segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Existe sim um tempo para ser feliz.


Lendas Escoteiras.
Existe sim um tempo para ser feliz.

                      Eu morava em uma casinha de pau a pique na Fazenda do seu Malaquias. Meu pai um simples meeiro trabalhava de sol a sol para o sustendo da família. Era eu meu irmão de nove anos e minha mãe. Nunca nos faltou o arroz o feijão, a mandioca e algumas verduras que minha mãe cultivava. Meu pai era um simples e bom, afinal não sabia ler e tudo que aprendeu foi com uma enxada na capina a servir fazendeiros ou quem o procurasse. Nossa casa não tinha eletricidade e televisão, só fomos conhecer no dia que fomos a Alta Floresta, uma cidade a menos de setenta quilômetros onde morávamos. Minha mãe cuidava também de algumas galinhas e um chiqueiro com alguns capados para abater mês sim mês não. Meu pai tinha um radinho de pilha e ficamos no final da jornada do dia após o banho no riacho e o jantar a ouvir a hora do Brasil. Eu levantava cedo com meu irmão. Eram quatro quilômetros até a escola rural na fazenda do Seu Malaquias.

                      Nunca esqueci Dona Niquinha nossa professora. Fingia ser brava, mas amava todos os seus alunos. Ela sempre dizia que devíamos estudar muito para um dia sermos independentes e termos um emprego que nos desse a vida que todos tinham na cidade. Quando retornava comia uma pequena refeição composta de um pouco de feijão, abobora cozida, quem sabe um peixe fresco ou uma seriema que meu pai caçava. Nas latas havia sempre carne misturada com toucinho guardado sempre para ocasiões especiais. Eu me satisfazia com um prato e não pedia mais. Meu irmão era mais faminto e queria sempre outro prato. Após o almoço eu e ele corríamos até a várzea onde meu pai capinava um branqueara da fazenda e cuidava de um lote de feijão plantado na beira do Rio Cinzento. Todos me chamavam de Tião e eu tinha treze anos. Dona Niquinha nossa professora conseguiu uma escova de dente para cada um de nós. Era uma festa quando usávamos.

                   Era uma vida simples e eu gostava dela. Não tinha outra. Uma vez por mês o Padre Nazário vinha celebrar uma missa na fazenda. Dia de usar a roupa mais nova, lavar os cabelos com sabão em barra, e brincar de bolinhas de gude com a meninada meus colegas de escola. Eu tinha uma frota de caminhão de taboas, que eu mesmo fiz com carrocerias de latas vazias. Minha mãe quando matava um capado ela sempre limpava a bexiga e depois enchia para nós. Uma linda bola de futebol.                Quando meus pais matavam um porco, e não era sempre, minha mãe limpava a bexiga e depois de cheia de ar deixava secar. Eram excelentes bolas de futebol. Eu e o meu irmão brincávamos muito a noitinha. Foi numa sexta feira que ao voltar para casa avistamos um ônibus cheio de meninos chegando à fazenda. Dois homens de chapéu de abas largas conversaram com seu Malaquias. Ele me chamou e me pediu se eu podia leva-los até vale do Sacramento próximo ao rio cinzento. Eu sabia onde era e balancei a cabeça concordando. A meninada vestia um tipo uniforme caqui e todos também tinham seu chapelão. Usavam enormes meiões iguais dos times da várzea quando jogavam futebol na fazenda. Quando chegamos foi uma festa, eles desceram cantando, abriram os bagageiros e tiraram enormes sacos cheios de não sei o que. O Chefe deles encontrou um enorme Buritizeiro e ali hasteou a bandeira do Brasil. Achei lindo demais.

                      Achei bonito tudo aquilo. Ficaram com os dedos na testa e cantaram o nosso hino. Eu e Zezé meu irmão estávamos assustados com tudo aquilo. Ele mesmo me lembrou de que devíamos ir almoçar e levar a marmita do papai até a várzea. Fomos correndo e pedi a mamãe e o papai se podia ficar lá naquele dia. Ele me olhou compreensivo e deixou. Corri de volta ao local do acampamento dos escoteiros. Eles já tinham armados as barracas, fizeram um cercadinho e um fogão de barro por sinal muito mal feito. Gostavam de cortar bambus e com eles faziam mesas, cadeiras e bancos. Havia outras armações que não entendi o porquê. Um deles com um pau e uma bandeira se aproximou. Foi legal, nos deu a mão esquerda e disse que eles se cumprimentavam assim. Contaram que eram escoteiros da capital e acampavam sempre em locais desconhecidos. Não entendi bem o que ele dizia, mas achei bacana o que ele dizia.

