sexta-feira, 7 de agosto de 2015

A saga de Rich, um lobo da matilha cinzenta.


Lendas Escoteiras.
A saga de Rich, um lobo da matilha cinzenta.

                       Ele chegou com sua família e conquistou a todos. Quem imaginaria que ele se tornaria quem se tornou? Era negro, assim como seus pais. Um porte altivo, sem um sorriso a nos olhar com bondade. Não sei se sentiu-se diferente ao ser apresentada a matilha. Contaram para ele a mística, como era a Jângal, como era a Gruta, lhe mostraram o bastão totem, gostou da Roca do Conselho e franziu a testa ao ver os lobos no Grande Uivo. – Seu dia vai chegar e você também estará saudando a todos, lhe disse a Kaa. Rick era obediente e disciplinado. Com três meses de atividade foi acantonar. Foi para ele uma das maiores aventuras de sua vida. Sentou-se com um lobo disciplinado na viagem e não se levantou. Uma tarde do segundo dia ele sumiu. Sua matilha o encontrou embaixo de uma frondosa árvore e parecia estar em transe com os olhos semicerrados a balançar a cabeça para frente e para trás. Quem o encontrou chamou o Balu que junto a Bagheera vieram correndo ver o que havia. O que se passou foi incrível. Rich passou a narrar trechos do Livro da Jângal:

               - Não me temam, disse Mowgly, eu sou amigo de vocês. Quando estive com Bagheera na encosta do morro frente à Waiganga, no fim do inverno vi um vale semi-deserto. Vi um pássaro cantando notas incertas tentando aprender para quando viesse à primavera. Bagheera lembrou que o tempo das Falas Novas está próximo e disse que precisava recordar o seu canto e se pôs a ronronar. Mowgly adorava as mudanças das estações. Ficava triste, porém porque os outros corriam para longe o deixando sozinho. - Em minutos toda a Alcateia sentou em sua volta e se encantaram com sua historia. Parecendo viver uma mística verdadeira, com os olhos fechados contava de uma maneira tão bondosa tão simples, que o melhor contador de historia teria ali um professor. Ninguém dizia uma só palavra. – Senhor da Jângal, sabe que eu tenho que viver sozinha – disse Bagheera olhando para Mowgly. Sabe que é na primavera que vou para todos os lugares, fazer coro com os outros animais, onde posso correr até o anoitecer e voltar ao amanhecer. – Sabe que é o tempo das Falas Novas, e eu faço parte de tudo. Mowgly sabia que naqueles tempos, via-os rosnando, uivando, gritando, piando, silvando e eram tão diferentes! Uma sensação de pura infelicidade o invadiu da cabeça aos pés. Mas se arrependeu.

                  Tratei mal a Bagheera e aos outros. Esta noite cruzarei as montanhas, e darei também uma corrida em plena primavera até os pantanais. Todos haviam partido. Só Mowgly ficou. Saiu sozinho aborrecido. Correu naquela noite, às vezes gritando, às vezes cantando. Correu até que o cheiro das flores no pantanal ao longe chegou a suas narinas. Avistou uma estrela bem baixa e lembrou-se do touro que lhe deu a Flor Vermelha. Akelá estava perplexa, todos estavam. Rich continuava sem prestar atenção a ninguém. - Raksha, nossa mãe também disse que o homem vai para o homem. E Akelá na noite do ataque dos Dholes, e também Kaa, a serpente da rocha. - lembrou Mowgly. E tu irmão Gris, que disse tu? – Eles te expulsaram uma vez. Disse o Lobo. Eles queriam te lançar na flor vermelha. Mandaram Buldeu te matar. São maus, insensatos. Foste admitido na Jângal por causa deles. - Para! Que estás dizendo? - - Lobo Gris respondeu - Filhote de homem, senhor da Jângal, filho de Raksha, meu irmão de caverna – O teu caminho é o meu caminho. A tua caça é a minha caça e tua luta de morte é a minha luta de morte.

