Lendas
Escoteiras.
Samuel
Escoteiro e as Sete Pragas de Rio Mimoso.
Estava eu em Pocitos
(Montevidéu) e uma bela surpresa aconteceu, em carne e osso o Chefe Lépido
(Marco Emilio Lépido) Gente fina. O conheci ha muitos anos em um Seminário Internacional
Escoteiro em San José na Costa Rica. Ficamos amigos. Amicíssimos. Fazia mais de
dois anos que não o via. Sentamos em um Café de frente para o mar e conversamos
até altas horas da madrugada. Eu iria retornar ao Brasil no dia seguinte e ele
iria partir para a Cidade do Cabo na África do Sul. Lépido era um emérito
contador de histórias. Eu gostava do jeito dele. Narrava e vivia com as mãos e
o corpo o desenrolar da história. Depois de gostosos Martines ele como sempre
me contou uma das suas histórias. – Meu amigo foi em Rio Mimoso. Não tinha mais
que vinte mil habitantes. Gostei muito do Grupo Escoteiro de lá. Turma
excelente. Foi um Escoteiro de nome Samuel, de treze anos que me contou a
história de Rabequita. Folclore da cidade, sem pais e só sabiam que ela morava
no Morro da Tristeza. Morar lá era o fim do mundo. Rabequita andava o dia inteiro
pela cidade apoquentando todo mundo. Falava palavrões, e todos corriam dela
como o diabo corre da cruz. Só podia ser maluca diziam. Porque não a internam
num hospício por ai? O Prefeito Bafodonça
tinha medo dela. O Dr. Pasquelino Gonzaga Juiz de Direito nunca chegou perto
dela. O Delegado Praxedes lavou as mãos. Que ela morra, pois nem no seu enterro
pretendo ir. E dava boas risadas.
Quem não gostava dela era as
Damas dos Bons Costumes da cidade. Faziam tudo para sumir com ela de lá. – Tinham
ódio de Rabequita. Ela só tinha um fã. Samuel da Patrulha Corvo. Todo sábado
pela manhã, antes da reunião ele a levava a sua casa para tomar banho. Só
tomava banho aos sábados. Sua mãe bem velhinha sorria e apoiava o filho. Ele conseguia
roupas limpas para ela junto às famílias escoteiras. Ninguém entendia nada. Todos
ficavam espantados quando ele segurava sua mão e sem nenhum palavrão o seguia.
Rabequita gostava de Samuel. Depois do banho Samuel Escoteiro oferecia um lauto
almoço. De lá ia para reunião Escoteira sorrindo e cantando. Era sua boa ação e
se orgulhava dela. O Chefe Calango gostava de Samuel. Gostava da boa ação de
Samuel. O mês de janeiro prometia. Um sol escaldante, nada de chuva. A represa
que abastecia a cidade estava secando. As damas do Bom Costume rezavam. Pediam
a São Tomás de Aquino e não a São Pedro para ele trazer chuva. Tantas
procissões que os Escoteiros preferiam acampar em vez de ficar rezando. Não
adianta diziam!
Rabequita só olhava de longe
e dava gargalhadas enormes. – Alcoviteiras, viúvas de São Pedro, vagabundas da
cidade ela gritava em cima de um caminhão Velho enquanto a procissão passava.
As Damas ficavam tiriricas da vida. Seu Bispo! Onde vamos parar? Dom Casmurro
(o padre) não sabia o que dizer. O bispo telefonou ao prefeito que telefonou ao
juiz que telefonou ao Delegado e nada. Rabequita não parava de praguejar. Uma
noite dormiu no chiqueiro do açougue do Zé Minhoca só para que todos pudessem
sentir seu fedor na noite da procissão. O Padre Dom Casmurro engolia em seco.
Toda vez que procurou Rabequita ela o mandava para aquele lugar. Um novo
delegado a meteu no xadrez. Vou dar uma lição nesta “Sapopemba dos infernos”. O
cheiro que ela soltou na delegacia foi demais. Solta foi para a rua jogar pedras
nos carros e nas lojas. Samuel Escoteiro quando soube foi lá e a acalmou.
Ninguém sabia o segredo de Samuel e porque ela obedecia. Disse para o delgado
para ter paciência. - Não me enches a paciência menino, ela não sabe com quem
está mexendo. Dito e feito uma colmeia de abelhas africanas invadiu a
delegacia. Milhares e milhares delas.
O escrivão e dois soldados
sumiram com a cara inchada de mordidas. O Delegado Prometeu chingava a Deus e o
mundo. Montesuma um apicultor foi lá e recolheu a colmeia. À noite na procissão
Rabequita gritou alto: - Querem chuva? Vou lhes dar chuva! E ria. E gargalhava.