                     Cada turminha se chamava patrulha tinha seu cercadinho que ele dizia ser a casa deles enquanto estivem acampados. Os homens eram chamados de chefes e tinham também o cercadinho deles. Eles fizeram um fogão de barro e eu aproveitei para ensinar a eles como usar o barro branco que havia na beira do Rio Cinzento. Fiquei ali a tarde toda. Convidaram-me para jantar e agradeci. Fui até em casa, era hora do meu banho e quando estava no rio me lavando ouvi vários gritos. Olhei para ver o que era e vi um deles quase no meio do rio (não era largo) gritando e mexendo com os braços. Vi que estava afogando. Eu era um bom nadador e sabia como agir. Nadei até ele, peguei por traz e puxei-o até a margem. Logo os chefes e vários escoteiros apareceram. Deitaram-no de costa e apertaram sua barriga. Um deles deu um beijo varias vezes e o menino voltou a respirar (respiração artificial boca a boca).

                 Abraçaram-me, disseram que era herói e coisa e tal. Não entendi nada. Conversaram com meu pai e pediram para eu participar com eles até o domingo. Nunca imaginei que isto pudesse acontecer. Foi lindo, uma experiência que nunca tive. Fui de uma patrulha e aos poucos aprendi os apitos e formaturas. À noite, após a janta que jantei com eles (o cozinheiro deles cozinhava mal prá burro!) fizeram uma brincadeira muito gostosa. Rezaram o Pai Nosso e foram dormir. Eu fui para minha casa prometendo estar lá bem cedo. Foi uma noite linda, não conseguia dormir e só pensava no sábado com eles, os meus novos amigos. Os dias foram passando e eu amando mais e mais tudo aquilo. Eles se assustaram com um saçurana pequena e mostrei a eles que não precisavam ter medo. Foi à noite que me emocionei. Acenderam uma bela fogueira, brincaram cantaram e no final todos deram as mãos e choraram com a canção cantada.

                  No domingo logo após a inspeção começaram a desmontar as barracas e algumas construções que chamavam de pioneirias. Após subirem a bandeira foi feito outra brincadeira chamada de Escalpes. Enfiamos o lenço na cintura e tentavam tomar o lenço um dos outros. Foi muito divertido. No almoço pedi para cozinhar. Adoraram a minha comida. Já bem tarde com tudo guardado no ônibus e formados na bandeira o Chefe me chamou. Disse-me que eu seria Escoteiro honorário da Tropa 222 do Grupo Escoteiro Leão do Norte. Foi lindo. Deram-me um lenço e um anel. Chorei demais. Juntaram todos e deram o grito da Tropa. Logo todos foram me cumprimentar e entraram no ônibus partindo em seguida. Eu fiquei ali, sozinho naquele campo e já escurecendo não parava de chorar. Porque não podia ir com eles? Perguntava-me. A noite chegou e meus pais foram me buscar.

                          Eu não queria ir embora. Achava que se saísse dali esqueceria tudo. Fui para casa chorando e meu pai e minha mãe me abraçando. Dormi abraçado com meu lenço de Escoteiro honorário. Nunca esqueci tudo que vivi. Todos os fins de semana ia para o local de acampamento e lá ficava a lembrar. Meus olhos se encharcavam de lágrimas e eu mantive o mastro de bandeira por muito tempo. Ficava em frente a ele e gritava: - Firme, descansar, a bandeira em saudação! – O tempo passou hoje casado tenho três filhos. Nunca esqueci aqueles dias e conto a história aos meus filhos que me olham espantados ao me ver chorar. Nunca mais vi os escoteiros, mas eles permaneceram em meu coração para sempre e sei que até meu último dia vou reviver os belos dias que com eles vivi. Sempre soube que tudo que fizemos juntos eles me trataram como um irmão e mesmo sem ser um deles me considero um Escoteiro até hoje.


                Quem sabe um dia meus filhos poderão ter a oportunidade de ser o que não fui? Que Deus me ouça. Que eles possam um dia viver o que eu vivi uma fraternidade incrível que me marcou para sempre!    

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