domingo, 30 de agosto de 2015

E Mister Nagy chegou à cidade.


Lendas Escoteiras.
E Mister Nagy chegou à cidade.

                             Duas e meia da tarde. O ônibus parou no ponto final em frente à Praça Afonso Pena. Mister Nagy desceu com sua pose número quatro. Ele tinha várias. A de grande Chefe, a de tristeza, a de piedade, a de devoto e a de admiração. Um ator nato Mister Nagy. Desta vez estava com seu uniforme de tergal caqui, e ninguém diria que ele tinha feito uma viagem de doze horas com ele. Estava impecável. O lenço bem postado, o meião com as estrias perfeitas e podia medir os quatro dedos da dobra. O cinto marrom nem parecia Velho de tanto que ele engraxava. A fivela brilhava parecia ouro puro. O chapéu já gasto com o tempo nem parecia ter seu tempo de uso por anos e anos de escotismo. Quem dera Mister Nagy não tinha o escotismo no coração. Era um escroque. Um enganador, um falsário um fingido que merecia o desprezo de todo mundo. Sorrindo com pose de grande chefão se dirigiu ao melhor hotel da cidade. Melhor? Bem era o único.

                            Loreta a arrumadeira sorriu quando ele entrou. Nos seus 35 anos e solteira ainda sonhava com um príncipe encantado. Polyana atendia atrás de um balcão marrom e ficou encantada com os trejeitos e cavalheirismo de mister Nagy. – Pois não senhor? – Um quarto senhorita, o melhor, por favor! – Assine aqui e só escreva quantos dias irá ficar. Mister Nagy a olhou e seu sorriso fez tremer Polyana. Seu coração gritou que ela estava amando com seus dezessete anos de idade. – Pode me dizer quem é o Chefe do Grupo Escoteiro da Cidade? – Pastor Walfrido senhor! – Mora há dois quarteirões do hotel. – Obrigado. Mister Nagy esfregou as mãos de contente. Desta vez não iria sair da cidade com mixarias como as outras. Em Ponte Azul conseguiu cinco mil, em Valdória oito mil. Lembrou-se do seu maior golpe em Serra Dourada. Quase cem mil! Ficou sem “trabalhar” por meses. No seu quarto tomou um banho, usou um perfume barato, passou “gumex” nos cabelos, não se esqueceu do se lenço da Insígnia de Madeira e desceu com seu sorriso encantador saindo à procura do Pastor Walfrido.

                            Era uma templo simples, pequeno, mas ele sabia que ali era uma mina de dinheiro. Todas as igrejas sempre geravam rendas enormes dos seus seguidores. Ninguem na templo. Bateu palmas, uma senhora muito educada perguntou: - Quer falar com o Pastor? – Está lá nos fundos cuidando da hora comunitária. O Senhor pode entrar e ele vai receber o Senhor. O Pastor era baixinho, pequeno mesmo, magro, jeitão de caipira nordestino. Com uma enxada capinava um canteiro ajudado por mais cinco fieis. Assustou quando viu Mister Nagy, lavou as mãos correndo e veio cumprimenta-lo. Mister Nagy s apresentou: Pastor sou Comissário da UEB com uma missão sublime. Estamos para fechar, nossas finanças foram bloqueadas e não temos como manter o escotismo brasileiro. O Senhor sabe o que o novo presidente fez com nossas poupanças!

                         Pastor Walfrido o convidou para irem até sua casa. Sua esposa veio correndo para cumprimenta-lo. Na porta do Tempo começaram a chegar escoteiros, lobinhos, seniores e pioneiros. Todos já estavam sabendo do figurão Escoteiro que chegou a cidade. – Grade Chefe! O que eu posso fazer para ajudar? Colaborar meu caro Pastor. Em nome de Deus o senhor tem de conversar com todos os jovens e adultos, pais, mães, simpatizantes e se conhecer algum politico tentar convencê-lo a ajudar a União dos Escoteiros do Brasil. Nosso escotismo não pode acabar! Pastor Walfrido esfregou as mãos. Tinha dúvidas, mas se ele não fosse honesto não estaria de uniforme. Que Deus lhe iluminasse para conseguir o possível para a UEB. A ordem foi expedida e duas horas depois a sede cheia de meninos escoteiros. Muitos adultos e simpatizantes. Mister Nagy esfregou as mãos de contente. Desta vez vou enricar pensou.

                            A coleta demorou quatro dias. Não era muito, mas chegava a mais de vinte mil reais. Alcione tinha oito anos. Lobinha desde os sete. Pegou na mão de Mister Nagy. – Minha vó quer conhecer o senhor. Pode ir hoje à minha casa? Mister Nagy não podia dizer não. Foi com Alcione. Uma casa prá lá de humilde. Um barraco por assim dizer. Mas limpa de corpo e alma. Quando entrou a Vó de Alcione tentou ficar em pé para recebê-lo. Quase não conseguiu. – Fiz um café para o senhor, também tem um pedaço de bolo. Os olhos de Mister Nagy correu pela casa, uma cozinha e uma sala conjugada. Três cadeiras. Um fogão a lenha. Uma cristaleira com o vidro quebrado. Era de uma pobreza sem igual. Doutor Chefão disse a Vó de Alcione após o café. Alcione me contou as dificuldades dos escoteiros do Brasil. Eu só tenho trinta reais até chegar o fim do mês. Mas vou tirar vinte para o senhor. Alcione concordou ficarmos sem jantar por duas semanas. E nosso escotismo merece muito mais. Mister Nagy estava irrequieto. Não sabia o que dizer, tinha vergonha de abrir a boca para agradecer.

                           No dia da sua partida a praça estava cheia. Todos queriam dizer adeus. Mister Nagy nunca pensou que seria assim. Saia das cidades onde dava seus golpes sorrindo e chamando todo mundo de otário. Quando Alcione com suas mãozinhas cheias de flores lhe deu uma rosa branca Mister Nagy chorou. Ela pôs a mão em sua face – Não chore Chefão. Diga ao Escoteiro Chefe que nós tentamos ajudar. Se um dia a gente puder ajuntar mais algum vamos enviar para o senhor! Vovó me disse que quando receber o Salario Mínimo que ela tem direito vai dar mais duzentos reais! Chefe Nagy não aguentou mais. Chorava a cântaros. Em sua mente ele se amaldiçoava. O Pastor Walfrido veio até ele e pediu desculpas por não terem mais. O Grupo Escoteiro deu um bravo para ele. Apressado subiu para o ônibus. Na sua poltrona um velhinho banguelo e sorridente enfiou a mão no bolso, tirou cinco reais e deu para ele.


                           O ônibus partiu. Cinco dias depois o Delegado Lamparina chegou à cidade. Procurou o Pastor Walfrido. Tirou da maleta um saco cheio de dinheiro. O pastor assustou. – Pastor! Ele disse. Mister Nagy se entregou na minha cidade. Disse o que era, um escroque e ladrão. Resolveu devolver o dinheiro de vocês. Aqui pensou em dar mais um golpe como tantos outros que aplicou em diversas cidades em nome de um movimento escoteiro que ele nunca pertenceu. Estudou sim como eram, mas nada entendia. Roubou de um Chefe um uniforme. Ele disse que quer ser julgado e condenado. E se um dia sair, se o aceitarem irá trabalhar para o senhor. Sem salário, bastaria a comida e uma cama! Pastor Walfrido chorou ali no seu tempo silencioso. Agradeceu a Jesus pela alma de Mister Nagy. Ele já lhe dera o perdão porque quando apareceu pela primeira vez sabia quem ele era. Tinha lido em uma revista. – Mas ele se perguntava: Quem sou eu para condenar? 

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Porque não contar uma historia?


Conversa ao pé do fogo.
Porque não contar uma historia?