Trovões ribombaram nos céus. Um mundo de água caiu sobre Rio Mimoso. No inicio
o povo dançava e cantava de alegria. Um dia, dois dias, três quatro uma semana.
A chuva não parava. A ponte sobre o rio mimoso desabou. Rabequita dançava na
chuva. A Tropa Escoteira em reunião discutia sobre o acampamento anual nas
Pedras Nuas. Era o acampamento do ano. Vamos cancelar! Chefe, não cancele disse
Samuel. Dê-me dois dias. Vou resolver. Samuel foi atrás de Rabequita. Ela lhe
deu a mão pensando que era hora do banho. Samuel falou baixinho no seu ouvido –
Rabequita, se a chuva não parar não poderemos acampar! O delegado na janela
ameaçava: - Se esta feiticeira acha que vai rir de mim está redondamente
enganada. Telefonou para Mar das Vertentes e falou com o delegado de lá. Pediu
um rabecão para levar uma doida e internar no Hospício Esperança Feliz.
Levaram Rabequita a
noite. Ninguém viu. No dia seguinte não amanhecia. Sempre noite. O que ouve?
Outra praga de Rabequita? Um dia, dois três e a noite continuava. A cidade em
polvorosa. O Delegado Prometeu ficou cismado. Cacilda! A mulher tem parte com o
Demônio? Mandou trazê-la de volta. Ela o olhou e disse: - A próxima vez você
vai virar um macaco prego pintassilgo! Irá morrer de tanto comer banana. O dia
clareou para alegria de todos. O Prefeito Bafodonça e o Dr. Pasquelino Gonzaga
o Juiz de Direito, reuniram a fina flor da sociedade local. O que fazer?
Chamaram também o Escoteiro Samuel. Afinal ele era íntimo dela. Quem sabe ele
podia aconselhar. Querem resolver? Perguntou Samuel. Dê a ela uma casinha boa
perto do Cemitério do Paletó Preto. A cada dez dias mande o Senhor Marombático
do Supermercado Preço Alto entregar uma cesta de mantimentos. Todo mês mandem
levar para ela duas caixas de charutos Cohiba, aquele que o ex-presidente Lula
fuma. – Mas este charuto é caríssimo! - Disse o Prefeito. - Tudo bem aceito.
Durante cinco meses a paz voltou a reinar na cidade. Um dia Marombatico não
cumpriu o prometido. A prefeitura não pagava. O inferno caiu sobre a cidade. Pássaros
invadiram a cidade. Quem saia de terno voltava borrado. Nova reunião e tudo
voltou ao normal.
– Mesmo na casa nova Manuel ia buscar
para seu banho semanal. Um dia ela falou com ele que iria deixar a cidade feder
por um ano. Manuel insistiu. Exigiu que ela tomasse banho todos os dias.
Rabequita vou arrumar um marido para você. Só tomando seu banho semanal! Não
deu outra. No domingo o mau cheiro soprava dos lados da sede do Perneta
Footboll Club. Ninguém descobriu de onde vinha o cheiro. A cidade em peso de
mascaras. Janelas fechadas, mesmo assim estava difícil viver. Samuel deixou de levá-la para o banho. O
cheiro desapareceu. Rabequita pediu um carro. Novo. Zero quilômetro. Manuel foi
ao seu encontro e disse que ela queria demais. – Samuel a cidade me deve muito!
O Prefeito Bafodonça explodiu! Nunca andou nem de bicicleta e agora quer um
carro? A catinga piorou.
O Carro foi
entregue. Um Honda Civic vermelho lindo de morrer. As Damas dos Bons Costumes
cuspiam de ódio. Resolveram botar fogo na casa de Rabequita. Não conseguiram. Voltaram
para suas casas frustradas. O pior a casa de todas estava pegando fogo! Meu
Deus! É um demônio não é uma mulher! Bem
a história termina aqui. Samuel me disse que Rabequita cansou da cidade de Rio
Mimoso. Mudou-se para a cidade de Boina Verde. Quando ela se foi, um foguetório
enorme se fez rebombar na cidade. Ninguém teve dó do pessoal de Boina Verde.
Dei belas risadas olhando para o meu amigo Lépido. Ele me olhava com expressão
galhofeira. Verdade isto meu amigo? Palavra de Escoteiro! Ele disse. Tomamos
mais umas duas cervejas Westmalle por sugestão do garçom. Despedimo-nos e cada
um foi para o seu lado. Um quarteirão antes do hotel que estava hospedado vi
uma mulher desgrenhada, suja, um mau cheiro horrível e chegou perto de mim e
disse – Me paga uma cachaça filho da mãe! Paguei. Sei lá se era a Rabequita.
Montevidéu não tem disto, mas não se pode acender uma alma a Deus e ao Diabo ao
mesmo tempo!
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