Lendas
Escoteiras.
Existe
sim um tempo para ser feliz.
Eu morava em uma casinha
de pau a pique na Fazenda do seu Malaquias. Meu pai um simples meeiro
trabalhava de sol a sol para o sustendo da família. Era eu meu irmão de nove
anos e minha mãe. Nunca nos faltou o arroz o feijão, a mandioca e algumas
verduras que minha mãe cultivava. Meu pai era um simples e bom, afinal não
sabia ler e tudo que aprendeu foi com uma enxada na capina a servir fazendeiros
ou quem o procurasse. Nossa casa não tinha eletricidade e televisão, só fomos
conhecer no dia que fomos a Alta Floresta, uma cidade a menos de setenta
quilômetros onde morávamos. Minha mãe cuidava também de algumas galinhas e um
chiqueiro com alguns capados para abater mês sim mês não. Meu pai tinha um
radinho de pilha e ficamos no final da jornada do dia após o banho no riacho e
o jantar a ouvir a hora do Brasil. Eu levantava cedo com meu irmão. Eram quatro
quilômetros até a escola rural na fazenda do Seu Malaquias.
Nunca esqueci Dona Niquinha nossa professora.
Fingia ser brava, mas amava todos os seus alunos. Ela sempre dizia que devíamos
estudar muito para um dia sermos independentes e termos um emprego que nos
desse a vida que todos tinham na cidade. Quando retornava comia uma pequena
refeição composta de um pouco de feijão, abobora cozida, quem sabe um peixe
fresco ou uma seriema que meu pai caçava. Nas latas havia sempre carne
misturada com toucinho guardado sempre para ocasiões especiais. Eu me
satisfazia com um prato e não pedia mais. Meu irmão era mais faminto e queria
sempre outro prato. Após o almoço eu e ele corríamos até a várzea onde meu pai
capinava um branqueara da fazenda e cuidava de um lote de feijão plantado na
beira do Rio Cinzento. Todos me chamavam de Tião e eu tinha treze anos. Dona
Niquinha nossa professora conseguiu uma escova de dente para cada um de nós.
Era uma festa quando usávamos.
Era uma vida simples e eu
gostava dela. Não tinha outra. Uma vez por mês o Padre Nazário vinha celebrar
uma missa na fazenda. Dia de usar a roupa mais nova, lavar os cabelos com sabão
em barra, e brincar de bolinhas de gude com a meninada meus colegas de escola.
Eu tinha uma frota de caminhão de taboas, que eu mesmo fiz com carrocerias de
latas vazias. Minha mãe quando matava um capado ela sempre limpava a bexiga e
depois enchia para nós. Uma linda bola de futebol. Quando meus pais matavam um
porco, e não era sempre, minha mãe limpava a bexiga e depois de cheia de ar
deixava secar. Eram excelentes bolas de futebol. Eu e o meu irmão brincávamos
muito a noitinha. Foi numa sexta feira que ao voltar para casa avistamos um
ônibus cheio de meninos chegando à fazenda. Dois homens de chapéu de abas
largas conversaram com seu Malaquias. Ele me chamou e me pediu se eu podia
leva-los até vale do Sacramento próximo ao rio cinzento. Eu sabia onde era e
balancei a cabeça concordando. A meninada vestia um tipo uniforme caqui e todos
também tinham seu chapelão. Usavam enormes meiões iguais dos times da várzea
quando jogavam futebol na fazenda. Quando chegamos foi uma festa, eles desceram
cantando, abriram os bagageiros e tiraram enormes sacos cheios de não sei o
que. O Chefe deles encontrou um enorme Buritizeiro e ali hasteou a bandeira do
Brasil. Achei lindo demais.
Achei bonito tudo aquilo.
Ficaram com os dedos na testa e cantaram o nosso hino. Eu e Zezé meu irmão
estávamos assustados com tudo aquilo. Ele mesmo me lembrou de que devíamos ir
almoçar e levar a marmita do papai até a várzea. Fomos correndo e pedi a mamãe
e o papai se podia ficar lá naquele dia. Ele me olhou compreensivo e deixou.
Corri de volta ao local do acampamento dos escoteiros. Eles já tinham armados
as barracas, fizeram um cercadinho e um fogão de barro por sinal muito mal
feito. Gostavam de cortar bambus e com eles faziam mesas, cadeiras e bancos.
