Lendas
escoteiras.
A lenda dos
milagres de Sophia.
Não conheci a escoteira Sophia. Se não
tivesse participado do desfile do Sete de Setembro naquele ano a história dela
nunca seria conhecida por grande parte do movimento escoteiro. Sei que muitos
sabiam, mas tudo era contado à boca pequena sem chances de até mesmo o
Arcebispo Joshua pensar que um dia ela poderia ser canonizada. Ele ficou
impressionado com o relato do vigário Honório. - Verdade mesmo Honório? – Eminência,
são mais de vinte meninos e meninas que assistiram tudo no acampamento que
fizeram Na Lagoa dos Sonhos. Ela pegava peixes com as mãos, curou doentes,
acendeu um fogo sem fósforos em segundos. E não foram só estes foram vários! –
E adultos tinha algum? Perguntou o Arcebispo. – Não eminência, só uma vez Dona
Filó e o Chefe Manolo assistiram um milagre dela. Foi o mais simples. - Eles
viram-na se elevar no ar e beijar um periquito no ninho de uma árvore há mais
de oito metros de altura!
Sei que o Vigário Honório ficou mais de cinco
horas a narrar para sua Eminência o Arcebispo Joshua tudo o que viu e tudo que
lhe contaram. Saiu do Palácio Episcopal mais de meia noite. Deixou o Arcebispo
com a pulga atrás da orelha. Ele já tinha lido e conversado com muitos sobre o
tema mediunidade. Quem sabe esta escoteira não era assim? Mas se elevar no ar?
Isto não é mediunidade. Mais parecia que era sensitiva. Ver os mortos,
visualizar o futuro e ter visões extraordinárias. Agora se elevar no ar? Isto
não saia da mente do Arcebispo. No dia seguinte ligou para o vigário. Pediu a
ele se podia trazer a escoteira até o palácio. Ele queria conhecê-la. Dona
Fabíola mãe de Sophia não se opôs. Partiram em uma manhã de sábado. Daria prazo
para ela participar da reunião escoteira da tarde, disto ela não abria mão. O
Arcebispo ficou maravilhado e abobalhado. Ela na sua presença conversa como
gente grande. Inteligentíssima. Conversou com ela em inglês, francês e italiano
e ate abusou do latim.
Mas vamos voltar ao início se não vocês
não vão conhecer Sophia e sua história. Monossílabo era sênior da Antares, uma
patrulha antiga e quatro Sêniores e duas guias. Eu cansado de uma manhã do
desfile da cidade, sentei-me no banco da praça e ele sentou ao meu lado. – Sabe
Chefe, se Sophia a escoteira tivesse vindo este desfile seria inesquecível. –
Fiquei encucado. – Quem é a escoteira Sophia? – Chefe! O senhor ainda não ouviu
falar dela? – Claro que não Monossílabo, se não eu não teria perguntado. – Bem
Chefe, ela está conosco há dois anos. Quando chegou à sede ninguém deu nada por
ela. Mas no primeiro dia de reunião Loquinho o Monitor da Águia ficou
boquiaberto com ela. Em uma base de nós, com os olhos fechados ele fez mais de
vinte nós escoteiros e de marinheiro. Ninguém acreditava no que via. Precisava
ver no acampamento. Cortava um galho em segundos. Parecia que o facão era
mágico.
Monossílabo ficou me narrou por horas. A
princípio não acreditei nele. Havia muito floreio em tudo. Mas me lembrei de um
fato ocorrido há alguns anos e só não lembrava se era ela a protagonista. Ela e
sua mãe chegaram correndo a delegacia, mais de duas da manhã dizendo que um
acidente grave aconteceu na estrada 45. Na curva da onça um ônibus despencou
por sobre a ponte. Mais de vinte mortos. Pinduca o Sargento da guarda não
acreditou. Foi preciso chamar o prefeito que relutante em acordar acompanhou
todos até a ponte fatídica. Gemidos, gritos de socorro e o trabalho de ajuda
começou. Um menino de três anos ensanguentado foi colocado por sobre uma manta
e o enfermeiro disse que estava morto. Não estava, pois Sophia pegou na mão
dele e ele se levantou. Dizem que ela deu vida a mais oito pessoas. As demais
não, pois conforme disse era desígnio de Deus. Teria que ser assim.