                    “Não há quem resista a boas histórias. Nas páginas dos livros, dos jornais e das revistas, na tela do computador e na televisão, narradas presencialmente ou transmitidas pelo rádio... Seja lá onde e como aparecem, elas encantam, amedrontam, fazem rir ou chorar, assustam e são capazes de levar, ainda que em pensamento, há lugares distantes. Para pessoas de qualquer idade, especialmente as crianças”. E quem resiste a uma história bem contada ao pé do fogo? Vendo o crepitar da fogueira, olhando como hipnotizado para as fagulhas que se espalham no céu, e como um lobinho feliz abre os olhos e ouvidos para ouvir e viajar na história que o Chefe ou um lobo está contando? A mente está ali fixa no conto, que vai desenrolar uma aventura e ele parte célere junto à história com as personagens. Pode agora ser um herói, um explorador, um grande acampador e naquela história tudo se confunde com sua vida e seus sonhos.

                  “Contar histórias é uma das mais belas ocupações humanas: E a Grécia assim o compreendeu, divinizando Homero que não era mais que um sublime contador de contos da carochinha” Todas as outras ocupações humanas tendem mais ou menos a explorar o homem; só essa de contar histórias se dedica amoravelmente a entretê-lo, o que tantas vezes equivale a consolá-lo. Infelizmente, quase sempre, os contistas estragam os seus contos por os encherem de literatura, de tanta literatura que nos sufoca a vida! Dizia Eça de Queiróz. Mas eu gosto de começar e terminar um conto, uma história. Seja uma lenda, ou seja, real. Um dia descobri as histórias das mil e uma noites. Conta à lenda que na antiga Pérsia o Rei Shariar descobre que foi traído pela esposa, que tinha um servo por amante, o Rei despeitado e enfurecido matou os dois. Depois, toma uma terrível decisão: todas as noites, casar-se-ia com uma nova mulher e, na manhã seguinte, ordenaria a sua execução, para nunca mais ser traído. É uma boa historia, um dia conto uma delas por aqui.

                         Quem não gosta de contar uma história? Dizem que contar histórias é uma arte, pode até ser, mas é uma arte gostosa, palatável de agrado geral. Histórias se contam em todos os lugares, mas nos Fogo de Conselhos e Conversas ao Pé do Fogo elas têm seu lugar. A fogueira alta, o contador de história ilustrando sua narração e fazendo seus gestos, em voz pausada ou mais alta, tentando mostrar as personagens, e todos de olhos fixos tentando ser mais um participante daquela história maravilhosa. Os olhos da moçada não piscam. Sei que até mesmo os adultos se sentem hipnotizados pelo narrador e sua historia. Mesmo aqueles que já estiveram ali por muitas vezes são atraídos pelos grilos e pirilampos com suas luzes brilhantes e saltitantes parecem querer também participar da história. É lindo estar ali com amigos, vendo um céu de estrelas, ouvindo o piar de uma coruja escondida em um carvalho com seus olhos brilhantes em um galho qualquer.

É gostoso demais ouvir o ruído da noite, um contador de histórias perfeito, a gente enrolado na manta se enrosca em um tronco para melhor sentir o calor da história. Nas brasas o bule de café, e enquanto a história vai sendo contada alguém dedilha um violão encantado baixinho, um toque saudoso ao luar. Ouvidos atentos, olhar penetrante cada um vai sentido o ar puro da floresta invadir a seara do Fogo de Conselho. Em determinada hora se ouve os sapos coaxando na lagoa próxima. A brisa não para de soprar. Os velhos mateiros sabem que já está na hora de ouvir o canto do Uirapuru lá bem no fundo da floresta. É um fogo especial, não tem hora para terminar. Outras histórias serão contadas, uma peça bem montada, alguém dá uma gargalhada e quem sabe pode até chorar. Contadores de Histórias atraem até os anjos lá do céu. E você meu amigo que está a ler, se achegue, se assente, venha ouvir e cantar conosco. Sinta-se em casa e se quiser, pode contar uma história, duas o quanto quiser...


“Era uma vez... Num país muito distante, em uma linda floresta verde e amarela como as cores do Brasil, uma matilha e uma patrulha resolveram um dia acampar”...

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Samuel Escoteiro e as Sete Pragas de Rio Mimoso.


Lendas Escoteiras.
Samuel Escoteiro e as Sete Pragas de Rio Mimoso.

                  Estava eu em Pocitos (Montevidéu) e uma bela surpresa aconteceu, em carne e osso o Chefe Lépido (Marco Emilio Lépido) Gente fina. O conheci ha muitos anos em um Seminário Internacional Escoteiro em San José na Costa Rica. Ficamos amigos. Amicíssimos. Fazia mais de dois anos que não o via. Sentamos em um Café de frente para o mar e conversamos até altas horas da madrugada. Eu iria retornar ao Brasil no dia seguinte e ele iria partir para a Cidade do Cabo na África do Sul. Lépido era um emérito contador de histórias. Eu gostava do jeito dele. Narrava e vivia com as mãos e o corpo o desenrolar da história. Depois de gostosos Martines ele como sempre me contou uma das suas histórias. – Meu amigo foi em Rio Mimoso. Não tinha mais que vinte mil habitantes. Gostei muito do Grupo Escoteiro de lá. Turma excelente. Foi um Escoteiro de nome Samuel, de treze anos que me contou a história de Rabequita. Folclore da cidade, sem pais e só sabiam que ela morava no Morro da Tristeza. Morar lá era o fim do mundo. Rabequita andava o dia inteiro pela cidade apoquentando todo mundo. Falava palavrões, e todos corriam dela como o diabo corre da cruz. Só podia ser maluca diziam. Porque não a internam num hospício por ai?  O Prefeito Bafodonça tinha medo dela. O Dr. Pasquelino Gonzaga Juiz de Direito nunca chegou perto dela. O Delegado Praxedes lavou as mãos. Que ela morra, pois nem no seu enterro pretendo ir. E dava boas risadas.

                 Quem não gostava dela era as Damas dos Bons Costumes da cidade. Faziam tudo para sumir com ela de lá. – Tinham ódio de Rabequita. Ela só tinha um fã. Samuel da Patrulha Corvo. Todo sábado pela manhã, antes da reunião ele a levava a sua casa para tomar banho. Só tomava banho aos sábados. Sua mãe bem velhinha sorria e apoiava o filho. Ele conseguia roupas limpas para ela junto às famílias escoteiras. Ninguém entendia nada. Todos ficavam espantados quando ele segurava sua mão e sem nenhum palavrão o seguia. Rabequita gostava de Samuel. Depois do banho Samuel Escoteiro oferecia um lauto almoço. De lá ia para reunião Escoteira sorrindo e cantando. Era sua boa ação e se orgulhava dela. O Chefe Calango gostava de Samuel. Gostava da boa ação de Samuel. O mês de janeiro prometia. Um sol escaldante, nada de chuva. A represa que abastecia a cidade estava secando. As damas do Bom Costume rezavam. Pediam a São Tomás de Aquino e não a São Pedro para ele trazer chuva. Tantas procissões que os Escoteiros preferiam acampar em vez de ficar rezando. Não adianta diziam!

                   Rabequita só olhava de longe e dava gargalhadas enormes. – Alcoviteiras, viúvas de São Pedro, vagabundas da cidade ela gritava em cima de um caminhão Velho enquanto a procissão passava. As Damas ficavam tiriricas da vida. Seu Bispo! Onde vamos parar? Dom Casmurro (o padre) não sabia o que dizer. O bispo telefonou ao prefeito que telefonou ao juiz que telefonou ao Delegado e nada. Rabequita não parava de praguejar. Uma noite dormiu no chiqueiro do açougue do Zé Minhoca só para que todos pudessem sentir seu fedor na noite da procissão. O Padre Dom Casmurro engolia em seco. Toda vez que procurou Rabequita ela o mandava para aquele lugar. Um novo delegado a meteu no xadrez. Vou dar uma lição nesta “Sapopemba dos infernos”. O cheiro que ela soltou na delegacia foi demais. Solta foi para a rua jogar pedras nos carros e nas lojas. Samuel Escoteiro quando soube foi lá e a acalmou. Ninguém sabia o segredo de Samuel e porque ela obedecia. Disse para o delgado para ter paciência. - Não me enches a paciência menino, ela não sabe com quem está mexendo. Dito e feito uma colmeia de abelhas africanas invadiu a delegacia. Milhares e milhares delas.