Havia outras armações que não entendi o porquê. Um deles com um pau e uma
bandeira se aproximou. Foi legal, nos deu a mão esquerda e disse que eles se
cumprimentavam assim. Contaram que eram escoteiros da capital e acampavam
sempre em locais desconhecidos. Não entendi bem o que ele dizia, mas achei
bacana o que ele dizia.
Cada turminha se chamava
patrulha tinha seu cercadinho que ele dizia ser a casa deles enquanto estivem
acampados. Os homens eram chamados de chefes e tinham também o cercadinho
deles. Eles fizeram um fogão de barro e eu aproveitei para ensinar a eles como
usar o barro branco que havia na beira do Rio Cinzento. Fiquei ali a tarde
toda. Convidaram-me para jantar e agradeci. Fui até em casa, era hora do meu
banho e quando estava no rio me lavando ouvi vários gritos. Olhei para ver o
que era e vi um deles quase no meio do rio (não era largo) gritando e mexendo
com os braços. Vi que estava afogando. Eu era um bom nadador e sabia como agir.
Nadei até ele, peguei por traz e puxei-o até a margem. Logo os chefes e vários
escoteiros apareceram. Deitaram-no de costa e apertaram sua barriga. Um deles
deu um beijo varias vezes e o menino voltou a respirar (respiração artificial
boca a boca).
Abraçaram-me, disseram que era
herói e coisa e tal. Não entendi nada. Conversaram com meu pai e pediram para
eu participar com eles até o domingo. Nunca imaginei que isto pudesse acontecer.
Foi lindo, uma experiência que nunca tive. Fui de uma patrulha e aos poucos
aprendi os apitos e formaturas. À noite, após a janta que jantei com eles (o
cozinheiro deles cozinhava mal prá burro!) fizeram uma brincadeira muito
gostosa. Rezaram o Pai Nosso e foram dormir. Eu fui para minha casa prometendo
estar lá bem cedo. Foi uma noite linda, não conseguia dormir e só pensava no
sábado com eles, os meus novos amigos. Os dias foram passando e eu amando mais
e mais tudo aquilo. Eles se assustaram com um saçurana pequena e mostrei a eles
que não precisavam ter medo. Foi à noite que me emocionei. Acenderam uma bela
fogueira, brincaram cantaram e no final todos deram as mãos e choraram com a
canção cantada.
No domingo logo após a
inspeção começaram a desmontar as barracas e algumas construções que chamavam
de pioneirias. Após subirem a bandeira foi feito outra brincadeira chamada de
Escalpes. Enfiamos o lenço na cintura e tentavam tomar o lenço um dos outros. Foi
muito divertido. No almoço pedi para cozinhar. Adoraram a minha comida. Já bem
tarde com tudo guardado no ônibus e formados na bandeira o Chefe me chamou.
Disse-me que eu seria Escoteiro honorário da Tropa 222 do Grupo Escoteiro Leão
do Norte. Foi lindo. Deram-me um lenço e um anel. Chorei demais. Juntaram todos
e deram o grito da Tropa. Logo todos foram me cumprimentar e entraram no ônibus
partindo em seguida. Eu fiquei ali, sozinho naquele campo e já escurecendo não
parava de chorar. Porque não podia ir com eles? Perguntava-me. A noite chegou e
meus pais foram me buscar.
Eu não queria ir
embora. Achava que se saísse dali esqueceria tudo. Fui para casa chorando e meu
pai e minha mãe me abraçando. Dormi abraçado com meu lenço de Escoteiro
honorário. Nunca esqueci tudo que vivi. Todos os fins de semana ia para o local
de acampamento e lá ficava a lembrar. Meus olhos se encharcavam de lágrimas e
eu mantive o mastro de bandeira por muito tempo. Ficava em frente a ele e
gritava: - Firme, descansar, a bandeira em saudação! – O tempo passou hoje
casado tenho três filhos. Nunca esqueci aqueles dias e conto a história aos
meus filhos que me olham espantados ao me ver chorar. Nunca mais vi os
escoteiros, mas eles permaneceram em meu coração para sempre e sei que até meu
último dia vou reviver os belos dias que com eles vivi. Sempre soube que tudo
que fizemos juntos eles me trataram como um irmão e mesmo sem ser um deles me
considero um Escoteiro até hoje.
Quem sabe um dia meus filhos
poderão ter a oportunidade de ser o que não fui? Que Deus me ouça. Que eles
possam um dia viver o que eu vivi uma fraternidade incrível que me marcou para
sempre!
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