                      Rich parou de narrar. Levantou, olhou para todos e saiu rumo à sede onde estavam acantonados. Todos suspiraram esperando o final da historia que não veio. A Embriaguez da Primavera sempre era contada por Bagheera. Mas não da maneira que Rich contava. Foi um acantonamento marcante. Rich não contou mais historias. Voltou como era e sempre foi. Calado, taciturno e amigo de todos. Um dia, Rich deixou sua matilha e foi sentar no primeiro degrau da escada que levava a biblioteca. Surpreendentemente começou a cantar músicas de um vasto repertório de Cantos Gregorianos (canto gregoriano é um gênero de música vocalmonódica de uma só melodia), não havia um Organum, não havia acompanhamento. Sua voz retumbava em todo o pátio para surpresa de todos.

                    Começou baixinho interpretando o “Veni Sancte Spiritus”, depois mais alto o “Lauda, Sion” e a “Ave, Maria... et benedictus”. Ninguém conhecia tais cânticos, mas eu tinha diversos CDs de canções Gregorianas. Parei, fiquei estático com aquele cântico tão bem interpretado por Rich. Conhecia todos eles. Sua voz, linda, maravilhosa, um verdadeiro Castrato, ou talvez um soprano, ou um mezo-soprano. Todo o Grupo Escoteiro parou suas atividades. Ficaram ali, embasbacados não acreditando no que viam ou ouviam. Rich não precisava de acompanhamento, uma orquestra. Durante mais de uma hora, Rich cantou maravilhando a todos. Não perguntou se podia, se aquela era à hora. Decidiu por si só. Não era para se exibir para os ouvintes ali sentados no chão. Ninguém tirava os olhos maravilhados com aquele lobinho de uniforme azul, com seu Boné azul, seu lenço verde e amarelo, sorrindo para todos. Era a primeira vez que sorria. Isto foi surpreendente.

                    Foi mesmo uma apresentação primorosa. Todos ficaram fascinados por aquele lobinho. Foram surpreendidos, pois nunca esperavam que isto pudesse acontecer com eles. Rich não tinha hora ou lugar para contar uma historia ou cantar. Isto vinha naturalmente. Continuou na Alcatéia por muitos anos, foi Lobinho Cruzeiro do Sul. Espontaneamente resolvia cantar e ou contar historias. Quando isto acontecia, todos acorriam. Ele passou para a Tropa escoteira, e nos seniores abandonou o escotismo. Seu pai fora trabalhar em outra cidade e ele foi junto. No seu ultimo dia sem ninguém esperar foi ao centro da ferradura e cantou maravilhosamente a Canção da Despedida. Cantou simplesmente. Não houve mãos entrelaçadas, ele cantou sozinho, pois todos ali naquele círculo não tirava os olhos dele. No final as lagrimas apareceram e os soluços também. Seus pais que estavam presentes sorriam. Quando terminou todos acorreram para abraçá-lo. Ninguem nunca mais esqueceu aquele dia.

                Rick se foi e os anos se passaram. A Alcatéia colocou sua foto e seu feito quando era Lobinho na Gruta e na Roca do Conselho. Ficou ao lado de tantos outros famosos como Balu, Bagheera, Kaa... Pelos motivos que o destino nos reserva a qualquer tempo, eu ganhei dois ingressos para assistir a ópera O Elixir do Amor “Una Furtiva Lagrima” no Teatro Municipal. Fui com minha esposa e ali estava nada mais nada menos que um grande Tenor famoso e que eu nunca poderia imaginar quem seria. Surpresa. Era Rich, agora com o nome de Boono Lastimer. Interpretou com tanto sentimento que apesar de não conhecer Enrico Caruso, o mais famoso interprete desta opera, Rich nada ficou a dever, foi aplaudido de pé, por mais de cinco minutos.


              Tentei me aproximar de seu camarim. Impossível. Ele não reconheceu meu nome. Claro, nossa intimidade escoteira foi por pouco tempo. Acompanhei por muitos anos a carreira de Rich. Foi convidado a cantar no Teatro La Scala de Milão na Itália e por lá ficou por vários anos. Soube que a sua turnê pela Europa e América fizeram retumbante sucesso. Ah vida, quem sabe de você? Quem sabe nosso destino? Nunca me esqueci de Rich. Quando penso nele me lembro das palavras de Kaa que na sua nobreza de serpente sempre disse – Somos do mesmo sangue, tu e eu!  

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....