                     O escrivão e dois soldados sumiram com a cara inchada de mordidas. O Delegado Prometeu chingava a Deus e o mundo. Montesuma um apicultor foi lá e recolheu a colmeia. À noite na procissão Rabequita gritou alto: - Querem chuva? Vou lhes dar chuva! E ria. E gargalhava. Trovões ribombaram nos céus. Um mundo de água caiu sobre Rio Mimoso. No inicio o povo dançava e cantava de alegria. Um dia, dois dias, três quatro uma semana. A chuva não parava. A ponte sobre o rio mimoso desabou. Rabequita dançava na chuva. A Tropa Escoteira em reunião discutia sobre o acampamento anual nas Pedras Nuas. Era o acampamento do ano. Vamos cancelar! Chefe, não cancele disse Samuel. Dê-me dois dias. Vou resolver. Samuel foi atrás de Rabequita. Ela lhe deu a mão pensando que era hora do banho. Samuel falou baixinho no seu ouvido – Rabequita, se a chuva não parar não poderemos acampar! O delegado na janela ameaçava: - Se esta feiticeira acha que vai rir de mim está redondamente enganada. Telefonou para Mar das Vertentes e falou com o delegado de lá. Pediu um rabecão para levar uma doida e internar no Hospício Esperança Feliz.

                      Levaram Rabequita a noite. Ninguém viu. No dia seguinte não amanhecia. Sempre noite. O que ouve? Outra praga de Rabequita? Um dia, dois três e a noite continuava. A cidade em polvorosa. O Delegado Prometeu ficou cismado. Cacilda! A mulher tem parte com o Demônio? Mandou trazê-la de volta. Ela o olhou e disse: - A próxima vez você vai virar um macaco prego pintassilgo! Irá morrer de tanto comer banana. O dia clareou para alegria de todos. O Prefeito Bafodonça e o Dr. Pasquelino Gonzaga o Juiz de Direito, reuniram a fina flor da sociedade local. O que fazer? Chamaram também o Escoteiro Samuel. Afinal ele era íntimo dela. Quem sabe ele podia aconselhar. Querem resolver? Perguntou Samuel. Dê a ela uma casinha boa perto do Cemitério do Paletó Preto. A cada dez dias mande o Senhor Marombático do Supermercado Preço Alto entregar uma cesta de mantimentos. Todo mês mandem levar para ela duas caixas de charutos Cohiba, aquele que o ex-presidente Lula fuma. – Mas este charuto é caríssimo! - Disse o Prefeito. - Tudo bem aceito. Durante cinco meses a paz voltou a reinar na cidade. Um dia Marombatico não cumpriu o prometido. A prefeitura não pagava. O inferno caiu sobre a cidade. Pássaros invadiram a cidade. Quem saia de terno voltava borrado. Nova reunião e tudo voltou ao normal.

– Mesmo na casa nova Manuel ia buscar para seu banho semanal. Um dia ela falou com ele que iria deixar a cidade feder por um ano. Manuel insistiu. Exigiu que ela tomasse banho todos os dias. Rabequita vou arrumar um marido para você. Só tomando seu banho semanal! Não deu outra. No domingo o mau cheiro soprava dos lados da sede do Perneta Footboll Club. Ninguém descobriu de onde vinha o cheiro. A cidade em peso de mascaras. Janelas fechadas, mesmo assim estava difícil viver.  Samuel deixou de levá-la para o banho. O cheiro desapareceu. Rabequita pediu um carro. Novo. Zero quilômetro. Manuel foi ao seu encontro e disse que ela queria demais. – Samuel a cidade me deve muito! O Prefeito Bafodonça explodiu! Nunca andou nem de bicicleta e agora quer um carro? A catinga piorou.


                 O Carro foi entregue. Um Honda Civic vermelho lindo de morrer. As Damas dos Bons Costumes cuspiam de ódio. Resolveram botar fogo na casa de Rabequita. Não conseguiram. Voltaram para suas casas frustradas. O pior a casa de todas estava pegando fogo! Meu Deus! É um demônio não é uma mulher!  Bem a história termina aqui. Samuel me disse que Rabequita cansou da cidade de Rio Mimoso. Mudou-se para a cidade de Boina Verde. Quando ela se foi, um foguetório enorme se fez rebombar na cidade. Ninguém teve dó do pessoal de Boina Verde. Dei belas risadas olhando para o meu amigo Lépido. Ele me olhava com expressão galhofeira. Verdade isto meu amigo? Palavra de Escoteiro! Ele disse. Tomamos mais umas duas cervejas Westmalle por sugestão do garçom. Despedimo-nos e cada um foi para o seu lado. Um quarteirão antes do hotel que estava hospedado vi uma mulher desgrenhada, suja, um mau cheiro horrível e chegou perto de mim e disse – Me paga uma cachaça filho da mãe! Paguei. Sei lá se era a Rabequita. Montevidéu não tem disto, mas não se pode acender uma alma a Deus e ao Diabo ao mesmo tempo!

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Nico Fulgêncio e os anjos escoteiros!


Lendas Escoteiras.
Nico Fulgêncio e os anjos escoteiros!

                         - Olha Senhor Nico Fulgêncio, vou ser sincero, afinal o senhor já passou dos sessenta anos e isto que o Senhor tem aqui em nossa cidade não podemos fazer nada. Um tumor tomou conta do seu cérebro e se não tratar em uma cidade grande o Senhor não terá mais que um ano de vida! – Nico Fulgêncio olhou para o doutor, franziu a testa e não disse nada. Ele se lembrava de estar sentado na Praça Santo Estevão sentiu uma tontura e nada mais lembrava. Deve ter caído e o levaram ao hospital proximo. Sorriu para o Doutor e foi embora. Há tempos ele sentia esta tontura, ela chegava e ele tinha de sentar. Agora piorou ele caia onde andava. Maria Mercês sua vizinha o olhou e perguntou o que ouve. A Ambulância o trouxera até seu barraco na Rua B sem número. Ele sorriu e disse ser apenas uma tontura, nada demais.

               Nico Fulgêncio era negro, magro, não sabia ler nem escrever. Trabalhou muitos anos de vigia na Fábrica de Doces e um dia o mandaram embora. Havia oito anos que estava desempregado. Não tinha muitos amigos e através deles ainda sobreviveu com a ajuda que lhe davam. Nico pensou em acabar com sua vida, mas porque faria isto? Só porque o médico disse? Nico Fulgêncio tomou uma resolução. Numa mala velha ele encontrou uma mochila que Juventino lhe deu. Velha mas que serviria para seu intento. Colocou lá as roupas que lhe restavam, uma fronha, um cobertor Velho e uma capa azul escura que ganhou quando vigia na empresa. Na despensa quase nada, mas ainda achou um pouco de arroz, feijão, tinha uma carne seca e quatro pães velhos. Embrulhou tudo e colocou na mochila. Andava sempre com chinelo de dedo e tinha uma “alpercata” das antigas. Nem fechou a casa. – Donde vai seu Nico Fulgêncio? – Embora para a cidade grande Dona Maria Mercês. Olhe, o barraco é seu tudo que encontrar lá também. Nunca mais vou voltar!

