Lendas Escoteiras.
E Mister Nagy chegou à cidade.
Duas e meia da tarde. O ônibus parou no ponto final em frente à Praça
Afonso Pena. Mister Nagy desceu com sua pose número quatro. Ele tinha várias. A
de grande Chefe, a de tristeza, a de piedade, a de devoto e a de admiração. Um
ator nato Mister Nagy. Desta vez estava com seu uniforme de tergal caqui, e
ninguém diria que ele tinha feito uma viagem de doze horas com ele. Estava
impecável. O lenço bem postado, o meião com as estrias perfeitas e podia medir
os quatro dedos da dobra. O cinto marrom nem parecia Velho de tanto que ele
engraxava. A fivela brilhava parecia ouro puro. O chapéu já gasto com o tempo
nem parecia ter seu tempo de uso por anos e anos de escotismo. Quem dera Mister
Nagy não tinha o escotismo no coração. Era um escroque. Um enganador, um
falsário um fingido que merecia o desprezo de todo mundo. Sorrindo com pose de
grande chefão se dirigiu ao melhor hotel da cidade. Melhor? Bem era o único.
Loreta a arrumadeira sorriu quando ele
entrou. Nos seus 35 anos e solteira ainda sonhava com um príncipe encantado.
Polyana atendia atrás de um balcão marrom e ficou encantada com os trejeitos e
cavalheirismo de mister Nagy. – Pois não senhor? – Um quarto senhorita, o
melhor, por favor! – Assine aqui e só escreva quantos dias irá ficar. Mister
Nagy a olhou e seu sorriso fez tremer Polyana. Seu coração gritou que ela
estava amando com seus dezessete anos de idade. – Pode me dizer quem é o Chefe
do Grupo Escoteiro da Cidade? – Pastor Walfrido senhor! – Mora há dois
quarteirões do hotel. – Obrigado. Mister Nagy esfregou as mãos de contente.
Desta vez não iria sair da cidade com mixarias como as outras. Em Ponte Azul
conseguiu cinco mil, em Valdória oito mil. Lembrou-se do seu maior golpe em
Serra Dourada. Quase cem mil! Ficou sem “trabalhar” por meses. No seu quarto
tomou um banho, usou um perfume barato, passou “gumex” nos cabelos, não se
esqueceu do se lenço da Insígnia de Madeira e desceu com seu sorriso encantador
saindo à procura do Pastor Walfrido.
Era
uma templo simples, pequeno, mas ele sabia que ali era uma mina de dinheiro.
Todas as igrejas sempre geravam rendas enormes dos seus seguidores. Ninguem na
templo. Bateu palmas, uma senhora muito educada perguntou: - Quer falar com o
Pastor? – Está lá nos fundos cuidando da hora comunitária. O Senhor pode entrar
e ele vai receber o Senhor. O Pastor era baixinho, pequeno mesmo, magro, jeitão
de caipira nordestino. Com uma enxada capinava um canteiro ajudado por mais
cinco fieis. Assustou quando viu Mister Nagy, lavou as mãos correndo e veio
cumprimenta-lo. Mister Nagy s apresentou: Pastor sou Comissário da UEB com uma
missão sublime. Estamos para fechar, nossas finanças foram bloqueadas e não
temos como manter o escotismo brasileiro. O Senhor sabe o que o novo presidente
fez com nossas poupanças!
Pastor
Walfrido o convidou para irem até sua casa. Sua esposa veio correndo para
cumprimenta-lo. Na porta do Tempo começaram a chegar escoteiros, lobinhos,
seniores e pioneiros. Todos já estavam sabendo do figurão Escoteiro que chegou
a cidade. – Grade Chefe! O que eu posso fazer para ajudar? Colaborar meu caro
Pastor. Em nome de Deus o senhor tem de conversar com todos os jovens e
adultos, pais, mães, simpatizantes e se conhecer algum politico tentar
convencê-lo a ajudar a União dos Escoteiros do Brasil. Nosso escotismo não pode
acabar! Pastor Walfrido esfregou as mãos. Tinha dúvidas, mas se ele não fosse
honesto não estaria de uniforme. Que Deus lhe iluminasse para conseguir o
possível para a UEB. A ordem foi expedida e duas horas depois a sede cheia de
meninos escoteiros. Muitos adultos e simpatizantes. Mister Nagy esfregou as
mãos de contente. Desta vez vou enricar pensou.