Sophia não era linda, nada disto.
Tinha o rosto fino, nariz comprido, uma boca pequena e cabelos crespos que ela
insistia em não pentear. Ficava diferente e ela gostava. Falava fanhoso e
deixou todo mundo boquiaberto quando um dia falou como uma rainha. Na patrulha
era bem quista e ninguém notava nada diferente. Nas atividades que o Chefe Manolo
e a Chefe Malena faziam na maioria das vezes a patrulha dela não se
evidenciava. Só uns meses atrás que tudo mudou. Ela parava durante alguma
corrida dizendo estar vendo pessoas mortas. Garantiu ao Chefe Manolo durante
uma cerimônia de bandeira que o Chefe Tonon estava presente. Chefe Tonon foi o
fundador do grupo a mais de setenta anos. Morrera há quinze anos. Sophia
começou a ser procurada por doentes, cadeirantes e a cidade começou a ter
turistas de todos os lugares por causa dela. Quando ia para o Grupo Escoteiro a
sede ficava superlotada de pessoas querendo falar com ela ou ser abençoadas.
O vigário Honório correu a falar com o
Arcebispo. Esqueceu-se de Don Antonio um Velho morador da cidade e Presidente
do Centro Espirita Boa Vontade. Ele ria quieto em seu canto. Sabia que Aimée
era um espírito superior e que os habitantes nunca podia imaginar quem ela fora
no passado. Ele sabia que ela iria desencarnar aos quinze anos. Morte natural.
Falar isto para o padre? Nem pensar. Comentou superficialmente com o Chefe Manolo.
Um bom Chefe. Era evangélico e ficou incrédulo com tudo aquilo, mas o que vira
em Sophia até que poderia ser verdade. Cinco meses depois chegou à cidade monsenhor
Giuseph a mando da cúria papal. Era para averiguar e comprovar os milagres de Sophia.
Não ficou dois dias. Quando a conheceu ela disse para ele – Senhor Monsenhor,
daqui a dois anos o Papa Lozano III vai falecer e o senhor será eleito o novo
papa!
Ninguém soube do fato e eu mesmo não sabia
como Monossílabo sabia. Bem o final da história é que a Cúria Romana até hoje
discute se Sophia era possuidora de receber o título de santa. Mesmo após sua
morte ocorrida na aventura Sênior distrital que a tropa participou na Serra dos
Órgãos eles continuaram investigando. Ainda investigam. Quem sabe teremos a
primeira santa escoteira? Vai ser o máximo. O escotismo terá dado um enorme
salto para o sucesso de marketing. Procurei saber como foi à morte de Sophia.
Sua Patrulha jura de pé junto que ela se despediu de um por um e disse para não
se preocuparem. Sua mãe já sabia que era hora de ir. Ninguém acreditou quando
uma forte luz a levou. Seu corpo sumiu e até hoje não foi encontrado. A policia
fez de tudo para ver se não havia outra história, mas teve que se contentar com
a fantástica explicação dos seniores que estavam com ela. O delegado já saiba
de seus poderes sobrenaturais e deu o caso como encerrado.
Monossílabo me jurou que nas noites de
acampamento, quando os seniores se reúnem em volta de um fogo para jogar
conversa fora ela aparece e fica com eles por horas contando como são os
escoteiros que moram no céu. Don Antonio o espírita tem boas relações com dona
Fabiola mãe de Sophia. Conversam muito. A cidade não sabe o que conversam. Se Sophia
é mesmo um espírito cheio de luz eu não sei. Se isto é coisa do diabo eu também
não sei. Dizem que Deus sabe o que faz e como eu acredito nele a história de Sophia
para mim é verdadeira. Afinal temos ou não uma só palavra?
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