                  Nico Fulgêncio colocou um boné Velho, e saiu sem se despedir de ninguém. Sem saber ele agora seria um daqueles andarilhos de beira de estrada que sempre encontramos por ai. Ninguém na cidade perguntou aonde ia. A cidade o considerava um eterno desconhecido. Quando partiu era meio dia. Pegou a Estrada para Maceió. Asfaltada. Andou a tarde toda e já noitinha parou embaixo de um pé de Pequi enorme. A barriga doía de fome. Viu que tinha arroz e feijão, mas esqueceu da panela. Comeu um bom pedaço da carne seca e um pão velho e dormiu sob as estrelas. Acordou com o sol nascendo e partiu. Donato um dia lhe disse que fora de ônibus a São Paulo e demorou quatro dias para chegar. E a pé? Ele riu, não era importante. Ele tinha tempo, pois não precisava de pressa pra morrer. Eram quatro da tarde quando avistou uns meninos Escoteiros brincando em volta de umas barracas. Parou e ficou olhando. Gostava do que via. Ele gostava da alegria de um sorriso e as crianças são mestres. Um carro da policia parou ao seu lado. Meteram-no lá dentro e o levaram preso. O acusaram de molestador de menores.

                  Nico Fulgêncio ficou preso oito dias. O delegado com muito custo foi conversar com os Escoteiros da cidade e eles disseram ter visto o andarilho, mas ele não fez mal a ninguém. O soltaram. Pelo menos ele teve duas refeições na cela. Nico Fulgêncio partiu como tinha traçado seu destino. Na saída da cidade novos Escoteiros o procuraram. Deram-lhe um saco de comida. Ele riu. – Preciso de uma pequena panela disse. Um deles pegou sua bicicleta e partiu em alta velocidade. Pouco tempo depois ele chegou com a panela. Partiram dizendo a ele Sempre Alerta! Lá foi ele estrada a fora. Andou até escurecer. Achou melhor ficar por ali. Não se sabe como surgiu uns Escoteiros maiores. Eram rapazes cantando estrada a fora. Pararam ao lado dele para descansar e lanchar. Foi convidado. A vida estava sendo boa com Nico Fulgêncio. Eles partiram e ele dormiu com a barriga cheia.

                   Foram quatro meses para chegar próximo a Maceió. Aprendeu a ganhar comida nas casas que encontrava a beira da estrada. Aprendeu e sofreu com o vento e a chuva e teve um dia que achou que sua hora tinha chegado. Desmaiou e acordou em um pequeno hospital. Em volta dele duas meninas e quatro meninos Escoteiros. De novo? Eles sorriram e perguntaram como estava. A enfermeira disse que foram eles que o trouxeram. Dez dias e teve alta. Os meninos Escoteiros o acompanharam até o final da cidade. De Maceió chegou a Recife. Bela cidade. Em uma rua viu a meninada escoteira correndo para sua sede. Ele agora se achava um deles e entrou no pátio, deu Sempre Alerta e todos responderam. Os Chefes ficaram de olho. Ele contou em uma roda cheia de meninos e meninas de onde veio e para onde ia. Contou também dos meninos Escoteiros que encontrou. Não deu outra. Lá vinha uma enorme mochila e dois bornais cheia de víveres que eles o presentearam.

                     Nico Fulgêncio um ano depois chegou a Belo Horizonte. Ele sabia agora que aqueles meninos foram sua salvação até ali. Ele parecia atrair os Escoteiros, pois onde passava e andava sempre encontrava um deles. Parou próximo a Rodoviária e viu muitos deles ali esperando a hora do seu transporte. Claro que ele se apresentou e sempre era motivo de abraços e saudações. Nunca fora Escoteiro, mas admirava aqueles meninos que sempre estavam dispostos a ajudar. Pé na estrada e lá foi ele para São Paulo. Oito meses o andarilho gastou na Fernão Dias. Quando chegava a Guarulhos ele ficou estarrecido. Estava escurecendo e ele viu um homem enorme atacando uma Escoteira. Ele sabia o que ele ia fazer. Soltou sua mochila e saiu correndo em cima de malfeitor. Levou um tiro nas costas e outro no ombro. Policiais chegaram e não sabia o que estava acontecendo a não ser a Escoteira que pedia socorro.

                      Nico Fulgêncio foi levado ao Hospital de Guarulhos. Assustou quando viu um enorme contingente de meninos e meninas Escoteiras. Todos querendo abraçá-lo, pois sabiam do acontecido. O tiro entrou pelas costas e saiu pela frente. Nico Fulgêncio não correu risco de vida. O médico gentil que se apresentou como Chefe Escoteiro disse para ele que mais doze dias poderia ir embora – Parabéns Senhor Nico Fulgêncio, o senhor está com uma saúde de ferro! Mas Doutor! E o tumor em meu cérebro? – Que tumor senhor Nico, o senhor não tem nada. Lagrimas correram pelos olhos de Nico Fulgêncio. Quando saiu o Chefe Wantuil lhe ofereceu um emprego de vigia no Grupo Escolar onde funcionava a sede. Os meninos e as meninas Escoteiras bateram palmas e se Nico nunca teve um amigo agora ele tinha e muitos. Jovens alegres que lhe deram tudo na sua longa jornada. A vida de Nico Fulgêncio se transformou e ele sempre quando ia para a sede nas reuniões onde ajudava em tudo que eles pediam ele se lembrou de uma canção do Padre Marcelo que dizia:


“Tem anjos voando neste lugar. No meio do povo e em cima do altar. Subindo e descendo em todas as direções, Não sei se a igreja subiu ou se o céu desceu Só sei que está cheio de anjos de Deus. Porque o próprio Deus está aqui”. Afinal Nico Fulgêncio um Velho que não morreu e viveu por muitos e muitos anos, um caminheiro de muitos mil quilômetros de estrada percorrida, teve a felicidade de ver meninos Escoteiros que sabem ajudar sem olhar a quem. E então Nico Fulgêncio na sua simplicidade sorriu, e pensou – Os anjos também são Escoteiros!

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

O Troféu Eficiência da Patrulha Corvo.


Conversa ao pé do fogo.
O Troféu Eficiência da Patrulha Corvo.

                          Zé Lineu olhava sua patrulha com admiração. Ele foi escolhido como monitor, ninguém dava nada por ele, magrinho, piquitito, cabelos crespos e olhos pequeninos, estava querendo aprender a ser líder. Quando foi escolhido leu muito sobre liderança, leu tudo que o Chefe Leão indicou. Havia três meses que fora eleito. Não sabia por que tinha sido escolhido. Na corte de honra os monitores das outras três patrulhas não concordaram muito. – Chefe, sendo uma nova patrulha com novos patrulheiros um sub nosso deveria ser o escolhido e indicado. – Chefe Leão não disse nada. Afinal foi decisão da patrulha. Quando ele tentou explicar que precisavam de alguém mais experiente eles foram contra. Afinal se decidiram assim que seja. Não dizem que precisamos aprender a fazer fazendo?

                        Tonico Souza foi aclamado Submonitor. Zé Lineu deixou que cada um escolhesse o local que ficariam na formação e qual o cargo preferido. Parecia que tudo estava combinado. João Moreno ficou com a intendência. Pedro Luiz como bombeiro e aguadeiro. Joel Siqueira sorriu quando disse que seria o cozinheiro. Manolo Xavante ficou como Construtor e na sede Almoxarife. Sobrou para Zico Capixaba ser o socorrista e lenheiro. Faltava o cargo de escriba e Zico Capixaba assumiu até entrar o oitavo Escoteiro da Patrulha Corvo. Todos se sentiram importantes. Era uma patrulha nova, com menos de três meses de atividade, mas que não deixavam por menos seus afazeres obrigações e responsabilidades. Na sede as outras patrulhas davam risadas. Eram escoteiros mais antigos, muitos primeira classe e outros tantos segunda classe. Os Corvos eram amadores perto deles.