A
coleta demorou quatro dias. Não era muito, mas chegava a mais de vinte mil
reais. Alcione tinha oito anos. Lobinha desde os sete. Pegou na mão de Mister
Nagy. – Minha vó quer conhecer o senhor. Pode ir hoje à minha casa? Mister Nagy
não podia dizer não. Foi com Alcione. Uma casa prá lá de humilde. Um barraco
por assim dizer. Mas limpa de corpo e alma. Quando entrou a Vó de Alcione
tentou ficar em pé para recebê-lo. Quase não conseguiu. – Fiz um café para o senhor,
também tem um pedaço de bolo. Os olhos de Mister Nagy correu pela casa, uma
cozinha e uma sala conjugada. Três cadeiras. Um fogão a lenha. Uma cristaleira
com o vidro quebrado. Era de uma pobreza sem igual. Doutor Chefão disse a Vó de
Alcione após o café. Alcione me contou as dificuldades dos escoteiros do
Brasil. Eu só tenho trinta reais até chegar o fim do mês. Mas vou tirar vinte
para o senhor. Alcione concordou ficarmos sem jantar por duas semanas. E nosso
escotismo merece muito mais. Mister Nagy estava irrequieto. Não sabia o que
dizer, tinha vergonha de abrir a boca para agradecer.
No
dia da sua partida a praça estava cheia. Todos queriam dizer adeus. Mister Nagy
nunca pensou que seria assim. Saia das cidades onde dava seus golpes sorrindo e
chamando todo mundo de otário. Quando Alcione com suas mãozinhas cheias de
flores lhe deu uma rosa branca Mister Nagy chorou. Ela pôs a mão em sua face –
Não chore Chefão. Diga ao Escoteiro Chefe que nós tentamos ajudar. Se um dia a
gente puder ajuntar mais algum vamos enviar para o senhor! Vovó me disse que
quando receber o Salario Mínimo que ela tem direito vai dar mais duzentos
reais! Chefe Nagy não aguentou mais. Chorava a cântaros. Em sua mente ele se
amaldiçoava. O Pastor Walfrido veio até ele e pediu desculpas por não terem
mais. O Grupo Escoteiro deu um bravo para ele. Apressado subiu para o ônibus.
Na sua poltrona um velhinho banguelo e sorridente enfiou a mão no bolso, tirou
cinco reais e deu para ele.
O ônibus partiu. Cinco dias depois o
Delegado Lamparina chegou à cidade. Procurou o Pastor Walfrido. Tirou da maleta
um saco cheio de dinheiro. O pastor assustou. – Pastor! Ele disse. Mister Nagy
se entregou na minha cidade. Disse o que era, um escroque e ladrão. Resolveu
devolver o dinheiro de vocês. Aqui pensou em dar mais um golpe como tantos
outros que aplicou em diversas cidades em nome de um movimento escoteiro que
ele nunca pertenceu. Estudou sim como eram, mas nada entendia. Roubou de um
Chefe um uniforme. Ele disse que quer ser julgado e condenado. E se um dia
sair, se o aceitarem irá trabalhar para o senhor. Sem salário, bastaria a
comida e uma cama! Pastor Walfrido chorou ali no seu tempo silencioso.
Agradeceu a Jesus pela alma de Mister Nagy. Ele já lhe dera o perdão porque
quando apareceu pela primeira vez sabia quem ele era. Tinha lido em uma
revista. – Mas ele se perguntava: Quem sou eu para condenar?