Lendas
Escoteiras.
O despertar
para a vida da Tropa Escoteira Kerexu.
J. Silva era bom ouvinte. Aprendeu
com seu pai que um simples olhar dava para entender tudo o que se passava com
ele. Era calmo, honesto e tinha o mais importante que considerava em sua vida.
Honra! Dela não abria mão. Sua
honra era a sua identidade, documento que lhe abre passagem para trilhar
qualquer caminho do mundo. É um documento para toda a vida. Um bem imaterial
incomparável, insubstituível. Nesta sexta feira J. Silva estava cansado,
pensava em deixar para segunda a estante que prometeu a dona Naná. Mas ele
prometeu e sua palavra para ele tinha enorme valor. Olhou de soslaio quando o
Padre Jerry adentrou na sua marcenaria. Fazia seis anos que seu pai fora para o
céu e ele prometeu não vender e nem fechar a marcenaria. Não era o que sonhava,
pensava em ir para a capital e lá entrar em uma faculdade. Mas sonhos precisam
de tempo para se realizar. O Padre Jerry foi direto ao assunto que o levava ali
– J. Silva, o Conselho Paroquial aprovou em sua última reunião, o início de um
Grupo Escoteiro aqui na cidade. Já fizeram varias reuniões e agora busca entre
nossos cidadãos os que poderiam assumir como chefes.
J. Silva calado e calado ficou.
Não demonstrou surpresa do assunto do Padre. – Olhe, continuou o Padre Jerry,
ficamos sabendo que você já foi escoteiro. Um antigo morador de Monte Mor onde
você nasceu, disse que lá havia um grupo e você ficou por muitos anos! – J.
Silva sorriu de leve. Tempos idos, belos tempos pensou. O Padre Jerry começou a
ficar incomodado com o silêncio dele. – Afinal, você gostaria de conversar
sobre isto? Perguntou o Padre. – J. Silva se assentou em um banquinho e deu sua
cadeira para o Padre não sem antes limpar a poeira da madeira. – Padre – Disse
ele, o senhor sabe que não frequento a igreja, na verdade sou espiritualista.
Nada contra a religião de ninguém, todas elas têm o caminho de Deus. Pense
nisto antes de insistir no convite. Fui Escoteiro por seis anos e se um dia
voltasse seria para fazer o escotismo que aprendi. – O Padre sorriu. – Vamos
conversar melhor na reunião deste sábado as nove na paróquia. Você aceita nosso
convite?
J. Silva fechou a marcenaria e
foi para casa. Morava sozinho. Tinha 25 anos e poucos amigos. Em Rio Corrente
quando seus pais mudaram para ali ele se sentiu sozinho. Tinha dezoito anos e
muitos planos. Todos deram errado. Há seis meses ficou noivo de Rosinha e
achava que ao lado dela teria uma vida feliz. Nesta noite mesmo conversou com
ela. Disse o que pensava. Rosinha sorriu e disse: - Você decide J. Silva, se
acha que vai lhe dar alegria entre se não agradeça e continue sua vida. No
sábado as nove em ponto ele estava lá. Nem todos haviam chegado. Pontualidade
escoteira ali começa mal. Só às nove e meia à reunião começou. Doutor Bartomeu
Presidente da Associação dos Lojistas falou por muito tempo. Sorria o tempo
todo. Para ele o escotismo seria uma festa. Milhares de Escoteiros correndo pela
cidade, limpando jardins, pintando e lavando monumentos, eles comprariam uma
grande fanfarra, os desfiles seriam fantásticos. Enfim ele queria começar logo,
fazer a promessa de todos no adro da Paróquia. Que festa! – ele dizia. A
população em peso! Os vereadores já prometeram um decreto, o prefeito uma verba.
Seria o maior acontecimento de todos os tempos que Rio Corrente já teve.