                    Na primeira Corte de Honra que Zé Lineu compareceu, gostou do rito, do simbolismo e do respeito que ali imperava. Laércio Barbosa era o monitor mais antigo. Tinha três anos de lobo e já ia entrando nos quinze anos. Breve iria fazer a Rota Sênior. Zé Lineu nunca duvidou de sua capacidade e quando o Chefe Leão comentou na Corte sobre o próximo acampamento e a conquista do Padrão Ouro de Eficiência de campo ele ficou boquiaberto. Era demais para ele. Olhou para os outros monitores e viu seus olhos brilharem. Na reunião de patrulha na casa de João Moreno ele expor como seria o Padrão Ouro de Eficiência. Todos ouviram atentamente – Todos os dias cinco pontos para as barracas bem armadas e conservadas. Dez pontos para a verificação na inspeção dos objetos individuais. Vinte ponto para a limpeza das panelas. Vinte pontos para o campo limpo sem nada da cidade espalhado. Vinte pontos para a apresentação pessoal. O uniforme limpo e bem passado para as inspeções e para o cerimonial de bandeira.

                    - Monitor! – Disse Zico Capixaba, uniforme limpo e bem passado no campo? Zé Lineu riu e respondeu – Dizem que existe uma técnica que só os escoteiros sabem. Portanto vamos saber como é e treinar para quando estivermos acampados. Zé Lineu continuou – Serão quatro dias de acampamento no Vale da Tartaruga. O Chefe vai levar os monitores lá para conhecer no próximo domingo. Prometo ver tudo e contar para vocês. Cada dia os pontos serão comunicados na Bandeira após o Hasteamento. A Patrulha que alcançar o primeiro lugar no último dia ganha um belo troféu em forma de Totem e feito em couro especial. Não esqueçam tudo que fizermos durante o dia também vale ponto. As chamadas, as formações, os sorrisos e a limpeza. Os jogos terão menas pontuação. Vamos nos preparar. Sei que é impossível sermos os melhores, mas não custa tentar.

                        Durante os dois meses que antecederam o acampamento nunca se viu uma patrulha como a Corvo treinando e praticando tudo que deveriam fazer. As demais patrulhas assistiam a tudo sorrindo. – Joílson sub da Pantera ria a beça dos pata tenra (assim chamados por serem novatos). Para todas as patrulhas a Corvo sonhava e nunca poderiam conquistar o Troféu Eficiência. Impossível. – Nas reuniões eram motivo de chacotas, mas o Chefe Leão não gostou. Chamou os monitores e os alertou para o respeito e a fraternidade. O dia chegou. Partiram em um caminhão da prefeitura. Uma hora e meia de viagem. A chegada, o arvorar da bandeira, a escolha do campo pelas patrulhas, todas elas lutando para darem o grito do café pronto, do almoço pronto, do jantar pronto, eram um brilho para os olhos do Chefe Leão.

                         No primeiro dia todos formados na porta da sede e como sempre aquela alegria geral. No campo cada monitor junto a sua patrulha pode escolher seu campo. Os patrulheiros do Corvo se assustaram no primeiro dia. Não fizeram quase nada e foram os últimos a darem o grito nas refeições. Na hora de Dormir Zé Lineu reuniu a patrulha. Tentou encorajar, mas todos só queriam dormir. Levantaram cedo. A ginastica o café e a limpeza do campo tomou toda a manhã. As nove em ponto o Chefe chegou para iniciar a inspeção. Bela tentativa, mas na bandeira viram que ficaram em último lugar. Foi Manolo Xavante quem deu ânimo a todos. Um dia vá lá, mas dois dias? Somos escoteiros ou ratos? – Bem dito, no segundo dia ficaram em terceiro e no terceiro dia em segundo. Agora a maioria das patrulhas olhavam os corvos de maneira diferente. Veio o último dia. Dia esperado.

                          Os corvos ficaram boa parte da noite fazendo pioneirías. Pequenas mas com enorme utilidade. Fizeram uma chaminé para o fogão para evitar a fumaça nos olhos do cozinheiro, fizeram um WC nos trinques e João Moreno construiu com madeira um lugar para assentar. Pela manhã Zé Lineu passou os olhos no campo. Zico Capixaba com folhas de coqueiro fez um belo capacho. As fossas de líquido e detrito tinham tampas tipo sanfona, abriam a um toque de um cipó. A casinha de lenheiro estava perfeita. Tudo nos trinques mesmo. Neste dia quem fazia a inspeção eram os monitores. Este só não fazia na sua. Cada monitor olhou com atenção as pioneiras. Zé Lineu notou que nas outras patrulhas eles não tinham igual. Tonico Souza o sub recebeu todos com a canção do Cucu. Até mesmo as vozes treinadas e a maneira de cantar fazendo gestos foi perfeito.

                        No cerimonial de bandeira um frenesi em todos. Quem seria o primeiro? O monitor da Anta sabia que ele não iria conseguir. O Monitor da Pica Pau também. Só o monitor da Onça tinha esperança. Zé Lineu que viu o campo de todas as patrulhas não cabia de contente. Desta vez seriam os primeiros. Os olhos de Zé Lineu brilhavam. Chefe Leão fez o suspense. Baixinho sem gritar anunciou o primeiro lugar – A Patrulha... Onça ganhou o troféu eficiência! Ninguem acreditava no que ouvia. O Chefe Leão disse para todos: - A luta foi tremenda, todos mereciam, os Corvos tinham tudo melhor que as outras, mas não obedeceram ao horário de silencio e ficaram a noite toda fazendo as pioneiras. É certo isto? Não, obedeceram as ordens. Meus parabéns aos corvos e espero que no próximo acampamento eles ganhem de igual para igual com as outras patrulhas!

                           Zé Lineu e os demais patrulheiros em reunião na casa de Pedro Luiz chegaram à conclusão que o Chefe estava certo. Ganhar sim, mas dentro das regras. Tonico Souza o Sub sorriu. Manolo Xavante se levantou e disse: Teremos novas oportunidades. Nunca iremos desistir. Verdade ou não a Patrulha Corvo no passar dos anos teve muitos troféus e muitas histórias para contar

domingo, 23 de agosto de 2015

Apenas uma lágrima escoteira.


Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
Apenas uma lágrima escoteira.

“Lágrima aflora. Na música lá fora, uma alma chora”.

                  “Contaste os meus passos quando sofri perseguições; recolheste as minhas lágrimas no teu odre: não estão elas inscritas no teu livro?” Salmos 56:8. Lágrimas, muitas vezes expressam o mais puro dos sentimentos, mas outras vezes a dor. Elas expõem o interior ferido e abatido, mas também pela alegria sentida ou pela partida de alguém. Um susto o Chefe escoteiro valente sente ao sentir uma lágrima a correr pela face e cair ao chão. Ele corre para com as costas da mão tentar fazê-la desaparecer. Não fica bem para um líder mostrar sua lágrima mesmo nos momentos mais felizes de sua vida. Diferente da Chefe Escoteira que sorri quando vê a lagrima caindo, ela se lembra do seu amigo que dizia que sorrir pode trazer a felicidade. Aquele mais afeito as sensações românticas, inesquecíveis, devaneios da vida quando sente a lagrima cair e rolar pela face, pensa que não é possível chorar e pensar ao mesmo tempo, pois cada pensamento vai absorver uma lágrima e elas sem pedir permissão irão rolar nas faces até cair ao chão.

