto ao fogo, tornaremos
a nos ver...
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