J. Silva não disse nada. Parecia
que na reunião ele já estava contratado e deveria obedecer as ordens da
diretoria. O Pior é que havia um dirigente do distrito presente para dar a
Autorização Provisória e concordou com tudo. No final vieram cumprimentá-lo e
J. Silva falou baixinho para o Padre Jerry. – Desculpe padre, mas não posso
aceitar. O Padre surpreso quis saber o porquê. Podemos conversar outro dia? O
tema é longo e eu não posso mudar minhas convicções. O Padre o convidou para
uma conversa no dia seguinte. J. Silva não era de falar muito. Ele sabia o que
era escotismo, como devia ser. No Salão Paroquial ele o Padre Jerry conversaram
por horas. Foi difícil para J. Silva falar tanto. – Ele aceitaria dentro do
método escoteiro. Ele não iria fazer festa, não iria comandar tantos mil
Escoteiros. Seriam apenas oito no inicio e 28 a 32 quatro meses depois. Ele
escolheria os oito. Futuros Monitores lideres, iria prepará-los, adestrá-los e
então quando estivessem prontos chamariam os demais meninos inscritos por ordem
de inscrição.
O Padre Jerry arregalou os
olhos. Entendeu tudo que J. Silva explicou. Não existe educação em massa Padre.
A educação tem de ser para cada indivíduo em especial. Seis dias depois o Padre
Jerry voltou a sua marcenaria. – J. Silva, a diretoria em peso pediu demissão.
Não concordavam, queriam uma festa, uma promessa de mil meninos jurando a
bandeira. Você será nosso mentor, você dará as diretrizes para todas as
sessões. Quando começamos? J. Silva riu. Mas aceitou o desafio. Nova diretoria
foi eleita. Pessoas que entendiam de educação e formação. Pela primeira vez J.
Silva sorriu e arregaçou as mangas. Rosinha deu todo apoio. Os oito jovens se
tornaram seus amigos para sempre. Seriam os monitores e subs monitores. J.
Silva explicou a eles que seriam o baluarte da tropa. Em um acampamento à noite
em uma conversa ao pé do foto, os meninos Escoteiros escolheram em votação
individual o nome da nova tropa – Kerexu
que significava em Guarani Lua crescente. Deixaram os nomes das
patrulhas quando estivessem todos. Aí sim a patrulha poderia sugerir e votar no
nome que gostassem. O grito foi da mesma maneira. Tudo democraticamente.
Em fins de setembro, os oito
meninos fizeram o juramento a bandeira. Pais foram convidados, o Padre Jerry
sorria, a diretoria participou. Houve sim uma festa, uma mesa farta de comes e
bebes festejando o nascer de uma nova era, um novo grupo uma nova tropa. O Padre
sentiu um orgulho próprio daqueles oitos jovens já tão pequerruchos elevados à
líder de patrulha. Mas ele tinha ouvido de J. Silva que eram lideres para
liderarem e serem liderados. Seriam o irmão mais vivido que os demais. J. Silva
estava orgulhoso, agora sim teremos um Grupo Escoteiro que sabe onde pisa. Sem
desmerecer a ninguém a festa é deles, dos jovens promessados. O orgulho de ser
mais um na grande fraternidade mundial eram marcantes. J. Silva sabia o que
estava fazendo. Sabia que ele não era o único, todos ali tinham direitos e
deveres. Nada seria feito sem o consentimento deles e nenhum programa deixaria
de ter a participação de todos.
Passaram-se cinquenta
anos. J. Silva com seus setenta e três nos finais de semana ficava em sua
varanda conversando com Rosinha e esperando chegar seus dois filhos homens já
casados e que iam visitá-lo toda semana. Netinho ainda era Chefe Escoteiro. O
foi por todo o tempo da sua juventude e nunca abandonou. Waltinho quando adulto
não quis continuar. J. Silva sabia que o escotismo não foi feito para formar
chefes, foi feito para formar cidadãos dignos na sua trilha perfeita que é a lei e a
promessa. Que respeitem suas convicções religiosas, que aprendessem que honra e
palavra não são simples palavras. È algum que se aprende e levar dentro do
peito e na mente por toda a vida. Não era mais Chefe de tropa. Agora só um
Velho Chefe Escoteiro. Ia ao Grupo Escoteiro vez ou outra, se orgulhava das
três Alcateias, das três tropas, das duas tropas seniores e do Clã
pioneiro. Sorria orgulhoso com as moças
que vieram dar nova fisionomia ao escotismo. Bem vindas. Assim é a vida
Escoteira, saber começar com poucos para ter um futuro promissor!
Nenhum comentário:
Postar um comentário