                     Quantas lágrimas sentimos na vida escoteira, na alegria e na tristeza, quantas vezes há vimos correr pela face e sem saber por que elas estão ali sem pedir permissão? São tantas as nuances Escoteiras, são tantos os acontecimentos que não dá para lembrar e medir todas elas. Uma Lobinha que sorri, olha para você com seus olhos brilhantes e sonhadores e com aquela vozinha pequenina a dizer: - Melhor Possível Chefe! Será possível evitar uma lágrima nesta hora tão sublime? Ou então sentir o orgulho do Escoteiro que recebe uma comenda escoteira. Um lis de Ouro, um Escoteiro da Pátria, uma Insígnia de B-P. Olhar nos seus olhos, sentir sua força por tudo que fez para ter este direito, seu trejeito sem saber onde pisar, pois cada passo dado foi uma vitória e agora chegou sua hora: - Grupo Escoteiro firme. Escoteiro! Com orgulho entrego a você seu quinhão que tanto lutou para conquistar! - Uma lágrima aparece, corre pela face e cai ao chão abençoado.

                       Não só na dor e na tristeza, mas também nas belezas dos fatos e atos que vemos a cada dia e faz a gente vibrar, sem perceber lá vem ela distraída, quem sabe adormecida a cai devagar, a rolar na face sem pedir sem avisar. Mas aquela lágrima doida, da perda de alguém, de sentimentos insistentes que não querem ser esquecidos eis que a alma que está abatida, para ela o mundo se fechou, não se consegue enxergar mais nada em volta. É hora de lágrimas quentes sair dos olhos. Elas insistem em não obedecer e rolam na face simplesmente. Não tem como segurar. É mais forte que tudo. Nesta hora sufocada pelos sentimentos o coração bate apertado. Não tem jeito, só resta deixar a lágrima rolar para aliviar a dor e lavar a alma. Disseram-me ou me contaram que um dia a lágrima disse ao sorriso: - Invejo-te porque vives sempre feliz. O sorriso respondeu: - Engana-te, pois muitas vezes sou apenas o disfarce de sua dor...

                        É... Não sei se a lagrima vem ou ordenamos que ele chegue. Mesmo sabendo que o Chefe é forte pela razão, a Chefe é invencível pela lágrima. A razão convence; a lagrima comove. Já sentiu o sonho de um filho Escoteiro partir para uma grande atividade escoteira? A gente quer dar um sorriso, quer sentir força para saber que ele voltará sorrindo, mas eis que ela a lágrima aparece, calma, simples rolando pela face sem pedir para cair ao chão e desaparecer. Ah! Há lágrima chega é o momento em que subimos nossos olhos ao céu para não deixar cair uma lágrima no chão. Quantas vezes vi varonis chefões escoteiros, de mãos entrelaçadas ao redor da fogueira a cantar displicente a canção do Adeus. Ah! Como são bobos, eles não querem olhar para ninguém, tentam evitar que vejam suas lágrimas que caem pela face rolando para chegar ao chão.

                        Eu vi, juro que vi tantas lagrimas por este belo mundo escoteiro de Deus. Vi um Chefe nas campinas verdes do Centauro, olhando assustado um bem ti vi que cantava nas folhagens de um capim gorduroso; vi uma Chefe espantada olhando o horizonte vermelho do sol se pondo tão longe, tão distante onde nuvens brigavam entre si para se abrir em uma névoa e ver o rio altaneiro a correr por longos vales sem fim. Vi chefes chorarem em um desfile encantado com o orgulho de seus meninos escoteiros vi tantos fatos e ocasos em lugares nunca antes imaginados meninos e meninas Escoteiras cantando o Rataplã. Hora de esquecer o tempo e sentir a lágrima rolando pela face até cair ao chão. Eu vi uma escoteira sorrindo e uma lagrima caindo quando ela saudou o novo dia de sua promessa que nunca mais esquece. Mas a lágrima mais bela, mais singela foi quando o Monitor da Touro na jornada do sol de meio dia gritou: - Chefe uma nascente a sudoeste! Hã! Quanta sede que se escondeu naquele calor, naquela Tropa cansada e agora chega para ouvir tanta pomposidade em uma frase tão simples. Quantas lágrimas surgiram? Quantas lágrimas caíram e rolaram pela face até chegar ao chão?

                     Qual o valor de uma lágrima? Acho que está no valor que você da à vida, no sentido em que deixa sua vida caminhar. Se você deixar seu coração quebrantado deixará lágrimas valiosas rolarem, mas se endurecer seu coração colherá lágrimas de amargura e sofrimento. Deus resiste aos soberbos, mas aos mansos concebe graça e sabedoria. “Olharei o mundo através das lágrimas. Talvez eu veja coisas que eu não veria secos.” (Nicholas Wolterstorff). As lágrimas nos fazem entender o perdão, mesmo que leve tempo para isso. Menino Chefe escoteiro! Eu juro! Eu dou minha palavra de Escoteiro! Eu vi milhões de lágrimas rolando pelas faces Escoteiras neste mundo afora. Nos Jamborees quando milhares de jovens se despediam, eram lágrimas simples, lágrimas alegres, lágrimas chorosas. Lágrimas que valeram tanto que transformaram corações duros em corações cheio de amores e alegrias.


                    Escoteiros do mundo, escoteiros que tem sentimentos, que gostam de contar estrelas, que amam seu país e o nosso Deus. Escoteiros que amam a natureza, que sentem uma lágrima cair quando ouvem o cantar de um pássaro no céu ou em uma árvore florida. Escoteiros que sabem o valor de uma amizade, que gostam de dar as mãos, pois para eles o escotismo não tem fronteiras nem riquezas, nem cor, nem razões para odiar. Escoteiros que sabem o valor de sua lei, o quanto vale um abraço, um sorriso franco, aqueles que a gente vê uma lágrima, apenas uma lágrima aparecer escondida e rolar na face até cair ao chão. Escoteiros que sabem que a verdadeira lágrima não é a que escorre dos olhos e desce pela face, mas sim aquela que cai no coração e permanece na alma...

sábado, 22 de agosto de 2015

O fantástico voo do paraquedas amarelo.


Lendas Escoteiras.
O fantástico voo do paraquedas amarelo.

“Se um homem dispuser de uma peça de pano impermeabilizado, tendo seus poros bem tapados com massa de amido e que tenha dez braças de lado, pode atirar-se de qualquer altura, sem danos para si”. A frase é de Leonardo da Vinci, considerado um dos primeiros projetistas de pára-quedas, invento que possibilitou ao homem realizar o eterno desejo de voar - mesmo que por alguns segundos.

                   Quando somos crianças temos sonhos, desejos e não nos preocupamos se serão alcançados ou não. Basta sonhar. Criamos em nossa mente tudo aquilo que gostaríamos de realizar. Nada há ver com a história, mas quando minha mente me leva ao passado de criança, lembro-me da personagem de Dibs: em busca de si mesmo. (autoria de Virginia M. Axline) È a história de uma criança que lutou pra conquistar sua identidade através do processo psicoterápico. O Livro oferece uma visão daquilo que chama busca de si mesmo. No final Dibs consegue emergir como uma pessoa brilhante e talentosa. Um verdadeiro líder.

                  Eu estava com treze anos. Pertencia a patrulha da Raposa. Éramos sete. Uma felicidade sem par. Sem televisão, sem internet, ainda sem pensar nas namoradas, pois a patrulha escoteira era nossas vidas. Reuníamos praticamente todos os dias. Amigos dentro e fora do escotismo. Cuidávamos com cuidado de nossa intendência. Pobre claro. Pouca coisa – um lampião a querosene, panelas de alumínio doadas por nossas mães, uma machadinha um facão tudo conquistado a duras penas. Duas barracas de duas lonas era nosso céu nos acampamentos. Daquelas usadas pelo exército na década de trinta.

               Estavam velhas e por mais que cuidássemos elas estavam se diluindo. Não tínhamos mais o que fazer. Tudo que nos disseram para fazer fizemos. Estava difícil acampar. Lonas extras? Nem pensar. Um preço que não tínhamos como pagar. Um dia achei uma revista na casa de uma tia, e vi um lindo pára-quedas. Encantei-me com ele. Mas como ter um para nós? Seria uma grande barraca. Daria para armarmos facilmente e caberia todo mundo.

            Sabia que era um sonho. Cidade pequena, só um cinema, uma igreja, uma praça com um coreto, alguns ricos e a maioria pobres. Em nossos acampamentos de fins de semana perdíamos muito tempo montando abrigos naturais. Tínhamos uma técnica própria, mas mesmo assim perdíamos tempo na construção. Um dia, acho que foi em um domingo de sol, vimos um avião sobrevoando a cidade. Uma surpresa. Isto nunca acontecia. Só ouvíamos os roncos de um que passava todas as quartas feiras pela manhã.

           Em dado momento, vimos alguém voando fora do avião (um teco-teco). Um pára-quedas se abriu. O povo da cidade parou. Embasbacados todos olhavam para o céu. Que beleza! Que espetáculo! O homem do céu caiu bem na praça e um bêbado que todos chamavam de Sebastião Barrigada ajoelhou-se no pé do pára-quedista e gritou bem alto – Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo! Todos caíram na risada.

              Eu não tirava os olhos do para queda amarelo. Ele enrolou tudo com carinho e explicou que sua irmã iria se casar e ele não queria chegar atrasado. Por isto o salto no para-queda. Ele não iria decepcionar Mercedes. Conhecia-a. Irmã de Laudivino nosso sub. Monitor. Grande. Fui correndo a casa dele. Chamei os demais da patrulha. Conseguimos o para quedas. Arquimedes o irmão de Laudivino nos presenteou. Um presente dos céus!

             Levamos o pára-quedas para a sede. Todos os escoteiros do Grupo se juntaram a nós. Ninguém tirava os olhos dele. Chefe Domênico chegou mais tarde. Sorriu. Grande chefe! “Fazer fazendo” era seu lema. Abrimos o pára-quedas para conhecer melhor. Muitas cordinhas de nylon que não conhecíamos. Uma época de cordas de cânhamo. Aquelas de fibras nos faziam arregalar os olhos. Foi aberto o para quedas. Nossa sede ficava na entrada da cidade. Na estrada do Alvarenga. Próximo ao rio das Flores.

              Um pé de vento apareceu de uma hora para outra. Levantou o pára-quedas. Todos correram. Eu não. Agarrei-me as cordas. Amarrei-me em uma delas. Era meu sonho! Não iria perdê-lo nunca! Fui levantado no ar. O pára-quedas com a força do vento se elevou a vários metros de altura. Virei um menino voador. Um medo incrível, mas não larguei o pára-quedas. Fui elevado a mais de oitenta metros de altura. Não vi. Meus olhos se mantinham fechados. Pedia a Deus que não deixasse perder o pára-quedas.

            A cidade inteira viu o menino escoteiro agarrado ao pára-quedas. Não entenderam nada. Uma multidão seguiu o pé de vento e o pára-quedas. Ele desceu suavemente na baixada do cristão. Graças a Deus! O local não tinha árvores e era um descampado onde acampamos várias vezes. Não tive um arranhão. Todos bateram palmas. Abri os olhos e vi uma multidão em minha volta. Sebastião Barrigada estava lá gritando: – Louvado seja o menino filho de Deus! Disse.


             O pára-quedas deu uma linda barraca. Durou anos. Mesmo depois que fui para os seniores e finalmente os pioneiros, lá estava os raposas orgulhosos de sua barraca de pára-quedas. A única nas redondezas. Ninguém tinha. Só ela. A Raposa que nunca mais esqueci. Não sei o que aconteceu depois. Cresci, mudei de cidade, participei de outros grupos, mas acreditem, nunca mais esqueci o fantástico pára-quedas amarelo. Um sonho que se realizou!

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Assim falou Zaratustra.


Lendas Escoteiras.
Assim falou Zaratustra.

                     Ela estava sorrindo para mim. Faltavam dois dentes da frente e seu sorriso era gostoso demais. Ela tinha um nariz fininho, seus cabelos encaracolados faziam o amarelo sumir na sombra de um castanho claro. Estava com sete anos e deste os cinco infernizava a vida de sua mãe para ser uma Lobinha. Eu mesmo perguntei por que o nome, já que Zaratustra um romance de Friedrich Nietzsche era um homem. Comecei a ler o livro um dia e desisti. Nietzsche se baseou em uma personalidade histórica que viveu entre os séculos XII e VI Antes de Cristo. Perguntei a sua mãe se ela conhecia a história. Ela sorriu também sem dentes na frente (mais tarde soube que estava fazendo uma dentadura). Nunca Chefe Osvaldo, nem sei quem é. Comprei umas bananas no mercadinho quando estava grávida e no jornal enrolado vi este nome. Nem prestei atenção à notícia, só no nome. Gostei, quando minha filha nasceu a registrei assim.

                    Nietzsche justifica da seguinte maneira a escolha desse personagem: “Zaratustra foi o primeiro a ver na luta entre o bem e o mal a roda motriz na engrenagem das coisas - a transposição da moral para o plano metafísico, como força, causa fim em si, é obra sua”. Mas isto não interessa o fato não se sobrepõe a história e a história agora era a menina de sete anos, filha de uma faxineira que sonhou por dois anos ser uma Lobinha. Sua mãe não tinha meios financeiros para mantê-la, não podia comprar seu uniforme, pagar taxas nada. Olhou para mim com aqueles olhos molhados de lágrimas para dizer que era pobre e não sabia se sua filha podia ser uma Lobinha. Não seria motivo de uma recusa, nunca para mim. Escotismo foi idealizado por B.P. para ser um movimento que abrangesse todas as camadas sociais. – Sorri para ela. - Não se preocupe, o que os outros e as outras jovens tiverem ela também terá. Uma promessa difícil para um assalariado, mas Zaratustra seria Lobinha custe o que custar!

                     Nunca em minha vida vi uma alegria tão grande. Se o mundo quisesse sorrir devia estar ali naquela tarde de sábado quando Zaratustra foi apresentada ao Grupo Escoteiro. Sua mãe junto chorava de alegria. Quando o final da reunião chegava, ela não queria ir embora. Com muito custo dava suas mãozinhas a sua mãe e iam para casa com Zaratustra contanto tudo que ela viveu naquele dia. No dia da sua promessa ela chegou correndo a sede sem a mãe. – Chefe! Gritou para mim. Minha mãe não quer acordar! Ela não pode vir, mas eu preciso fazer a promessa! Chamei Solange a Akelá e disse para ela tomar conta de Zaratustra. Expliquei o que acontecia. Se ela insistisse e eu demorasse que ela fizesse a promessa. Sai correndo até a casa dela.

                  No barraco da Rua Sete já havia muita gente na porta. Pensei no pior. Que situação meu Deus. Zaratustra no dia mais importante da sua vida perder a mãe? – Uma vizinha me contou que o SAMU a tinha levado. Viva? Perguntei. Não sei Chefe, não sei. Deveria ter sido levada para o Hospital Municipal o mais perto. Peguei um taxi e voei até lá. De uniforme e chapelão um médico correu para me atender. Achou que mal maior acontecia com escoteiros. Disse que não. Expliquei, ele me mandou esperar para ver se ela estava lá. Voltou em seguida – Chefe, ela teve uma parada cardíaca. Está entre a vida e a morte! Fiquei estático. – Quando posso ter novas notícias doutor? Ele me mandou voltar à noite. Agora era voltar ao Grupo Escoteiro. Falar o que para Zaratustra?

                 Como psicólogo sou uma negação. Não tenho jeito para lidar com isto. Sempre notícias honestas sem rodeios. Acho que a noticia se não for direta a pessoa sofre muito mais. Solange veio ao meu encontro. – Chefe ela se recusou a fazer a promessa. Sem sua mãe não faria de jeito nenhum! Ela não estava na matilha Verde? Perguntei. – Está na sede Chefe, Dona Silvana a levou para lá. Não para de chorar. – Quando ela me viu chegar correu para me abraçar. Soluçava, queria perguntar sobre sua mãe e engasgada não conseguia. A abracei como se fosse minha filha. Eu também chorava baixinho e ela com uma voz doce e suave me disse – Não chore Chefe, não chore. Só crianças podem chorar. O Senhor não! Dizer o que? Falar o que? A frase fatal não vinha na minha mente. Mentir eu não iria mentir.

               Zaratustra, sua mãe foi para o hospital. Está nas mãos de Deus! – Ela me olhou com aqueles olhos grandes como a perguntar: - Por quê? – Teve um infarto, Vamos rezar. Deus tenho certeza tem a solução do que vai acontecer. A levei para minha casa. Minha esposa e filhos fizeram de tudo para distraí-la sem sucesso. Lá pelas tantas da noite dormiu. Assustei-me com seu sono. Ela sorria. Falava alguma coisa que não entendia. Ela se assentou na cama, olhou para mim de olhos abertos e disse: - Vovó Linda, obrigada. Isto me deixa feliz. Eu vovó Linda? Ela deitou de novo. No domingo acordou sem chorar. Tomou café comeu biscoitos e bolos. Eu disse a ela que iria ao hospital ver como estava sua mãe. – Ela riu, está boa Chefe. Vovó Linda me disse. Ela já está pronta para ir para casa. Posso ir com o Senhor?

              Estávamos no mês de junho, um frio enorme, mas aquele sábado um lindo sol apareceu no céu. Para minha surpresa a mãe de Zaratustra chegou acompanhada de um homem que eu não conhecia. Zaratustra como sempre correu para me abraçar, meu deu um beijo suave no rosto, ficou séria e em posição de sentido gritou alto “Melhor Possível” Chefe querido. Olhei para Dona Antônia mãe de Zaratustra. – Ela sorria. – Chefe este é Marcelo meu marido. Tinha seis anos que não o via. Ele saiu de casa quando Zaratustra fez um ano. Agora veio me buscar. Disse que tem bom emprego, uma casa e pode nos sustentar. – Zaratustra não quer ir, mas não quer ficar sem mim e o pai. O que devo fazer Chefe?


                De novo queriam que eu fosse Salomão. Fechei os olhos buscando uma palavra, uma maneira de dar um conselho. Lembrei que um dia um Padre amigo me disse: - Chefe lembre-se de Deus em tudo o que fizer e ele lhe mostrará o caminho certo. E quando a sabedoria entrar no teu coração, e o conhecimento for agradável a tua alma, o bom siso te guardará e a inteligência de conservará. Sorri para mim mesmo. Parece que um anjo estava ali para me ajudar. Conversei com Zaratustra por algum tempo. Prometi a ela descobrir um Grupo Escoteiro perto de sua nova morada. Eles partiram e por muitos anos nunca mais ouvi falar de Zaratustra e nem sua família. Um dia lendo uma revista perdida em um ônibus, lá estava ela, linda, com dentes novos, um sorriso encantador, com seu uniforme Escoteiro a dizer: - Escotismo é uma maneira de ser feliz. Venha participar conosco, seja bem vindo. E ela fazia aqueles gestos com sua mãozinha dizendo: - Venha, esperamos por você!

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

A árvore das folhas rosa.


As lindas lendas escoteiras.
A árvore das folhas rosa.

                   Era uma visão incrível. Apareceu assim do nada. Fez-se presente para sempre em nossas vidas. Dizem por aí que só os escoteiros têm o privilegio de ver e ouvir coisas, pois eles têm o dom de enxergar de outra maneira a natureza hoje perseguida de maneira implacável pelos homens. Acredito piamente que isto é real. Estava eu em uma pequena trilha, mais quatro amigos escoteiros, todos em fila indiana, tentando cortar caminho para chegar ao Tanque dos Afogados. Desculpem, não morreu ninguém lá e nem é um tanque. Uma represa pequena, dócil, rasa, de águas cristalinas que por duas vezes ali estivemos acampando. Sempre passamos pelo caminho do Marquês mais de doze quilômetros. Não lembro quem deu a ideia de cortar caminho em um vale entre duas montanhas. Nem sempre as boas ideias prevalecem. Passava da uma da tarde. Um sol a pico e queimando. Quase quatro horas de caminhada. O suor escorrendo pelo rosto, os olhos vermelhos e o chapelão de três bicos faziam às vezes de um protetor carinhoso, mas que pouco ajudava.

                  Um local descampado, sem árvores, quem sabe para pasto do gado que ao longe pastava calmamente. Pensei em parar, mas sempre um animando dizia: - Vamos chegar! Vamos chegar! É só encontrar o vale das Vertentes. E esse não chegava nunca. Uma fome brava. Nem um biscoitinho a solta. Já respirava com dificuldade quando avistei o paraíso. Uma árvore. Não uma árvore qualquer. Era enorme. Incrivelmente linda! Nunca tinha visto uma cerejeira igual. Florida, folhas e flores rosa destoando da natureza ao seu redor. Só ela, ali, imponente e ao seu lado um pequeno riacho de águas claras. Visão maravilhosa. Um oásis dos deuses do paraíso naquele campo seco. Incrivelmente maravilhosa. Molhei o rosto calmamente. A sombra da cerejeira nos dava uma sensação de calma silenciosa e gostosa. Uma brisa fresca soprava de este para oeste. Sentamos embaixo próximo ao tronco. Pés levantados. Dizem ser bom para a circulação. Dez minutos, quinze, vinte. Uma hora. Ninguém animava em partir. Estavam todos no mundo dos sonhos coloridos que só os escoteiros possuem.

                 A tarde chegou mansamente. O sol estava se despedindo e prometendo voltar amanhã. Vermelho atrás das montanhas verdejantes. Ainda de olhos fechados lembrei que tinha lido não sei onde – “A flor de cerejeira cai da árvore na primeira brisa mais forte, mas não dizemos que ela nunca viveu. Uma flor que só dura um dia, não é menos bonita por isso”. Não queria abrir os olhos. Não queria partir. Eu tinha encontrado o paraíso. Não disseram que o tempo é relativo? Que a flor da cerejeira, por exemplo, dura apenas uma semana e mesmo se durasse mil anos ainda seria efêmera? Flor tão bela como ela não merecia durar eternamente? E o que é eterno se não o que dura com tamanha intensidade? Dormi. Não queira acordar. Agora a cerejeira não dava mais sombra. Não precisava, a noite chegou escura, mas logo o clarão das estrelas no céu dava o seu espetáculo a parte.


                Reunião de Patrulha. Partir? Cinco a zero para ficar. Um foguinho. Uma sopa, um café na brasa. Cantando baixinho a Árvore da Montanha. O céu estrelado ainda dando seu espetáculo maravilhoso. Um cometa passou correndo deixando um rastro brilhante. Fiz um pedido. Que a cerejeira em flor durasse para sempre! Aos poucos alguns dormiam. A cerejeira das folhas rosa era nossa barraca. O tempo passou. Ao lado algum anjo velava o sono dos escoteiros. Abri os olhos mansamente, uma réstia de luz aportava lá por trás das montanhas distantes. Era a madrugada chegando. O novo dia chegava sem fazer alarde. O orvalho caia de mansinho. A brisa eterna amiga não nos deixou. Um acalanto para nos dar um novo vigor no dia que chegava sem fazer ruído. O riacho ao lado parecia cantar canções de ninar. Pequenos peixinhos nadavam como a nos dizer bom dia!  Mochila as costas. Olhares e sorrisos entre nós. Escoteiros avante! Pé na estrada, pois o sol agora já estava firme no horizonte. Nosso destino? O Tanque dos Afogados. E lá fomos nós, em marcha de estrada sorrindo, mas saibam que nunca mais, em tempo algum, nós nos esquecemos da árvore das folhas rosa. Cerejeira em flor. Um amor, uma lembrança que ficou marcada para sempre!

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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